24.5.05

Mitos e Ritos da Sociedade de Informação

Sobre a recente conferência da APDSI, da série ‘Pensar a Sociedade de Informação’, com Derrick de Kerkhove e o tema Four questions for cyber-democracy: electricity, access, symmetry and responsibility, procuraremos identificar neste breve texto alguns dos mitos e realidades do actual contexto digital e informacional.

Na sua reflexão, aquele especialista canadiano pretende examinar a renovação dos princípios da democracia e as novas responsabilidades do cibercidadão e ver «se a democracia, tal como ela é interpretada pela actual Administração dos Estados Unidos da América, tem ainda significado e se pode ser forçosamente exportada para culturas que nunca a praticaram.»

Em Portugal, no que concerne às realidades da SI, foi recentemente identificada, num estudo do CIES - «A Sociedade em Rede em Portugal», coordenado por Gustavo Cardoso e António Firmino da Costa, uma fractura no plano da inclusão e no domínio da literacia tecnológica, que não foi ainda nem tão pouco será facilmente superada nos próximos dez anos no nosso país.

Também de acordo com o Barómetro da APDSI (Expresso,7/5/2005), e face ao aumento marginal do investimento em TIC nos últimos meses, ressurge um optimismo moderado com as medidas propostas pelo actual governo no âmbito da Sociedade de Informação – e não tanto, curiosamente, com a estratégia do «choque tecnológico».

Num outro registo, mas a propósito de uma recente defesa de dissertação de Doutoramento em Sociologia da Comunicação, no ISCTE, sobre «Publicidade e Tematização – Estudo Comparativo das Representações da Sociedade da Informação na Publicidade Televisiva de Portugal e da Irlanda», defendida por Ruth Gregório, verificou-se, a partir da análise da publicidade televisiva em prime-time, que, em 2002, 74,2% da publicidade tematizava a Sociedade de Informação.

No quadro de emergência da cibercidadania qual então o papel das redes, dos seus reguladores e dos seus actores, sabendo-se que a diacronia recente desta temática, nos últimos dez anos, se tem vindo a legitimar por discursividades múltiplas, por ciclos de mitificação a que o próprio discurso publicitário e mediático (este, espelho também do discurso político) não são alheios, na medida em que definem quadros de legitimação através da construção e da produção de sentido neste âmbito.

É evidente, em todo o caso, que houve uma evolução na última década. As próprias conclusões do estudo sobre a ‘tematização’ evidenciam essa transição: ou seja, da tematização da ‘utopia’ passou-se, em termos de discurso publicitário, para a tematização de ‘realidades’ mais concretas e pragmáticas.

O que é um efeito do pós-crise da economia digital e do rebentar da ‘bolha’, pelo que, a certo momento, é claro que não existe um diferencial entre a tematização (simbólica e irrealista) da Sociedade de Informação na publicidade e a própria experiência social e política da SI. No sentido em que ambas integram ciclos próximos da mitificação, ambas reconvertem esses campos simbólicos em aproximações 'persuasivas' ao real nu e cru. Deixando exposta, finalmente, a referida fractura.

O discurso descontextualizado do conteúdo, não objectivado e recorrente das redes, dos serviços e das interactividades técnicas, não é afinal um simulacro de interacção e de ciberdemocracia, ou, melhor dito, uma espécie de institucionalização de um ritual retórico de uma ainda precária e vaga Sociedade de Informação?
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