30.9.08

Pluralismo, Censura e Serviço Público de Televisão

Mais grave ainda do que a eternização na RTP/1 da dupla “Marcelo/Vitorino”, é a assunção (por parte da ERC e por parte da RTP) de um conceito de pluralismo raquítico.

Um dos problemas da TV pública portuguesa – e designadamente do seu principal canal, a RTP1 – é que “apaga”, muito em particular no seu prime time, aquilo que a Deliberação da AACS de 25.5.05 enunciava discretamente (sobre queixa alegando violação do dever de pluralismo a propósito do programa de Marcelo Rebelo de Sousa), ou seja, que o conceito de pluralismo na sua dimensão plena envolve “as diversas correntes de opinião que exprimem e constituem a sociedade democrática”. O que significa, claro, a opinião em geral, sobretudo a opinião abalizada e distinta e não somente a opinião político-partidária.

Para que as múltiplas vozes de grande mérito da sociedade portuguesa – de intelectuais, académicos, artistas, sociólogos, politólogos, pensadores, ecologistas, etc., etc., etc., ascendam à dignidade mediática no Serviço Público de Televisão, necessitam desde logo que seja a RTP1 a reconhecer essa sua dimensão “patrimonial” de decisivo valor e conselho estratégico, reflexivo, para a sociedade portuguesa, quer na interpretação da actualidade, quer na antevisão do futuro próximo, quer ainda no alerta para as crises desta democracia envelhecida e do transpolítico (crise social, financeira, climática, de valores, de autoridade do Estado, de regulação independente face ao Estado, etc., etc.).

De facto, o fenómeno de “esquecimento” do pensamento português contemporâneo, por parte da RTP1, de forma mais gravosa na faixa de prime time e nos telejornais, e nas diferentes áreas de actividade, integra um inaceitável “não-dito”, um enorme efeito de censura que se auto-reproduz quotidianamente, nos telejornais e não só, o que vem reforçar o torpor reinante e os nevoeiros da “não-inscrição” de que falava José Gil.

Que sentido tem, só para dar um pequeno exemplo, a RTP1, quando chama ao prime time o inenarrável “Liga dos Últimos" e simultaneamente manda para a RTPN um programa fundamental para o Serviço Público e para a cidadania - "Futuro Comum", sobre as questões ambientais e a crise climática, questões de "civilização", que são hoje decisivas para todos nós?

Ora, o que sucede, não anda longe daquilo que Antonio Tabucchi referia recentemente quando reconhecia que a intervenção dos intelectuais, a sua voz crítica, é actualmente apagada “pelo imenso poder dos meios de comunicação”. E a verdade é que se um Serviço Público de Televisão se deixa enlamear nesse pântano, não tem, verdadeiramente, sentido histórico. Não tem, verdadeiramente, sentido nenhum.

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