Pretende-se desenvolver nesta cadeira uma reflexão em torno da genealogia de estruturas histórico-comunicacionais, das respectivas mediações simbólicas e tecnológicas e do campo dos media. Do mesmo modo se fará a análise de contextos, práticas, regularidades, arquivos, das condições de produção histórica do real comunicacional e da lei dos sistemas que orientam o aparecimento de enunciados como acontecimentos singulares.
Na abordagem dos diferentes tempos históricos, procura-se problematizar a emergência de campos de mediação, designadamente a partir da interpretação das grandes mutações e na configuração das diferentes estruturas comunicacionais, tecnológicas e simbólicas. Serão considerados diferentes universos - as sociedades de cultural oral; a emergência da escrita; o universo tipográfico, o livro e a imprensa; a sociedade pós- industrial e os media de massa, analisando os dispositivos histórico-culturais das diferentes épocas históricas e/ou comunicacionais.
A cadeira de História dos Media está assim organizada em grandes capítulos, o primeiro dos quais - Epistemologia da História dos Media - tem uma preocupação fundamentalmente teórica e metodológica. Nele se procurará repensar as diferentes contribuições provenientes do âmbito da filosofia e da teoria da história, com relevância, quer para o trabalho historiográfico no campo dos media, quer para uma crítica da própria história enquanto 'grande narrativa' na encruzilhada de saberes em crise.
Os capítulos seguintes configuram-se necessariamente como um todo. A história dos media não é, no nosso entender, a história conjuntural de determinado 'fenómeno' ou campo mediático dado como totalidade inexpugnável, é sim uma figura global sempre em processo de mudança, um corpo de tensões, uma cadeia de interdependências recíprocas. Nessa medida, a história das mediações simbólicas e tecnológicas - das sociedades de cultural oral às dramaturgias da pós-modernidade - emerge como um universo fecundo de sentido, em constante actualização, sendo certo que quanto mais densos e aprofundados são os problemas e dependências recíprocas, mais se tornará visível a constituição de um dispositivo histórico-cultural comum pré- e pós-alfabético.
Trata-se portanto de provocar uma reflexão em torno da genealogia de estruturas comunicacionais, numa perspectiva fundamentalmente histórico-cultural. No estudo dos diferentes tempos históricos procurar-se-á problematizar o sentido da emergência - o sentido da história - de diferentes universos comunicacionais e respectivos campos mediáticos, a partir essencialmente da interpretação das grandes mutações observáveis nas linhas de fractura e na configuração das diferentes estruturas.
Em análise estarão quer os macro acontecimentos e as grandes estruturas históricas, quer os micro fenómenos comunicacionais, do fait-divers aos meta-acontecimentos e à actualidade trágica. Procurar-se-á conduzir à definição dos seus parâmetros isomórficos, na sua genealogia, e confrontar os mecanismos de regulação da produção simbólica nas diferentes épocas. Em acréscimo, propõe-se o aprofundamento da reflexão entre o campo de dominação e o campo de comunicação, analisando os dispositivos de dominação propriamente ditos, designadamente a partir da noção de dispositivo histórico-cultural pós-alfabético, e com base no postulado que considera a história da comunicação 'pública', e também 'privada' - é a história de um fluxo unívoco de dominação.
Colocar-se-á então ao historiador o problema das condições de produção histórica - de um quadro legal, de um discurso, ou saber, de um relato événementielle, por exemplo. É através do trabalho 'arqueológico' dos contextos, discursos e condições de possibilidade que se chegará à descrição intrínseca desses documentos, das formações discursivas em que se inserem, procurando as regularidades que se enunciam, a figura que se forma.
Importará pois trabalhar o campo das excisões que nos apelam à descoberta da lei do sistema que orientou o aparecimento de enunciados como acontecimentos singulares, produzindo dessa forma aquilo que é lícito chamar de 'real' ou, pelo menos, as formas e o conteúdo da visibilidade desse real mediatizado. Emergirá, nestas circunstâncias, um 'media' ou um acontecimento-monumento, configurado como produto de um contexto histórico-cultural que lhe deu corpo segundo as relações de forças que aí detinham o poder e também em função das formações não-discursivas então estabelecidas, das condições de enunciação e contextos criados, dos efeitos assegurados por uma descrição do mundo que é, finalmente, uma nova ordem discursiva do real e do mundo.
Veja-se, por exemplo, a história da comunicação social portuguesa do Século XX. É, fundamentalmente, a história do discurso dos grandes meios de comunicação, sendo que essa é, em regra, um relato do modo como os mass-media se confrontaram com as inquietações de um real que jamais habitou pacificamente com os media que tinha. Essa é, portanto, a história desses mesmos meios, o seu retrato trágico.
Mais do que eventuais fragmentos da história contemporânea portuguesa é uma história inconciliável com as múltiplas resistências dos irreconciliados, é uma narrativa que obrigou, em boa parte do século, ao compromisso e ao comissariado e não à verdadeira natureza a que presumivelmente estavam destinados, a cumprir e a narrar a experiência do mundo da vida, no fundo, aquilo a que os media pretendem fazer constante referência, sem, no entanto, verdadeiramente o conseguirem.
O paradigma deste modelo mediático podia ser dado por um qualquer grande título da história da imprensa portuguesa, por exemplo, sendo normal identificar ao longo da sua história os diferentes compromissos que foram sendo assumidos pelos seus responsáveis, ora servindo o reaccionarismo monárquico, ora aceitando a modernidade republicana, para depois se deixarem enfeitiçar pela arrogância integralista e fascista, voltando depois para cantar loas à liberdade nos anos de Abril, claudicando por momentos perante neo-estalinismos, para depois de resituarem de novo, institucionalmente, na pequena política do tempo e nos seus jogos de palavras.
INTRODUÇÃO
1. Introdução à cadeira: programa, bibliografia e sistema de avaliação. Organização dos trabalhos dos alunos.
- Os Media e os seus contextos.
- Questões introdutórias sobre a História dos Media.
- A Comunicação Social em Portugal no Séc XX.
- O jornalista, o historiador e os media
2. Introdução à Teoria e História dos Media : da História à crítica da comunicação
- Metodologias, pesquisa crítica e empírica
- Dispositivo histórico-cultural clássico e moderno
- O retorno da techne
EPISTEMOLOGIA DA HISTÓRIA DOS MEDIA
3. História, tempo e media
- A história, o historiador e os mass-media
- O regresso do acontecimento
- O acontecimento e o historiador do presente
4. Para uma sociologia histórica das práticas culturais
- Documento/monumento
- História, escrita de ficção
- No grande jogo da História
- Para uma epistemologia da história dos média - de McLuhan a Foucault
GENEALOGIA DA ESCRITA E DO LIVRO
5. Modelos e profecias da Aldeia Global: McLuhan
- Livro: uma abordagem histórica
- A cultura oral, a origem da escrita e a economia antiga
- Escrita, Poder, Estado
EMERGÊNCIA DA TIPOGRAFIA E DA IMPRENSA
6. O novo espaço público e a ordem disciplinar do olhar
- A origem da tipografia e da esfera pública crítica
- Pré-História e primeira Infância da Imprensa
- Elogio e elegia do jornalismo
A IMPRENSA E A ERA INDUSTRIAL
7. Século XVIII: A Glória da Inglaterra
- A Revolução Francesa e a Imprensa
- A Liberdade e a Imprensa
- A Idade de Ouro
- A Grande Guerra
A IMPRENSA EM PORTUGAL
8. Os Primórdios
- A Imprensa romântica ou de opinião
- A fase industrial da imprensa
OS MASS MEDIA
9. Genealogia da sociedade de consumo e emergência da publicidade
- O dispositivo comunicacional moderno
10. A emergência da Rádio :
- O período nazi
- A Rádio na URSS
- A Voz da América
- A BBC
11. A Rádio em Portugal
- A Rádio ao tempo de Salazar e Caetano
- Rádio : do marcelismo aos nossos dias
12. A emergência da Televisão e o caso português
- Salazar, a censura e os media
- Salazarismo e TV
- Caetano e a RTP
OS NOVOS MEDIA
13. A “pós-televisão”
- A fragmentação do modelo audiovisual
- A emergência da Net e dos novos media
Bibliografia essencialALVES, José Augusto dos Santos
A Opinião Pública em Portugal (1780-1820), UAL, Lisboa, 2000.
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-A Televisão Light Rumo ao Digital, Formalpress/Media XXI, Lisboa, 2006.
-História e Crítica da Comunicação, Século XXI, Lisboa (2ª edição), 2002.
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