O acontecimento irrelevante
Nessa medida, a palavra do repórter tornava‑se então o próprio acontecimento, constituindo‑se assim em discurso um outro acontecimento, cujo carácter impressivo, cuja intensidade, não correspondia a uma mudança real.
Esta distanciação natural entre palavras e mundo pode também ser analisada pela negativa: o facto de um qualquer acontecimento ter tido lugar, não o legitima, ou melhor, nao o torna imediatamente histórico. Pierre Nora constatava claramente: «Para que haja acontecimento é preciso que ele seja conhecido» (2). Trata-se portanto de uma relação excessiva que ilude constantemente uma alusão ao real ‑ alusão "violenta", como lhe chamou Baudrillard (3), que esconjura o real nos sinais de real, que dá do real a dimensão do acto mediático, e acolhe a informação sob a forma mole do pseudo‑acontecimento, ou sob a forma miraculosa da catástrofe e do fait‑divers, constituindo‑se assim o acontecimento irrelevante na «categoria cardial do nosso pensamento mágico e da nossa mitologia».
[F. Rui Cádima, “A informação televisiva. Política, actualidade trágica e "fait-divers" como legitimação”, in O Fenómeno Televisivo, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995]
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(1) Roland Barthes," L ' écriture de l'événement", Communications, nº 12, 1968, Paris, EHESS.
(2) Pierre Nora, "O regresso do acontecimento", Fazer História/1 , Lisboa, Bertrand,1977, pp. 243‑262.
(3) Jean Baudrillard, A Sociedade de Consumo, Lisboa, 1975, Edições 70, pp 29-30.
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