17.5.05

Elementos para o estudo da relação entre os Media e a questão europeia

«O verdadeiro 25 de Abril deu-se em Portugal com a integração Europeia.»
[Medeiros Ferreira]

«Verificando-se hoje uma mais clara aproximação «europeísta» dos media portugueses, longe estamos, ainda, de uma disponibilidade para informar de acordo com uma visão estratégica cívica e de acordo também com as exigências da cidadania e da experiência social e cultural portuguesa/europeia.»
[FRC]



Sentido e grandes séries discursivas identificados na análise dos media portugueses sobre a temática europeia:

1. Não identificação nas práticas jornalísticas e nas estratégias editoriais da ideia europeia no plano do «jornalismo de causas».
2. Visão mais instrumental/performativa e menos funcional, tal como menos fundamental, da Europa.
3. Exposição do «necessário», esquecendo o essencial: o enunciado do criticismo, já no domínio das estratégias de interesses, como adjuvante para a obtenção de dividendos políticos conjunturais (ainda a questão da instrumentalização dos media).
4. Predomínio da actualidade-sintoma (a manifestação de superfície) face à actualidade latente e à contextualização.
5. Destaque sobretudo às grandes questões político-económicas da agenda e do protocolo de Bruxelas – coesão, alargamento, moeda, CIG, QCA, etc., e pouca frequência de estudos de caso, de microanálises, do singular.
6. A experiência social é sobretudo mediatizada através dos rituais de protesto público: manifestações, corte de estradas, acções anti-globalização, distúrbios, etc.
7. Informação no masculino enquadrada nas tendências europeias (estudo de Margaret Gallagher): «só uma de cada 20 horas emitidas pelas rádios e pelos canais de TV europeus trata temas que dizem directamente respeito às mulheres».
8. Uma imprensa regional alheada das problemáticas da integração e da própria ideia europeia.
9. Nota: a reconfiguração da informação sobre a Europa não é independente da reformulação das práticas jornalísticas no seu conjunto, com uma expressão mais forte no âmbito comunitário, cívico e uma renovada dimensão da questão da cidadania face ao digital.


Prioridades identificadas a considerar pelos media sobre a temática europeia:

1. Assunção de uma intencionalidade estratégica, cívica, social, cultural, no discurso mediático sobre a Europa.
2. Serem os media – cada um dos media - a criar e conduzir, no dia-a-dia, a «agenda-setting» da integração e da «civilidade» europeia - e não Bruxelas.
3. A importância da transversalidade editorial das temáticas europeias – como se cada grande secção editorial tivesse a sua sub-secção «Europa» e produzisse regularmente informação própria nesta matéria.
4. Integrar a dimensão informativa, funcional, o esclarecimento e a divulgação, inclusivamente – se tanto for necessário - os «glossários» e os «breviários», com uma expressão mais evidente face às categorias de conteúdos predominantes do macrosistema político-administrativo e económico.
5. Reforçar a legitimação do campo político não pelo protagonismo/notoriedade mediática, mas pelo debate aberto, permanente, sobre a ideia europeia – do grande texto de opinião à sondagem e ao inquérito público.
6. Acompanhar com outra regularidade a resposta dos actores locais, no terreno, após, por exemplo, terem sido adoptados e aplicados mecanismos de apoio comunitários.
7. Acompanhar com regularidade a interpretação da «opinião pública» local/nacional, ou especializada, quer face às decisões estratégicas, quer face à experiência singular do cidadão anónimo.


Observações sobre as estratégias de comunicação da Comissão Europeia

1. Media, Audiovisual e Net como opção estratégica da União Europeia, na perspectiva de uma liderança global na indústria de conteúdos.
2. Investir na revitalização do discurso dos media sobre a Europa.
3. Inverter o sentido de descredibilização 'europessimista' de alguma imprensa europeia.
4. Tanto mais quanto a verdade efémera da telepresença concorre para a degradação do sistema político tradicional (episodiamente a crise do sistema político tende a ser compensada pelo desempenho/protagonismo mediático).
5. Inverter a iliteracia, o «analfabetismo» e o «esquecimento» sobre a Grande Casa Europeia, a Europa, a sua cultura.
6. Mediatizar a construção europeia «a partir de dentro» (Francisco Lucas Pires).
7. Investimento publicitário de Bruxelas deve compensar a ausência de informação prática, funcional (apoios comunitários, concursos públicos, obras realizadas através de fundos europeus, produção de bens culturais, etc., etc.) , e mesmo institucional da UE nos media.
8. Optimização dos recursos da Net, criando interfaces mais amigáveis e coordenados entre centro e «periferias», entre vortais, portais e sites nacionais/locais.
9. A ideia de Europa, não é, do nosso ponto de vista, de modo algum, um qualquer produto de marketing político. Mas, apesar disso, não deve ter preconceitos em relação às sua regras. Como conceito, e como realidade que emerge a partir da experiência social europeia e da sua vida pública e política, e das expectativas dos seus cidadãos e dos cidadãos do mundo.
10. Bernardo Díaz Nosty: continuará a não existir uma identificação supranacional, homogeneizadora, estruturante da ideia europeia?


Ideias finais

Francisco Lucas Pires: «(...) Se a integração europeia tem avançado no plano material e no plano moral, está ainda muito retraída e longe desse horizonte no plano do discurso político e do diálogo multinacional sobre si própria. Para a comunicação jornalística, amplamente centrada sobre as questões nacionais em geral, a Comunidade é ainda mais notícia que mensagem e as instituições e as decisões comunitárias só são objecto de informação quando e na medida em que incidem sobre a vida concreta de um Estado ou sociedade determinada» (...). «Com a imprensa europeia a falar a mesma linguagem, isto é, a ver a construção europeia a partir de dentro e não a partir de fora, como um todo e não como um mero conjunto de partes». «(...) Se a Europa sem fronteiras, mesmo sem política de comunicação, constituirá sempre o nosso caminho natural para a "aldeia global" e o apogeu da nossa "sociedade de comunicação", seria bom que dispusesse de meios e capacidades para começar por se representar a si própria».
[Francisco Lucas Pires, A Imprensa e a Europa, Lisboa, 1992, Edição de Autor.]

Mudando necessária e radicalmente as estruturas de comunicação e as estratégias mediáticas na esfera pública, teríamos o campo dos media com uma função mais interveniente no espaço público e nas políticas de desenvolvimento integrado, de tal forma que a crise de legitimação a que se assiste por parte dos protagonistas do campo político - e nalguns casos do próprio sistema democrático - seria reenquadrada por novas práticas políticas, mediáticas e por um novo protagonismo público, que nos poderia conduzir mais rapidamente a uma alternativa à democracia representativa em crise, com a emergência de uma esfera social e política participada, onde o consenso fosse atingido não através de modalidades impositivas criadas pelos 'acontecimentos' mediáticos, mas sobretudo pela emergência de um novo decisionismo nascido no confronto de ideias, no diferendo, e no reencontro do jornalismo com a opinião e o saber de experiência feito.

Importa revitalizar o discurso dos media sobre a Europa por forma a aprofundar essa visão simbólica identitária - que se deseja ser a visibilidade do real europeu. Dar a ver, portanto, através de uma arte dos pequenos passos, o essencial do que estrutura e enforma a Europa, não esquecendo as suas singularidades.

Importa captar o que está realmente a acontecer, a verdadeira experiência social, cultural e política europeia. Importa retomar o campo participativo - encontrar alternativas ao modelo representativo e aclamativo em crise de legitimação, captar esse "mundo da vida" que todos ambicionamos venha a ser o exemplo dado pela Europa aos novos mundos que virão para lá deste século.

O papel dos porta-vozes oficiais, dos gabinetes de comunicação, dos centros de documentação europeia, dos eurogabinetes, etc., deve ser de alguma forma repensado dentro dessa estratégia de repôr a transparência e renovar a informação ao cidadão comum europeu, renovando também as estratégias de comunicação no plano dos media e ainda no plano da publicidade.

Repensar, no fundo, a narrativização do modo de exercício do poder em virtude da crise de liderança política ameaçar a própria construção de uma nova arquitectura europeia (Robert Hormats).

Exigir aos media padrões de exigência no controlo e na crítica das próprias políticas europeias quando se distanciam do respeito pelos mais elementares preceitos de cidadania (veja-se por exemplo o caso dos serviços públicos de TV na Europa, em geral, que mistificam o desempenho de uma verdadeira, inequívoca, função de interesse público)

Dinamizar os media europeus no sentido de se abrirem à informação emanada das comunidades, de eles próprios se tornarem transparentes face ao que é essencial, que releva no fundo do pragmatismo e da eficácia dos objectivos que o cidadão possa sentir directamente no seu dia-a-dia e não tanto da máquina política da União e das suas performances institucionais e burocráticas. Enquanto o institucional ocupar o espaço público mediático como uma espécie de forum de legitimação permanente da União, tudo o resto fica secundarizado, e o cidadão vulgar, porventura, não se reconhecerá nesse debate.
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