Ferreira Fernandes,
Processar uma opinião é como tentar caçar o vento (DN, 5/6): «Há cerca de um mês (a 3 de Março), João Miguel Tavares escreveu uma crónica, neste mesmo espaço que agora ocupo, que começava assim: "Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte de Cicciolina."
«Na altura, essa primeira frase pareceu-me anzol fracote para engatar leitura. Uma das funções dos primeiros-ministros é mesmo "apelar à moral na política." E sobre José Sócrates, que eu aqui já considerei o melhor primeiro-ministro que tive (aliás, errando, porque me esqueci de Georges Pompidou), não acho que tenha sido feita até agora qualquer prova de que, em matéria de moral em política, ele seja exemplo relevante de faltoso. Sócrates tem legitimidade para apelar, tem. (...)
«Voltando à frase inicial de João Miguel Tavares, achei-a tão vaga que se sustentava na monogamia de Cicciolina, pessoa de quem conheço pouco, estando nesse pouco o seu casamento com Jeff Koons. Se, ao menos, comparasse com Zsa-Zsa Gabor, de quem conheço nove casamentos, convencer-me-ia a continuar a leitura; assim, abandonei-a, o que é raro quando leio João Miguel Tavares, um bom cronista.
«Soube, esta semana, que ele foi processado por José Sócrates e por causa da tal crónica. Agora fui lê-la toda. Fiquei a saber que a crónica espelhava-se na frase inicial: "Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte de Cicciolina." Isto é, toda aquela crónica é opinião. Opinião. João Miguel Tavares, para quem os apelos de Sócrates à moral na política não são convincentes, di-lo: não são convincentes. Mal seria se não o pudesse dizer.
«É pena José Sócrates não me ter pedido a opinião. Eu teria dito ao primeiro-ministro tudo o que há para dizer sobre processar uma opinião: "Essa agora!"»
Rui Tavares,
Tavares & Tavares (Público, 6/4): «Ao processar João Miguel Tavares, o primeiro-ministro comete um erro táctico, um erro político, um erro pessoal e - acima de tudo - um erro moral.
«Um erro táctico, porque a matéria é subjectiva e indecidível em tribunal. O que João Miguel Tavares acha, com razão ou sem ela, é que José Sócrates não tem credibilidade quando fala de certos assuntos. Não é um tribunal que pode decidir que João Miguel Tavares passe a admitir credibilidade onde não a vê, ou que não escreva sobre isso. E é francamente disparatado um primeiro-ministro discutir a sua credibilidade com um cronista através dos tribunais.
«Um erro político, porque o processo contra João Miguel Tavares confirma - ainda antes do tribunal - os defeitos que a crónica apontava ao primeiro-ministro. José Sócrates era acusado de só querer que se falasse do caso Freeport nos seus próprios termos; processando o cronista, José Sócrates reforça essa acusação.
«Isto é um grave erro pessoal. No caso inicial todas as suspeitas são indirectas. Há, por exemplo, um tipo que diz que entregou dinheiro a Sócrates; nada prova que não tenha sido esse tipo a ficar com o dinheiro. No "caso sobre o caso" as suspeitas são de que há pressões para que se encerre o assunto. Agindo como agiu, José Sócrates contribui para que essas segundas suspeitas "colem".
«O que escrevi até aqui relaciona-se com o lado político do caso. Mas o aspecto moral é mais grave. O erro de percurso do político preocupa-me menos do que o pecado contra a liberdade de expressão. Vindo do primeiro-ministro, este pecado acaba por infectar toda a cadeia de comando e degradar a qualidade da democracia que temos. Há valores mais altos do que a ofensa que o primeiro-ministro possa sentir; um deles é o direito de não ter medo de ofender os poderosos.
É pois uma vitória amarga para o cronista que, ainda antes do processo começar, o primeiro-ministro tenha já confirmado o essencial da crónica.»
João Miguel Tavares,
Belisquem-me, que eu devo estar a sonhar (DN, 7/4): «Como é do conhecimento público, José Sócrates decidiu processar-me por difamação, devido a um artigo de 3 de Março em cuja primeira frase o seu nome coabitava com o de Cicciolina. Por muito tentadora que possa parecer a ideia de ir a tribunal discutir tangentes entre o primeiro-ministro e a ex-deputada italiana, há que fazer justiça ao engenheiro Sócrates e ao escritório de advogados do dr. Proença de Carvalho e esclarecer que fui processado por muitas frases desse artigo, mas nenhuma delas inclui antigas estrelas de cinema pornográfico. Lamento pôr em causa tanta criatividade textual e visual que saiu em meu auxílio na blogosfera, mas opiniões são opiniões - e factos são factos.»
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