30.4.05

O Papel das Rádios de Proximidade no Desenvolvimento Regional e do País (ou a crítica da estratégia da avestruz) *

[Parêntesis para o tema dos media regionais]

«A imprensa regional informa melhor do que a nacional».
[Francisco Pinto Balsemão, nos 48 anos do Jornal do Algarve].


Esta comunicação centra-se em torno de uma antinomia, da dualidade sobre a qual não é conveniente hesitar (refiro-me sobretudo a operadores, jornalistas e público):

· Nela se defende uma informação de proximidade, pela cidadania e a virtude civil – por um jornalismo autêntico, de suporte ao progresso, para o desenvolvimento e crescimento de Portugal. E por uma cultura mediática de excelência.

· Por outro lado, alerta-se para a decadência dos mimetismos e do parasitismo de todos os sensacionalismos, da pequena política à actualidade trágica e ao fait-divers.

Em Portugal, de há cerca de 20 anos para cá que se pode falar em Rádio de proximidade. Na década de 80, o sector cresce no sentido das rádios livres, coexistindo nessa altura estações licenciadas e estações “piratas” que aguardavam a sua legalização.

Em meados da década de 80 era evidente para o legislador que tinha de se intervir naquele quadro de desregulação. Prepara-se então o reordenamento do espaço radiofónico, e a Lei da Rádio surge em 1987, muito embora só com a aprovação da Lei n.º 87/88, de 30 de Julho, tenha sido, de facto, possível o licenciamento das rádios locais. (Diploma revogado pela
Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro, por sua vez alterada pela Lei n.º 33, de 22 de Agosto de 2003).

Só em 1989, é que o Governo abre concurso para a atribuição de alvarás às rádios locais. Desse concurso vai resultar, a nível nacional, o aparecimento de 314 estações, número sensivelmente idêntico ao actualmente existente. Refira-se que enquanto o concurso decorria, em 1989, as chamadas estações “piratas” foram obrigadas a cessar as suas emissões.

Se fizermos um pequeno exercício reflexivo e nos perguntarmos qual o papel das Rádios Locais e Regionais no desenvolvimento regional e do País, desde essa altura – ao longo, portanto dos últimos 15 anos, somos levados a concluir que se o sector não tivesse sido aberto à Rádio Local e Regional, hoje, o País teria muito mais probabilidades de falar só o dialecto do eixo Terreiro do Paço - São Bento, seria doutorado em actualidade trágica e em fait-divers, traduziria directamente do ‘futebolês’ para o português e vice-versa, pouco ou nada saberia do que verdadeiramente interessa, pouco ou nada saberia do que se passa na sua terra, a não ser pela folha ou jornal local.

E não sabendo da sua terra, não saberia do seu País.

É, no fundo, o que nos acontece a nós, lisboetas, rodeados de burocracia mediática e de ‘mediacracia’, como uma espécie de repartição pública, embora sem livro de reclamações.

No fundo, pouco sabemos da nossa terra, pouco sabemos do nosso país… a não ser que nos satisfaça a agenda e protocolo de Estado, o depoimento ministerial, ou as pequenas e grandes tragédias mais ou menos caseiras.

E pouco mais que isso. O que é, manifestamente, quase nada.

O facto é que os media nacionais têm uma tendência para o esquecimento, para o não-dito – que eu diria suicidária, e que nos atinge a todos,– para não falar no que está a acontecer, para não falar daquilo que importa, que nos importa a todos. Das nossas vidas, da nossa formação e educação - e a dos nossos filhos, da nossa cultura, das nossas necessidades imperiosas de progresso e desenvolvimento.

Disso, os media não falam minimamente.

A estratégia mimética e burocrática de agenda dos grandes media prende-se, portanto, com a pequena política, o futebol, a catástrofe, a actualidade trágica e o fait-divers.

Um menu deplorável, que é em grande parte o menu do estado a que chegou o País.

É também o menu da culpa dos media.

Não sendo ouvinte regular das Rádios Locais, mas sabendo que por vezes as rádios de proximidade são levadas a mimar, a copiar, a agenda informativa dos media nacionais, ou mesmo a ‘fazer cadeia’ com as rádios nacionais, tenho para mim que esse é o seu calcanhar de Aquiles.

Não porque copiar em si mesmo seja sempre negativo, mas antes porque reproduzir os vícios do sensacionalismo e da pequena política pode, momentaneamente, dar audiência e trazer investimento publicitário, mas hipoteca o País e o futuro de Portugal e não garante uma vida risonha para os nossos filhos – é a estratégia da avestruz, do meter a cabeça na areia e não querer ver aquilo que está bem à frente dos nossos olhos.

Como dizer então «Não» à decadência e aos mimetismos e ao parasitismo dos sensacionalismos, da actualidade trágica e do fait-divers?

Como lutar pela informação de proximidade, da cidadania e da virtude civil – por um jornalismo cívico, mobilizador da experiência social, de suporte ao progresso, para o desenvolvimento e crescimento de Portugal?

É simples: temos que ir ao encontro do melhor de nós próprios e dos melhores de nós próprios.

Temos de ir ao encontro de uma cultura mediática de exigência, o que implica também criar uma opinião pública cada vez mais exigente e esclarecida.

Temos que ir ao encontro do mundo da vida, dos que constroem o progresso, como exemplo a seguir.

Temos que fazer uma discriminação positiva da notícia e do acontecimento e não o contrário.

Temos que ter como prioridade máxima, na nossa agenda informativa, o progresso, o crescimento, o desenvolvimento deste País.

Temos que ter como prioridade máxima, na nossa agenda informativa, os valores da Educação, do empenho, do profissionalismo, da competitividade, da dignidade e da Cidadania.

Temos que ir ao encontro dos melhores de nós, na Indústria, na Ciência, nas Artes, no Conhecimento, na Inovação. Temos que ir ao encontro de Portugal.

Por um Portugal melhor.

Tudo o resto é em grande parte lixo suicidário, serve a decadência de uma Nação e não dignifica o nome dos que deram a Portugal o melhor de si próprios.

Temos por isso que erradicar a peste branca, que é a peste que se instala no sistema dos média com diversas faces - o sensacionalismo e o jornalismo tablóide e as histórias vendidas de acontecimentos irrelevantes.

O fait-divers, o protagonismo da delinquência, os maus exemplos, o homem que mordeu o cão, emoções, excitações e paixões individuais têm o seu local próprio – a folha linguaruda, o pasquim tablóide, mas isso não é comunicação e muito menos social. Será hipertelia do social, será cancerigenação do sistema… mas não é comunicação social.

O papel das Rádios Locais neste processo de ruptura discursiva com os aspectos negativos do actual statu quo – e da actual cultura mediática - é essencial.

Basta que apenas mais algumas das cerca de 300 Rádios consigam fugir à lógica da agenda burocrático-mediática dos media nacionais, e descubram nas suas localidades as forças vivas da região, aqueles que constroem o futuro, os fazedores de progresso, enfim, o Mundo da Vida que nos – e vos - rodeia, para que este desafio da APR, que nos reuniu nesta sala, tenha valido a pena.

Em síntese, e em função das intervenções já escutadas, penso que há uma forte consciencialização para o novo papel das Rádios Locais no actual contexto mediático, onde a concorrência vem também através de outros media.

Mas há que respeitar em primeiro lugar uma ética de antena e uma cultura empresarial de excelência, tanto no plano dos conteúdos como no da gestão. E procurar soluções inovadoras de forma a, também, aí se encontrarem novas fontes geradoras de negócio com as forças vivas e os empreendedores da região.

Finalmente, não abdicar da função social, cívica e comunitária, mantendo laços abertos – ou mesmo o acesso a determinados segmentos horários da emissão – aos cidadãos, às suas associações e organizações locais.

* Comunicação apresentada ao X Congresso das Rádios, organização da APR – Associação Portuguesa de Radiodifusão, Tagus Park, Oeiras, 30 de Abril de 2005.
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