31.1.09

Ex-secretário de Estado: o Serviço Público de Televisão que nunca existiu

Querido amigo e colega, Mário Vieira de Carvalho (Ex-secretário de Estado do actual governo) escreveu há dias um artigo no Público (10 de Janeiro), com o qual concordo em absoluto, e que diz o que é necessário ser dito: que esta RTP não presta o serviço público a que está obrigada, o que significa, digo eu, que não tem legitimidade. É preciso ter consciência que as práticas da RTP denunciadas no artigo têm sido, historicamente, perniciosas não só em relação à identidade cultural do país, como também em relação à formação de uma opinião pública forte e "descolonizada", e, por conseguinte, em relação ao desenvolvimento do país. É preciso que se diga que, de facto, a RTP é, historicamente, e genericamente, uma máquina difusora de mediocridade e de amesquinhamento dos valores e da cultura de Portugal e dos portugueses. A reflexão de Mário Vieira de Carvalho ("A cultura que nunca existiu") ajuda a compreender porquê:

«(…) A cultura. Há uma que existe. Há outra que nunca existiu: aquela que a comunicação social silencia.

«Tanto mais grave é a situação quando consideramos a missão de serviço público atribuída por lei à RTP. É o exercício dessa missão que justifica a indemnização compensatória do Estado. Caso contrário, a RTP seria uma estação igual às outras. (…)

«No entanto, não é fácil distinguir a RTP de qualquer outro dos seus concorrentes privados. As estratégias de informação e de programação são tão semelhantes que, por vezes, parece haver, até, uma inversão dos papéis, assumindo os privados responsabilidades que a estação pública enjeita. Assim acontece frequentemente com os eventos culturais: a RTP ignora-os como uma maçada do serviço público; os outros, pelo contrário, parecem descobrir aí uma oportunidade para o alargamento das suas audiências. É o mundo às avessas.

«Em nome da sua autonomia, os directores de informação e de programas ditam as regras. Mas esquecem-se de que a sua autonomia está vinculada por um compromisso específico, diferente daquele que vincula os seus congéneres das estações privadas: o serviço público. Se alguém, porém, invoca este para os criticar - seja a administração, seja a tutela, seja qualquer outra entidade pública ou privada -, acenam logo com o espantalho da “ingerência”... É a receita para a desresponsabilização de todos.

«Nos noticiários de prime time nunca falham as reportagens e entrevistas sobre desporto. Mas os omnipotentes directores decidiram que não deve haver a mesma preocupação com coisas da cultura. Decidiram que são mal empregados os recursos e os poucos minutos exigidos para cobrir diariamente a estreia de um novo filme português, ou de uma peça de teatro, de uma ópera ou de um espectáculo de bailado, a publicação de um livro ou de um disco, a abertura de uma exposição, etc., etc. Omissões de que resultam grandes perdas para os agentes culturais - inclusive mensuráveis em valor económico -, e ainda maiores para o comum dos cidadãos. Desmotivados, e na ignorância do que se passa, estes vão menos ao cinema e ao teatro, lêem menos, frequentam menos as actividades artísticas. O investimento público na educação, na ciência e na cultura não é potenciado.

«O canal 2 continua a desconhecer em larga medida a produção nacional, lusófona, europeia, ibero-americana. Só por excepção transmite em directo ou em diferido espectáculos importantes, não comerciais, realizados em Portugal. A própria Antena 2 deixou de cobrir sistematicamente, e com algum critério, a actividade musical. O vazio em registos audiovisuais de qualidade da nossa produção artística está a transformar-se num buraco negro: o da cultura que nunca existiu.»

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