31.5.05
30.5.05
Encontros Arte e Comunicação
A não perder os Encontros Arte e Comunicação, promovidos pelo Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens (FCSH-UNL), subordinados ao tema Novos media, novas prácticas – reflexão, experimentação, debate: CCB, Lisboa, 2-3-4 de Junho.
29.5.05
Europa? connais pas!
A RTPN passa insistentemente em rodapé que a partir das 11 da noite Francisco Assis, Manuel Monteiro e Azeredo Lopes discutirão o ‘Não’ francês à Constituição europeia. Na RTP1 passa (mais um) Um Contra Todos, seguido de Assassins, de Richard Donner, com Stallonne e Banderas... «um thriller em que um assassino profissional de meia idade quer sair da actividade e não mais ouvir falar nela… Contudo torna-se no alvo de Bain, o psicótico assassino seu protegido e que ambiciona ser como ele...» (tudo a propósito...). Ora aqui está uma boa explicação para a crise da Europa: as TV’s públicas continuam os seus delírios diários e os cidadãos exprimem as suas naturais dúvidas.
O sangue do sensacionalismo
Na última edição da Verso & Reverso podem ler-se, entre outros, textos de Elizabeth Bastos Duarte e de Ana Carolina Rocha Pessoa Temer. A primeira, escreve sobre «Televisão: embaralhamento entre reais e realidades discursivas», referindo-se a «uma configuração de mundo feita pelas linguagens, na qual mesmo as cores do mundo são reduzidas pelo comprimento das ondas segundo escalas incapazes de dizer os matizes mais sutis do que nos rodeia».
«Sensacionalismo sem sangue - uma análise do telejornalismo ao vivo», de Ana Carolina Rocha Pessoa Temer é uma «análise exploratória do programa Brasil Urgente, exibido em rede nacional de segunda a sábado pela Rede Bandeirantes de Televisão. Dá ênfase aos limites que envolvem o jornalismo sensacionalista para a televisão, por meio dos fatos noticiados e como eles são tratados; a ordem interna da narrativa, a redundância, a fragmentação do conteúdo e o tempo total da narrativa, além das questões referentes às transmissões ao vivo e aos recursos retóricos ou técnicos que procuram tornar esse telejornalismo mais atraente para o público, mas que acabam contribuindo para que a informação perca a qualidade.»
«Sensacionalismo sem sangue - uma análise do telejornalismo ao vivo», de Ana Carolina Rocha Pessoa Temer é uma «análise exploratória do programa Brasil Urgente, exibido em rede nacional de segunda a sábado pela Rede Bandeirantes de Televisão. Dá ênfase aos limites que envolvem o jornalismo sensacionalista para a televisão, por meio dos fatos noticiados e como eles são tratados; a ordem interna da narrativa, a redundância, a fragmentação do conteúdo e o tempo total da narrativa, além das questões referentes às transmissões ao vivo e aos recursos retóricos ou técnicos que procuram tornar esse telejornalismo mais atraente para o público, mas que acabam contribuindo para que a informação perca a qualidade.»
27.5.05
TV pública viola pluralismo
Segundo parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) hoje divulgado pelo Diário de Notícias, o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ser "o único comunicador com um programa exclusivo na RTP constitui uma violação por parte desta dos seus deveres de pluralismo e de abertura às diversas correntes de opinião".
Pensar a Regulação dos Media
Em diversas circunstâncias tem sido sugerido um debate mais aprofundado sobre a regulação dos media em Portugal. Veja-se por ex. Pelo debate alargado sobre a nova entidade de regulação dos media. Agora foi a vez do Sindicato dos Jornalistas (SJ), sugerir na carta-apelo SJ apela a revisão constitucional sobre Entidade Reguladora uma nova representatividade da futura entidade reguladora para o sector da comunicação social, propondo a representação «do sector da comunicação social (profissionais e empresas), das universidades, da cultura e ciência, dos consumidores e das organizações sociais, remetendo para lei própria a forma de composição e designação e/ou eleição dos seus membros». Uma questão importante que eventualmente poderá ser resolvida através de um Conselho Consultivo.
26.5.05
Revisitar o 'caso República'
Rever o 'caso República' à luz do texto de Mário Mesquita «O caso República: um incidente crítico», um importante contributo para compreender os media no contexto da jovem democracia portuguesa emergente.
24.5.05
2012: ‘switch over’ da TV analógica na Europa dos ‘25’
A Comissão Europeia acaba de estabelecer uma data limite para a mudança para a TV digital na União Europeia. «Quanto mais depressa procedermos à mudança, mais cedo irão surgir benefícios para os cidadãos e para os negócios» afirmou Viviane Reding, a Comissária para a Sociedade de Informação e Comunicação. Ver Commission expects most broadcasting in the EU to be digital by 2010 e rever o texto A televisão digital e as políticas do audiovisual no contexto da SI.
Mitos e Ritos da Sociedade de Informação
Sobre a recente conferência da APDSI, da série ‘Pensar a Sociedade de Informação’, com Derrick de Kerkhove e o tema Four questions for cyber-democracy: electricity, access, symmetry and responsibility, procuraremos identificar neste breve texto alguns dos mitos e realidades do actual contexto digital e informacional.
Na sua reflexão, aquele especialista canadiano pretende examinar a renovação dos princípios da democracia e as novas responsabilidades do cibercidadão e ver «se a democracia, tal como ela é interpretada pela actual Administração dos Estados Unidos da América, tem ainda significado e se pode ser forçosamente exportada para culturas que nunca a praticaram.»
Em Portugal, no que concerne às realidades da SI, foi recentemente identificada, num estudo do CIES - «A Sociedade em Rede em Portugal», coordenado por Gustavo Cardoso e António Firmino da Costa, uma fractura no plano da inclusão e no domínio da literacia tecnológica, que não foi ainda nem tão pouco será facilmente superada nos próximos dez anos no nosso país.
Também de acordo com o Barómetro da APDSI (Expresso,7/5/2005), e face ao aumento marginal do investimento em TIC nos últimos meses, ressurge um optimismo moderado com as medidas propostas pelo actual governo no âmbito da Sociedade de Informação – e não tanto, curiosamente, com a estratégia do «choque tecnológico».
Num outro registo, mas a propósito de uma recente defesa de dissertação de Doutoramento em Sociologia da Comunicação, no ISCTE, sobre «Publicidade e Tematização – Estudo Comparativo das Representações da Sociedade da Informação na Publicidade Televisiva de Portugal e da Irlanda», defendida por Ruth Gregório, verificou-se, a partir da análise da publicidade televisiva em prime-time, que, em 2002, 74,2% da publicidade tematizava a Sociedade de Informação.
No quadro de emergência da cibercidadania qual então o papel das redes, dos seus reguladores e dos seus actores, sabendo-se que a diacronia recente desta temática, nos últimos dez anos, se tem vindo a legitimar por discursividades múltiplas, por ciclos de mitificação a que o próprio discurso publicitário e mediático (este, espelho também do discurso político) não são alheios, na medida em que definem quadros de legitimação através da construção e da produção de sentido neste âmbito.
É evidente, em todo o caso, que houve uma evolução na última década. As próprias conclusões do estudo sobre a ‘tematização’ evidenciam essa transição: ou seja, da tematização da ‘utopia’ passou-se, em termos de discurso publicitário, para a tematização de ‘realidades’ mais concretas e pragmáticas.
O que é um efeito do pós-crise da economia digital e do rebentar da ‘bolha’, pelo que, a certo momento, é claro que não existe um diferencial entre a tematização (simbólica e irrealista) da Sociedade de Informação na publicidade e a própria experiência social e política da SI. No sentido em que ambas integram ciclos próximos da mitificação, ambas reconvertem esses campos simbólicos em aproximações 'persuasivas' ao real nu e cru. Deixando exposta, finalmente, a referida fractura.
O discurso descontextualizado do conteúdo, não objectivado e recorrente das redes, dos serviços e das interactividades técnicas, não é afinal um simulacro de interacção e de ciberdemocracia, ou, melhor dito, uma espécie de institucionalização de um ritual retórico de uma ainda precária e vaga Sociedade de Informação?
Na sua reflexão, aquele especialista canadiano pretende examinar a renovação dos princípios da democracia e as novas responsabilidades do cibercidadão e ver «se a democracia, tal como ela é interpretada pela actual Administração dos Estados Unidos da América, tem ainda significado e se pode ser forçosamente exportada para culturas que nunca a praticaram.»
Em Portugal, no que concerne às realidades da SI, foi recentemente identificada, num estudo do CIES - «A Sociedade em Rede em Portugal», coordenado por Gustavo Cardoso e António Firmino da Costa, uma fractura no plano da inclusão e no domínio da literacia tecnológica, que não foi ainda nem tão pouco será facilmente superada nos próximos dez anos no nosso país.
Também de acordo com o Barómetro da APDSI (Expresso,7/5/2005), e face ao aumento marginal do investimento em TIC nos últimos meses, ressurge um optimismo moderado com as medidas propostas pelo actual governo no âmbito da Sociedade de Informação – e não tanto, curiosamente, com a estratégia do «choque tecnológico».
Num outro registo, mas a propósito de uma recente defesa de dissertação de Doutoramento em Sociologia da Comunicação, no ISCTE, sobre «Publicidade e Tematização – Estudo Comparativo das Representações da Sociedade da Informação na Publicidade Televisiva de Portugal e da Irlanda», defendida por Ruth Gregório, verificou-se, a partir da análise da publicidade televisiva em prime-time, que, em 2002, 74,2% da publicidade tematizava a Sociedade de Informação.
No quadro de emergência da cibercidadania qual então o papel das redes, dos seus reguladores e dos seus actores, sabendo-se que a diacronia recente desta temática, nos últimos dez anos, se tem vindo a legitimar por discursividades múltiplas, por ciclos de mitificação a que o próprio discurso publicitário e mediático (este, espelho também do discurso político) não são alheios, na medida em que definem quadros de legitimação através da construção e da produção de sentido neste âmbito.
É evidente, em todo o caso, que houve uma evolução na última década. As próprias conclusões do estudo sobre a ‘tematização’ evidenciam essa transição: ou seja, da tematização da ‘utopia’ passou-se, em termos de discurso publicitário, para a tematização de ‘realidades’ mais concretas e pragmáticas.
O que é um efeito do pós-crise da economia digital e do rebentar da ‘bolha’, pelo que, a certo momento, é claro que não existe um diferencial entre a tematização (simbólica e irrealista) da Sociedade de Informação na publicidade e a própria experiência social e política da SI. No sentido em que ambas integram ciclos próximos da mitificação, ambas reconvertem esses campos simbólicos em aproximações 'persuasivas' ao real nu e cru. Deixando exposta, finalmente, a referida fractura.
O discurso descontextualizado do conteúdo, não objectivado e recorrente das redes, dos serviços e das interactividades técnicas, não é afinal um simulacro de interacção e de ciberdemocracia, ou, melhor dito, uma espécie de institucionalização de um ritual retórico de uma ainda precária e vaga Sociedade de Informação?
23.5.05
Miragens Digitais
A 'e-Democracy' é um tema central no debate sobre a Sociedade da Informação. Reveja-se, a propósito, o texto Miragens Digitais.
22.5.05
'Onda vermelha invade o País'
Título da TVI em rodapé. Mas a onda invade as televisões também (veja-se p. ex. a SIC Notícias). Haja tolerância benfiquista... A 'Nação' levantou-se... Benficaaaaaaaaaaaa! [Campeão Nacional 2004-2005]
21.5.05
A segunda revolução do Couraçado Potemkine
Uma bela peça de Paula Brito, hoje no DN - Imprensa francesa acusada de desvalorizar o produto cultural: «Produtores independentes processaram os cinco títulos Le Monde, Le Figaro, Entrevue, Télé Star e Poche. Para estas associações, as publicações "utilizam o DVD como um produto de chamamento", sendo estas operações um "forte contributo para desfigurar o valor psicológico e económico das obras cinematográficas e audiovisuais".» O facto é que a realidade desmente em boa parte o protesto: «o director-geral do Le Monde refere ter atingido as 100 mil unidades vendidas do DVD do Couraçado Potemkine, de Sergei Eisenstein. Esta operação de DVD revelou-se rentável, já que a difusão do referido diário aumentou entre 15% a 20%.»
20.5.05
Rangel, a SIC Notícias e o ‘jornalismo sentado’
Emídio Rangel revê as suas criações: «(…) a SIC Notícias ainda conserva os traços essenciais que lhe deram forma, mas lamentavelmente vêm-se esbatendo as normas e as regras que à partida lhe moldavam o perfil. Há uma lenta e incompreensível degenerescência que não sei onde e quando vai acabar. Hoje quase toda a gente vai ao ecrã, faz de pivot, banalizando princípios de fidelização e interacção com os públicos. (…)
«Outro sinal preocupante é o alinhamento de notícias sem imagens. Duas, três, às vezes quatro notícias são só texto de pivot sem nenhuma ilustração. É o jornalismo sentado (…)».
«Outro sinal preocupante é o alinhamento de notícias sem imagens. Duas, três, às vezes quatro notícias são só texto de pivot sem nenhuma ilustração. É o jornalismo sentado (…)».
Interactividade não desarma
Num cenário de crescimento forte da publicidade na Internet (estimativa de mais 20% para este ano) Mário Mateus, presidente da Initiative, apresentou o Global Advertising Report 2005, sublinhando a importância cada vez maior da ‘comunicação à medida’, «reflexo dos constantes avanços da tecnologia, que permitirão inovadoras formas de comunicar, mais próximas do consumidor, mais directas, mais interactivas e envolventes» e apontando quatro cenários: «o Media for Me (cenário onde os consumidores irão estar a 100% no comando), o Tudo a Pedido (onde haverá uma grande diversidade de conteúdos, à medida do consumidor); o Futuro Interactivo (uma comunicação feita em formatos interactivos) e, por fim, a Integração Hardware/Conteúdos (onde os fabricantes oferecem os suportes associados aos conteúdos)». Mais detalhes na peça de Paula Brito no DN.
19.5.05
Comovente
Eduardo Prado Coelho titula a sua crónica de hoje, no Público, de ‘Serviço público’ e diz: «Confesso que me tornei fã do programa Um contra Todos».
18.5.05
Kerckhove em Lisboa
Conferência de Derrick de Kerckhove em Lisboa (dia 19, 17h30, Reitoria da UNL, org. APDSI): «Four questions for cyber-democracy: electricity, access, symmetry and responsibility».
17.5.05
Elementos para o estudo da relação entre os Media e a questão europeia
«O verdadeiro 25 de Abril deu-se em Portugal com a integração Europeia.»
[Medeiros Ferreira]
«Verificando-se hoje uma mais clara aproximação «europeísta» dos media portugueses, longe estamos, ainda, de uma disponibilidade para informar de acordo com uma visão estratégica cívica e de acordo também com as exigências da cidadania e da experiência social e cultural portuguesa/europeia.»
[FRC]
Sentido e grandes séries discursivas identificados na análise dos media portugueses sobre a temática europeia:
1. Não identificação nas práticas jornalísticas e nas estratégias editoriais da ideia europeia no plano do «jornalismo de causas».
2. Visão mais instrumental/performativa e menos funcional, tal como menos fundamental, da Europa.
3. Exposição do «necessário», esquecendo o essencial: o enunciado do criticismo, já no domínio das estratégias de interesses, como adjuvante para a obtenção de dividendos políticos conjunturais (ainda a questão da instrumentalização dos media).
4. Predomínio da actualidade-sintoma (a manifestação de superfície) face à actualidade latente e à contextualização.
5. Destaque sobretudo às grandes questões político-económicas da agenda e do protocolo de Bruxelas – coesão, alargamento, moeda, CIG, QCA, etc., e pouca frequência de estudos de caso, de microanálises, do singular.
6. A experiência social é sobretudo mediatizada através dos rituais de protesto público: manifestações, corte de estradas, acções anti-globalização, distúrbios, etc.
7. Informação no masculino enquadrada nas tendências europeias (estudo de Margaret Gallagher): «só uma de cada 20 horas emitidas pelas rádios e pelos canais de TV europeus trata temas que dizem directamente respeito às mulheres».
8. Uma imprensa regional alheada das problemáticas da integração e da própria ideia europeia.
9. Nota: a reconfiguração da informação sobre a Europa não é independente da reformulação das práticas jornalísticas no seu conjunto, com uma expressão mais forte no âmbito comunitário, cívico e uma renovada dimensão da questão da cidadania face ao digital.
Prioridades identificadas a considerar pelos media sobre a temática europeia:
1. Assunção de uma intencionalidade estratégica, cívica, social, cultural, no discurso mediático sobre a Europa.
2. Serem os media – cada um dos media - a criar e conduzir, no dia-a-dia, a «agenda-setting» da integração e da «civilidade» europeia - e não Bruxelas.
3. A importância da transversalidade editorial das temáticas europeias – como se cada grande secção editorial tivesse a sua sub-secção «Europa» e produzisse regularmente informação própria nesta matéria.
4. Integrar a dimensão informativa, funcional, o esclarecimento e a divulgação, inclusivamente – se tanto for necessário - os «glossários» e os «breviários», com uma expressão mais evidente face às categorias de conteúdos predominantes do macrosistema político-administrativo e económico.
5. Reforçar a legitimação do campo político não pelo protagonismo/notoriedade mediática, mas pelo debate aberto, permanente, sobre a ideia europeia – do grande texto de opinião à sondagem e ao inquérito público.
6. Acompanhar com outra regularidade a resposta dos actores locais, no terreno, após, por exemplo, terem sido adoptados e aplicados mecanismos de apoio comunitários.
7. Acompanhar com regularidade a interpretação da «opinião pública» local/nacional, ou especializada, quer face às decisões estratégicas, quer face à experiência singular do cidadão anónimo.
Observações sobre as estratégias de comunicação da Comissão Europeia
1. Media, Audiovisual e Net como opção estratégica da União Europeia, na perspectiva de uma liderança global na indústria de conteúdos.
2. Investir na revitalização do discurso dos media sobre a Europa.
3. Inverter o sentido de descredibilização 'europessimista' de alguma imprensa europeia.
4. Tanto mais quanto a verdade efémera da telepresença concorre para a degradação do sistema político tradicional (episodiamente a crise do sistema político tende a ser compensada pelo desempenho/protagonismo mediático).
5. Inverter a iliteracia, o «analfabetismo» e o «esquecimento» sobre a Grande Casa Europeia, a Europa, a sua cultura.
6. Mediatizar a construção europeia «a partir de dentro» (Francisco Lucas Pires).
7. Investimento publicitário de Bruxelas deve compensar a ausência de informação prática, funcional (apoios comunitários, concursos públicos, obras realizadas através de fundos europeus, produção de bens culturais, etc., etc.) , e mesmo institucional da UE nos media.
8. Optimização dos recursos da Net, criando interfaces mais amigáveis e coordenados entre centro e «periferias», entre vortais, portais e sites nacionais/locais.
9. A ideia de Europa, não é, do nosso ponto de vista, de modo algum, um qualquer produto de marketing político. Mas, apesar disso, não deve ter preconceitos em relação às sua regras. Como conceito, e como realidade que emerge a partir da experiência social europeia e da sua vida pública e política, e das expectativas dos seus cidadãos e dos cidadãos do mundo.
10. Bernardo Díaz Nosty: continuará a não existir uma identificação supranacional, homogeneizadora, estruturante da ideia europeia?
Ideias finais
Francisco Lucas Pires: «(...) Se a integração europeia tem avançado no plano material e no plano moral, está ainda muito retraída e longe desse horizonte no plano do discurso político e do diálogo multinacional sobre si própria. Para a comunicação jornalística, amplamente centrada sobre as questões nacionais em geral, a Comunidade é ainda mais notícia que mensagem e as instituições e as decisões comunitárias só são objecto de informação quando e na medida em que incidem sobre a vida concreta de um Estado ou sociedade determinada» (...). «Com a imprensa europeia a falar a mesma linguagem, isto é, a ver a construção europeia a partir de dentro e não a partir de fora, como um todo e não como um mero conjunto de partes». «(...) Se a Europa sem fronteiras, mesmo sem política de comunicação, constituirá sempre o nosso caminho natural para a "aldeia global" e o apogeu da nossa "sociedade de comunicação", seria bom que dispusesse de meios e capacidades para começar por se representar a si própria».
[Francisco Lucas Pires, A Imprensa e a Europa, Lisboa, 1992, Edição de Autor.]
Mudando necessária e radicalmente as estruturas de comunicação e as estratégias mediáticas na esfera pública, teríamos o campo dos media com uma função mais interveniente no espaço público e nas políticas de desenvolvimento integrado, de tal forma que a crise de legitimação a que se assiste por parte dos protagonistas do campo político - e nalguns casos do próprio sistema democrático - seria reenquadrada por novas práticas políticas, mediáticas e por um novo protagonismo público, que nos poderia conduzir mais rapidamente a uma alternativa à democracia representativa em crise, com a emergência de uma esfera social e política participada, onde o consenso fosse atingido não através de modalidades impositivas criadas pelos 'acontecimentos' mediáticos, mas sobretudo pela emergência de um novo decisionismo nascido no confronto de ideias, no diferendo, e no reencontro do jornalismo com a opinião e o saber de experiência feito.
Importa revitalizar o discurso dos media sobre a Europa por forma a aprofundar essa visão simbólica identitária - que se deseja ser a visibilidade do real europeu. Dar a ver, portanto, através de uma arte dos pequenos passos, o essencial do que estrutura e enforma a Europa, não esquecendo as suas singularidades.
Importa captar o que está realmente a acontecer, a verdadeira experiência social, cultural e política europeia. Importa retomar o campo participativo - encontrar alternativas ao modelo representativo e aclamativo em crise de legitimação, captar esse "mundo da vida" que todos ambicionamos venha a ser o exemplo dado pela Europa aos novos mundos que virão para lá deste século.
O papel dos porta-vozes oficiais, dos gabinetes de comunicação, dos centros de documentação europeia, dos eurogabinetes, etc., deve ser de alguma forma repensado dentro dessa estratégia de repôr a transparência e renovar a informação ao cidadão comum europeu, renovando também as estratégias de comunicação no plano dos media e ainda no plano da publicidade.
Repensar, no fundo, a narrativização do modo de exercício do poder em virtude da crise de liderança política ameaçar a própria construção de uma nova arquitectura europeia (Robert Hormats).
Exigir aos media padrões de exigência no controlo e na crítica das próprias políticas europeias quando se distanciam do respeito pelos mais elementares preceitos de cidadania (veja-se por exemplo o caso dos serviços públicos de TV na Europa, em geral, que mistificam o desempenho de uma verdadeira, inequívoca, função de interesse público)
Dinamizar os media europeus no sentido de se abrirem à informação emanada das comunidades, de eles próprios se tornarem transparentes face ao que é essencial, que releva no fundo do pragmatismo e da eficácia dos objectivos que o cidadão possa sentir directamente no seu dia-a-dia e não tanto da máquina política da União e das suas performances institucionais e burocráticas. Enquanto o institucional ocupar o espaço público mediático como uma espécie de forum de legitimação permanente da União, tudo o resto fica secundarizado, e o cidadão vulgar, porventura, não se reconhecerá nesse debate.
[Medeiros Ferreira]
«Verificando-se hoje uma mais clara aproximação «europeísta» dos media portugueses, longe estamos, ainda, de uma disponibilidade para informar de acordo com uma visão estratégica cívica e de acordo também com as exigências da cidadania e da experiência social e cultural portuguesa/europeia.»
[FRC]
Sentido e grandes séries discursivas identificados na análise dos media portugueses sobre a temática europeia:
1. Não identificação nas práticas jornalísticas e nas estratégias editoriais da ideia europeia no plano do «jornalismo de causas».
2. Visão mais instrumental/performativa e menos funcional, tal como menos fundamental, da Europa.
3. Exposição do «necessário», esquecendo o essencial: o enunciado do criticismo, já no domínio das estratégias de interesses, como adjuvante para a obtenção de dividendos políticos conjunturais (ainda a questão da instrumentalização dos media).
4. Predomínio da actualidade-sintoma (a manifestação de superfície) face à actualidade latente e à contextualização.
5. Destaque sobretudo às grandes questões político-económicas da agenda e do protocolo de Bruxelas – coesão, alargamento, moeda, CIG, QCA, etc., e pouca frequência de estudos de caso, de microanálises, do singular.
6. A experiência social é sobretudo mediatizada através dos rituais de protesto público: manifestações, corte de estradas, acções anti-globalização, distúrbios, etc.
7. Informação no masculino enquadrada nas tendências europeias (estudo de Margaret Gallagher): «só uma de cada 20 horas emitidas pelas rádios e pelos canais de TV europeus trata temas que dizem directamente respeito às mulheres».
8. Uma imprensa regional alheada das problemáticas da integração e da própria ideia europeia.
9. Nota: a reconfiguração da informação sobre a Europa não é independente da reformulação das práticas jornalísticas no seu conjunto, com uma expressão mais forte no âmbito comunitário, cívico e uma renovada dimensão da questão da cidadania face ao digital.
Prioridades identificadas a considerar pelos media sobre a temática europeia:
1. Assunção de uma intencionalidade estratégica, cívica, social, cultural, no discurso mediático sobre a Europa.
2. Serem os media – cada um dos media - a criar e conduzir, no dia-a-dia, a «agenda-setting» da integração e da «civilidade» europeia - e não Bruxelas.
3. A importância da transversalidade editorial das temáticas europeias – como se cada grande secção editorial tivesse a sua sub-secção «Europa» e produzisse regularmente informação própria nesta matéria.
4. Integrar a dimensão informativa, funcional, o esclarecimento e a divulgação, inclusivamente – se tanto for necessário - os «glossários» e os «breviários», com uma expressão mais evidente face às categorias de conteúdos predominantes do macrosistema político-administrativo e económico.
5. Reforçar a legitimação do campo político não pelo protagonismo/notoriedade mediática, mas pelo debate aberto, permanente, sobre a ideia europeia – do grande texto de opinião à sondagem e ao inquérito público.
6. Acompanhar com outra regularidade a resposta dos actores locais, no terreno, após, por exemplo, terem sido adoptados e aplicados mecanismos de apoio comunitários.
7. Acompanhar com regularidade a interpretação da «opinião pública» local/nacional, ou especializada, quer face às decisões estratégicas, quer face à experiência singular do cidadão anónimo.
Observações sobre as estratégias de comunicação da Comissão Europeia
1. Media, Audiovisual e Net como opção estratégica da União Europeia, na perspectiva de uma liderança global na indústria de conteúdos.
2. Investir na revitalização do discurso dos media sobre a Europa.
3. Inverter o sentido de descredibilização 'europessimista' de alguma imprensa europeia.
4. Tanto mais quanto a verdade efémera da telepresença concorre para a degradação do sistema político tradicional (episodiamente a crise do sistema político tende a ser compensada pelo desempenho/protagonismo mediático).
5. Inverter a iliteracia, o «analfabetismo» e o «esquecimento» sobre a Grande Casa Europeia, a Europa, a sua cultura.
6. Mediatizar a construção europeia «a partir de dentro» (Francisco Lucas Pires).
7. Investimento publicitário de Bruxelas deve compensar a ausência de informação prática, funcional (apoios comunitários, concursos públicos, obras realizadas através de fundos europeus, produção de bens culturais, etc., etc.) , e mesmo institucional da UE nos media.
8. Optimização dos recursos da Net, criando interfaces mais amigáveis e coordenados entre centro e «periferias», entre vortais, portais e sites nacionais/locais.
9. A ideia de Europa, não é, do nosso ponto de vista, de modo algum, um qualquer produto de marketing político. Mas, apesar disso, não deve ter preconceitos em relação às sua regras. Como conceito, e como realidade que emerge a partir da experiência social europeia e da sua vida pública e política, e das expectativas dos seus cidadãos e dos cidadãos do mundo.
10. Bernardo Díaz Nosty: continuará a não existir uma identificação supranacional, homogeneizadora, estruturante da ideia europeia?
Ideias finais
Francisco Lucas Pires: «(...) Se a integração europeia tem avançado no plano material e no plano moral, está ainda muito retraída e longe desse horizonte no plano do discurso político e do diálogo multinacional sobre si própria. Para a comunicação jornalística, amplamente centrada sobre as questões nacionais em geral, a Comunidade é ainda mais notícia que mensagem e as instituições e as decisões comunitárias só são objecto de informação quando e na medida em que incidem sobre a vida concreta de um Estado ou sociedade determinada» (...). «Com a imprensa europeia a falar a mesma linguagem, isto é, a ver a construção europeia a partir de dentro e não a partir de fora, como um todo e não como um mero conjunto de partes». «(...) Se a Europa sem fronteiras, mesmo sem política de comunicação, constituirá sempre o nosso caminho natural para a "aldeia global" e o apogeu da nossa "sociedade de comunicação", seria bom que dispusesse de meios e capacidades para começar por se representar a si própria».
[Francisco Lucas Pires, A Imprensa e a Europa, Lisboa, 1992, Edição de Autor.]
Mudando necessária e radicalmente as estruturas de comunicação e as estratégias mediáticas na esfera pública, teríamos o campo dos media com uma função mais interveniente no espaço público e nas políticas de desenvolvimento integrado, de tal forma que a crise de legitimação a que se assiste por parte dos protagonistas do campo político - e nalguns casos do próprio sistema democrático - seria reenquadrada por novas práticas políticas, mediáticas e por um novo protagonismo público, que nos poderia conduzir mais rapidamente a uma alternativa à democracia representativa em crise, com a emergência de uma esfera social e política participada, onde o consenso fosse atingido não através de modalidades impositivas criadas pelos 'acontecimentos' mediáticos, mas sobretudo pela emergência de um novo decisionismo nascido no confronto de ideias, no diferendo, e no reencontro do jornalismo com a opinião e o saber de experiência feito.
Importa revitalizar o discurso dos media sobre a Europa por forma a aprofundar essa visão simbólica identitária - que se deseja ser a visibilidade do real europeu. Dar a ver, portanto, através de uma arte dos pequenos passos, o essencial do que estrutura e enforma a Europa, não esquecendo as suas singularidades.
Importa captar o que está realmente a acontecer, a verdadeira experiência social, cultural e política europeia. Importa retomar o campo participativo - encontrar alternativas ao modelo representativo e aclamativo em crise de legitimação, captar esse "mundo da vida" que todos ambicionamos venha a ser o exemplo dado pela Europa aos novos mundos que virão para lá deste século.
O papel dos porta-vozes oficiais, dos gabinetes de comunicação, dos centros de documentação europeia, dos eurogabinetes, etc., deve ser de alguma forma repensado dentro dessa estratégia de repôr a transparência e renovar a informação ao cidadão comum europeu, renovando também as estratégias de comunicação no plano dos media e ainda no plano da publicidade.
Repensar, no fundo, a narrativização do modo de exercício do poder em virtude da crise de liderança política ameaçar a própria construção de uma nova arquitectura europeia (Robert Hormats).
Exigir aos media padrões de exigência no controlo e na crítica das próprias políticas europeias quando se distanciam do respeito pelos mais elementares preceitos de cidadania (veja-se por exemplo o caso dos serviços públicos de TV na Europa, em geral, que mistificam o desempenho de uma verdadeira, inequívoca, função de interesse público)
Dinamizar os media europeus no sentido de se abrirem à informação emanada das comunidades, de eles próprios se tornarem transparentes face ao que é essencial, que releva no fundo do pragmatismo e da eficácia dos objectivos que o cidadão possa sentir directamente no seu dia-a-dia e não tanto da máquina política da União e das suas performances institucionais e burocráticas. Enquanto o institucional ocupar o espaço público mediático como uma espécie de forum de legitimação permanente da União, tudo o resto fica secundarizado, e o cidadão vulgar, porventura, não se reconhecerá nesse debate.
16.5.05
Telectrocutados!
Portugal preside nos próximos 6 meses ao Conselho da Europa. Mas saberá o Telejornal da RTP1 o que é o Conselho da Europa? A notícia apareceu no meio do alinhamento do TJ de hoje, às 20h22... Mas a segunda notícia do alinhamento foi o despiste de jogadores de futebol numa auto-estrada do norte do país e a terceira notícia do alinhamento referia a electrocução de um trabalhador, com a 'descarga a entrar pelas costas e a sair pelos joelhos'. Poderá o TJ falar-nos da 'telectrocução' que nos entra todos os dias pelos olhos dentro?
15.5.05
Andaluzia recusa ‘ridicularização’ a que a TV submete os seus cidadãos
A maioria das séries de televisão espanholas, como por exemplo "Aquí no hay quien viva", "Los Serrano", "Ana y los siete", "Mis adorables vecinos" o "Médico de familia" cria estereótipos dos andaluzes, que o Parlamento agora denuncia. Ver El Parlamento andaluz rechaza la 'ridiculización' a la que la televisión somete a sus paisanos.
Ainda os 40 anos da Rede Globo
Na sequência do post Nome: GLOBO; Idade: 40 e com a devida vénia ao “copyleft” do seu editor, jornalista Gustavo Gindre, reproduzo aqui uma breve diacronia da Rede Globo, retirada do Boletim Prometheus, de 7 de Maio de 2005 (publicação do INDECS - Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura:
1 – Editorial
Os 40 anos da Globo faziam obrigatório um tratamento especial por parte do Prometheus. A controversa emissora, que nasceu no Rio de Janeiro, construiu desde 1965 a referência mais forte em termos de linguagem e modelo de TV. Essa referência determinou um olhar sobre a TV, marcou gerações e ajudou a escrever parte da história brasileira. Pela multiplicidade de abordagens possíveis, tínhamos que fazer uma escolha no tratamento do tema.
Queríamos evitar análises fáceis e dicotômicas, que se propusessem a uma crítica ou a louvação de sua qualidade. Preferíamos uma radiografia, tão fiel quanto possível, que trouxesse à tona uma série de elementos que, combinados, pudessem qualificar o debate e a análise sobre a Globo. Optamos por aquela que parecia a menos explorada entre as opções que estavam a nosso alcance: destrinchar os significados do poder global.
O exercício desse poder esteve presente desde o começo, e se construiu numa relação íntima (quase promíscua) com os governos, ditatoriais ou não. No entanto, ele não é apenas um poder político stricto sensu, mas um poder de homogeneização da linguagem, um poder simbólico, um poder que tem conseqüências diretas no cotidiano da empresa. Não nos bastava, portanto, entender o histórico passado. Era preciso tentar entender as formas presentes de prática desse poder e tentar traçar um panorama futuro. Como será a Globo desse século que se inicia?
Para isso, optamos por diferentes estratégias. A primeira delas, ouvir funcionários da Rede Globo. Buscamos não os grandes nomes da direção, que falam institucionalmente, mas funcionários de suas equipes de reportagem e das redações. Pessoas que acompanham suas práticas no dia-a-dia, que fazem parte da engrenagem, mas que tem clareza sobre a máquina como um todo. Para evitar problemas para eles, preferimos manter o sigilo das fontes.
Fomos atrás também do material já escrito sobre a emissora. Destaca-se entre todos o livro A História Secreta da Rede Globo, escrito pelo jornalista Daniel Herz e publicado em 1991. Dele, e de diversos outros escritos, extraímos histórias e análises que apontam a gênese e o desenvolvimento do poder global.
Outra referência importante foi a monografia de João Brant (da equipe do Boletim Prometheus) “Políticas de radiodifusão no Brasil (1985-2001) e espaço público: estudos para uma aproximação crítica” (orientador: Mauro Wilton de Sousa), São Paulo, janeiro de 2002. Além do paper “Globo: o desafio da convergência”, de Gustavo Gindre.
Finalmente, buscamos analisar o quadro político atual para descrever os últimos movimentos da emissora, e tentar prever os próximos, num tabuleiro cada vez mais intrincado.
Esperamos que esse especial possa contribuir para a compreensão da Globo em sua complexidade. Entender as contradições e paradoxos que se apresentam, suas qualidades e seus problemas, perceber as maneiras como ela exerce o poder, e ajudar a elaborar estratégias de contraposição a esse poder, em nome do fortalecimento da democracia brasileira.
2 – Minisérie: Breve histórico das relações da Globo com o poder
Capítulo 1 – O acordo Time-Life
“Sim, eu uso o poder”. A frase de Roberto Marinho, estampada na capa do livro de Daniel Herz, dá a dimensão do modo de atuação da Rede Globo e de seus proprietários.
O crescimento da emissora começou com o acordo de assistência técnica com o grupo Time-Life, que iria se mostrar muito mais do que um acordo técnico, com a injeção de capital estrangeiro numa empresa de radiodifusão brasileira. O acordo seria considerado ilegal pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), presidida por Saturnino Braga e criada para investigá-lo. Mas, só entre 1962 e 1966 (os negócios haviam começado logo que foi criada a TV Globo, antes do canal começar a operar) já haviam entrado mais de 6 milhões de dólares, quantia bastante expressiva para a época. Também foram cedidos, pela Time-Life, acervo de cerca de três filmes norte-americanos por dia e capacitação gerencial e técnica para os funcionários da Globo. O caso gerou uma batalha jurídica e política com diversos atores: a Presidência da República, o Ministério da Justiça, o Banco Central (à época, SUMOC), o CONTEL (Conselho Nacional de Telecomunicações) e o Congresso Nacional.
Mesmo com a pressão de Carlos Lacerda pela apuração, com a resistência de João Calmon, dos Diários Associados, à época presidente da Abert, à infiltração de capital estrangeiro e mesmo violando a Constituição e o Código Brasileiro de Telecomunicações, a Globo teria seus negócios autorizados pelo Marechal Costa e Silva. Aliada incondicional do poder, a Rede Globo cumpriria papel estratégico para os governos militares durante toda a ditadura. Simbolicamente, o Jornal Nacional nasce no mesmo dia, 1º de setembro de 1969, que o governo Médici.
Capítulo 2 - A aliança do Estado com o setor privado
O modelo criado para a radiodifusão brasileira obteve sucesso graças à contribuição da ditadura militar.
Primeiro, com a necessidade de um modelo concentracionista, baseado na formação de redes. Este modelo foi favorecido pelo surgimento da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), em 1965. Durante anos, segundo denúncia da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), as transmissões via satélite da Rede Globo foram subsidiadas pela empresa estatal.
E a inexistência de uma cota obrigatória para produção local (como ocorre em outros países) permitiu à Globo concentrar toda a sua programação no eixo Rio-São Paulo, “exportando” este material para as suas afiliadas.
Depois, com o projeto de aliança com o capital internacional, que possibilitou a modernização tecnológica e contribuiu com o aumento da dependência, não só tecnológica, mas também cultural.
Durante toda a década de 70, os interesses do Estado em formar redes foram convergentes com os interesses de expansão da Rede Globo. Essa aliança possibilitou o aumento exponencial das emissoras afiliadas, espalhadas por todo o país, que podiam transmitir integralmente a programação da cabeça-de-rede.
A estratégia de aumento da rede de comunicações por meio do setor privado seria referendada nas diretrizes que Figueiredo apresentou ao assumir a presidência, em 1979: “1) A radiodifusão é atividade eminentemente privada, reservada no país exclusivamente a brasileiros. O papel do Estado terá caráter meramente supletivo e dirigido a objetivos específicos; 2) A concessão de canais de radiodifusão levará em conta, além dos critérios técnicos e legais pertinentes, a viabilidade econômico-financeira dos empreendimentos; 3) A formação de redes nacionais será estimulada, especialmente no campo da televisão, como meio de apoiar a meta de integração nacional e de assegurar a estabilidade econômico-financeira dos empreendimentos, dentro de um regime competitivo e equilibrado; 4) A interiorização da televisão será incentivada pelo uso extensivo da infraestrutura do sistema nacional de telecomunicações.”
Capítulo 3 – A nova república e a velha política
Em 6 de março de 85, Tancredo Neves recebeu uma comissão representativa (senador Severo Gomes, deputados Cristina Tavares e Odilon Salmória, todos do PMDB) de setores progressistas que lhe entregou um documento com as propostas de mudança na política de comunicação. Os dois deputados pareciam estar especialmente preocupados com a indicação de Antonio Carlos Magalhães para ministro das Comunicações e com a possibilidade da manutenção de Rômulo Villar Furtado na secretaria geral do ministério.
Tancredo foi evasivo: “ACM será ministro, mas não necessariamente das comunicações”. A preocupação com Furtado se dava porque ele era o homem de confiança da Globo e porque, por estar no cargo desde 74, coordenava projetos importantes, como a reforma do Código Brasileiro de Telecomunicações. Nesta época, foi entregue a Tancredo um documento em que 180 parlamentares declaravam apoio à indicação de Freitas Nobre para o Ministério das Comunicações. Diante da polarização entre Freitas Nobre e ACM, Roberto Marinho, que já havia participado de almoço com Tancredo no dia da eleição deste no Colégio Eleitoral, teria feito uma exigência, dizendo que “podia até rediscutir o nome do ministro, mas Rômulo Villar Furtado deveria permanecer na secretaria geral”.
Tancredo, no entanto, devia favores a ACM, que havia tirado parte da bancada do PDS da candidatura de Maluf. Nem foi preciso rediscutir ministro algum. ACM é anunciado no dia 12/03/85 e Furtado é confirmado no cargo uma semana depois.
Capítulo 4 – ACM, o aliado perfeito
A relação com o Executivo, por sua vez, sempre dependeu mais de fatores políticos do que econômicos. Com ACM, por exemplo, a confluência de ideais se deu por vários motivos: i) ACM tinha interesses na radiodifusão, por controlar, direta ou indiretamente, várias empresas do setor; ii) o ministro das Comunicações nunca teve uma política propriamente para o setor senão a de garantir o livre fluxo de informações e controlar as concessões, o que caracteriza uma coincidência com os interesses econômicos da Abert; iii) a relação de ACM com Roberto Marinho sempre foi extremamente próxima e ilustrada por várias histórias de troca de favores entre os dois.
Ficou famoso também o episódio da venda da NEC. A empresa, que tinha o seu acionista majoritário com problemas na justiça, teve seus negócios com o Ministério das Comunicações cancelados pelo ministro Antonio Carlos Magalhães. O cancelamento serviu, na verdade, para baixar o preço de venda da empresa, a fim de que as ações fossem compradas por valor irrisório por Roberto Marinho, interessado no negócio. Foi o que aconteceu. O empresário pagou pelo controle da empresa (51% das ações) menos de 1 milhão de dólares. Logo após a venda da NEC, o Minicom refez os contratos com a NEC. Três dias depois da Globopar assumir o controle acionário da NEC, a Telebrás pagou US$ 30 milhões em créditos atrasados à empresa. Menos de um mês depois do episódio da NEC, a TV Globo, que tinha a TV Aratu como afiliada na Bahia, não renova o contrato com a emissora e, de um dia para o outro, fecha acordo com a TV Bahia, controlada pela família de ACM.
Capítulo 5 – o debate entre Lula e Collor
O malfadado episódio da edição do debate entre Lula e Collor a alguns dias do segundo turno da eleição presidencial de 1989 revela mais do que uma opção política da Rede Globo. Revela a opção da política estar acima do jornalismo.
Na ocasião, a primeira edição da matéria sobre o debate foi apresentada no “Jornal Hoje” do dia seguinte ao debate. No Jornal Nacional, a edição apresentada foi outra, reeditada para ficar muito mais favorável a Collor, transformando a reconhecida superioridade do desempenho de Collor num massacre contra Lula.
Uma reportagem de Fernando de Barros e Silva na Folha de São Paulo*, em 1999, é uma das que parece melhor explicar o que teria acontecido naquele dia. Em resumo, Roberto Marinho teria passado por cima de Armando Nogueira e Alice Maria, responsáveis pelo jornalismo da emissora, e acionado Alberico Souza Cruz, diretor de telejornais, e Ronald Carvalho, editor de política da Rede Globo, para refazer a edição. A tarefa coube a Otávio Tostes, então editor de política do Jornal Nacional, que teria recebido quatro orientações para favorecer Collor, duas vindas de Alberico e duas de Ronald.
Armando Nogueira e Alice Maria só souberam das mudanças quando viram o Jornal Nacional no ar. Em declarações nos anos seguintes, Ronald buscou isentar Alberico, amigo de Collor, que não teria ficado sabendo das mudanças. Na prática, a tentativa era de incriminar o envolvido de menor posição hierárquica, quando na verdade a ordem partiu do maior posto da emissora.
Ø A reportagem de Fernando de Barros e Silva está disponível em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/iq201299.htm#questao10
3 – Jornalismo: entre o poder e a mercadoria
O relato de diversos jornalistas permite construir um quadro instigante sobre a produção de conteúdo na Globo, especialmente o jornalístico. De fato, conta-se com uma das melhores estruturas de produção do Brasil. O padrão Globo de qualidade, no entanto, não deixa transparecer algumas práticas que revelam que “qualidade” não é a única baliza para as políticas da empresa.
A descrição do tratamento interno cotidiano sobre a política paulistana revela que o prefeito e o governador são figuras intocáveis pelo jornalismo da empresa, por ordens superiores. Não são poucos os relatos dos cafés-da-manhã da equipe da prefeitura com os editores-chefe ou até de uma fala expressa de um secretário de Estado dizendo à equipe da emissora para não cobrir o caso da acusação de massacre do Gradi (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância) a membros do PCC, no que ficou conhecido como o caso Castelinho.
Sem dúvida a emissora não segue todas as “recomendações” desse tipo que lhe são encaminhadas, mas a abertura para que elas aconteçam revelam uma ligação íntima com o poder. Além disso, os relatos são unânimes em descrever o “melindre” como uma política da empresa. Em geral, para não ter que trabalhar com abordagens “imprecisas”, a Globo opta por não cobrir certas pautas “sensíveis”. Trata-se de uma saída para não atingir interesses relevantes, sem ter que operar a pauta “por dentro”. Continua a valer assim, como já visto no histórico da emissora, um campo indefinido de relações entre público e privado; não seria exagero aqui falar em promiscuidade.
Práticas anti-esportivas
Como uma empresa, a Globo lida com a sua atividade-fim (comunicação, aqui especificamente televisão) como um negócio. Nada mais natural. No entanto, não são todas as operações que transparecem para o telespectador. Em programas como o Esporte Espetacular, é comum a presença de pautas “compradas”. Novamente não se trata de uma abordagem manipulada, mas da escolha de uma pauta que não necessariamente seria relevante. Um exemplo real são as regatas Match Race, patrocinadas pela Vivo.
Também o quadro de maior sucesso no programa, da apresentadora Dani Monteiro, não é feito pela Globo. O programa é realizado por uma produtora independente e entregue pronto. A proposta foi feita pela operadora de celular Oi, que é, na prática, a dona do espaço. Também não é necessariamente por interesse jornalístico que a Globo opta por cobrir extensamente certos esportes de pouco apelo.
A relação da Globo com o Campeonato Brasileiro também é de um “produto”. E como um produto “da casa”, não se pode correr o risco de diminuir a vendagem. Um exemplo. A partir do momento em que o Campeonato Brasileiro tomou conta da maior parte do calendário anual, ele passou a ter duas fases: antes da abertura do mercado europeu, no meio do ano, e depois, no segundo semestre. Isso gera uma mudança completa nos times, que ficam desfigurados no decorrer do campeonato, o que parecia ser uma pauta relevante para a equipe de jornalismo. A matéria não foi realizada porque a coordenação editorial entendeu que isso poderia desmotivar o telespectador a assistir ao campeonato, que perderia audiência.
Nada do que se aponta aqui é novidade para quem acompanha televisão de perto. Nem é prática exclusiva da Rede Globo. A concentração dos meios de comunicação tem gerado um sistema desequilibrado, em que a dependência que os políticos têm dos meios de comunicação, por conta de seu poder em pautar a sociedade, e ao mesmo tempo o interesse dos meios de comunicação em manter a completa ausência de limites para o setor (não comparável a nenhum país de capitalismo avançado) faz da promiscuidade uma constante. Mais além, o tratamento da comunicação como um negócio torna-se natural, o que não é necessariamente um problema, desde que isso ficasse claro para o telespectador.
4 – Parabéns para você
A festa de 40 anos funcionou como uma oportunidade para a Globo tentar recontar sua história e determinar os valores pelos quais ela quer ser conhecida daqui pra frente. Três fatos são reveladores: o livro de Pedro Bial sobre Roberto Marinho, o livro lançado sobre o Jornal Nacional e os eventos da emissora “em defesa do conteúdo nacional”.
O livro sobre Roberto Marinho publicado por Pedro Bial tenta dar versões novas a fatos conhecidos. Na verdade, são as visões que a emissora quer fixar na história, contadas por meio do autor porta-voz, que busca emprestar sua credibilidade. A estratégia foi sagaz, e passou por tentar fazer todos os funcionários porta-vozes dessas versões. Todos os que trabalham na emissora ganharam um exemplar do livro de Bial. No exato dia do aniversário, todos os funcionários tiveram que vestir a camisa do “Bom dia”, com direito à festa no final do Jornal Nacional.
Sobre o acordo com a Time-Life, a emissora preferiu assumir que existiu a querela, mas sem perder a compostura. A pesquisadora Patrícia Ozores Polacow revela que em matéria do Jornal Nacional do último dia 2 de dezembro (véspera do aniversário de Roberto Marinho), a Globo homenageou seu criador recontando o caso do acordo. O repórter Edney Silvestre descreveu assim a história:
"(...) Mas a vida de Roberto Marinho não foi apenas uma sucessão de vitórias. O livro também revela o homem e seus problemas. (...) Assim como os detalhes da CPI que apurou a acusação de que Roberto Marinho seria testa-de-ferro de um grupo americano na criação da TV Globo. Intimado, depôs das duas da tarde até às três da manhã. Ao fim, a operação foi considerada legal pela Procuradoria da República (...)".
O que transparece como apenas um caso corriqueiro de questionamento judicial foi, na verdade, uma querela que durou seis anos, que foi considerada ilegal pela CPI criada para apurar o caso e que só foi legalizada pelo Marechal Costa e Silva – e não pela Procuradoria da República –, contrariando a indicação do Conselho Nacional de Telecomunicações (veja mais em Breve Histórico das Relações da Globo com o Poder).
Mas a principal estratégia atual da emissora é afirmar a “defesa do conteúdo nacional”. Por trás dessa sentença está a apreensão da emissora de que as operadoras de telecomunicações, algumas 100% estrangeiras, se tornem provedoras de conteúdo, como já vem acontecendo pela ausência de regulamentação. Ao mesmo tempo em que prega essa defesa, a Globo tem afinado seus negócios com Rupert Murdoch, da News Corp., na TV por satélite (Sky) e com Carlos Slim Helu, da Telmex, na TV a cabo (NET).
Entrevista recente de Roberto Irineu Marinho, na revista Pay-TV, revela que a emissora optou, no futuro próximo, por se configurar como uma provedora de conteúdo. Caberia aos grupos estrangeiros – Sky, Telmex e mesmo à operadora Vivo, com quem começa a negociar – a distribuição desses conteúdos e a manutenção da infra-estrutura necessária a isso. Mais uma vez, o que transparece como um interesse público (a defesa do conteúdo nacional), é na verdade a dissimulação do interesse particular (de firmar a Globo como a grande e majoritária produtora de conteúdo). Prova disso é que na definição sobre a entrada de capital estrangeiro nas comunicações, a Globo se colocou a favor, assim como continua contra qualquer regulamentação que estabeleça regras de apoio à produção independente, à produção regional ou a outras formas de pluralização dos conteúdos (como no caso do projeto de lei 256 da deputada Jandira Feghali, PCdoB-RJ, que tramita há 14 anos no Congresso Nacional) .
Conteúdo nacional sim, desde que produzido no Jardim Botânico.
5 – A Globo e as relações trabalhistas
Como qualquer outra empresa, a TV Globo tem estratégias próprias para lidar com as relações de trabalho de modo a desonerar-se. Uma das condições que a emissora estabelece é a terceirização, que teoricamente só poderia existir para atividades-meio. Diversos jornalistas e radialistas estão contratados como auxiliares administrativos pela LTM Consultoria e Serviços, uma empresa terceirizadora (sic).
A prática da Globo tem sido manter o funcionário terceirizado por um ano e, depois desse período, estabelecer um contrato temporário por seis meses. Um ano e meio depois, sem férias nem direitos trabalhistas, a emissora pode fazer a opção de contratar o funcionário. Nesse caso, o contratado passa a ter os direitos previstos na CLT.
A partir daí, o nível salarial praticado pela emissora é digno e ela tem mantido o pagamento de horas extras.
Entretanto, a situação volta a se complicar quando o funcionário atinge uma certa faixa salarial. Jornalistas, apresentadores e atores, ao entrarem nessa faixa maior, passam a ter que manter relação com a Globo como pessoa jurídica. Assim, a emissora se vê livre dos encargos trabalhistas e a relação com o funcionário passa a ser contratual, com uma empresa prestadora de serviços.
Na relação com os funcionários, a Globo se utiliza muito da concessão de benefícios, que obtém por vezes em forma de permuta por horário de propaganda. Ao comemorar sua quarta década, a Globo concedeu, por exemplo, um kit supermercado no valor de R$ 1 mil para todos os funcionários. Outra estratégia é a adoção de abonos salariais, o que evita o reajuste comum para todos os funcionários e lhe permite impor recuos ao longo do tempo. Desde 1993, a emissora estabeleceu um programa de gestão participativa (PGP), pelo qual concede abonos aos funcionários a partir do cumprimento de metas de redução das despesas.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, os radialistas passaram cinco anos em dissídio com a emissora, que não queria conceder reajuste salarial equivalente à inflação. Depois de a Justiça do Trabalho julgar o caso favorável aos trabalhadores, foi estabelecido o pagamento de seis salários de compensação. Ameaçando entrar novamente na justiça contra essa decisão, a emissora propôs aos funcionários o pagamento de três salários e um aumento de 10% e obteve a adesão da maioria dos trabalhadores.
O tratamento dado pela Globo à questão trabalhista não gera mais polêmicas por três motivos. O primeiro, a alta circulação de funcionários, especialmente os “prestadores de serviço terceirizado”. Em segundo lugar, pelo quadro geral de precarização das relações de trabalho, especialmente na área da comunicação. Boa parte das empresas apresenta condições ainda piores, o que inibe a manifestação dos funcionários. Em terceiro lugar, por um fator subjetivo, mas com grande peso. A simbologia da Globo transforma um emprego na emissora em condição de status. A combinação da sensação de que a Globo abre portas e do “glamour” das novelas que se transfere a todos os funcionários faz com que uma vaga na emissora seja disputada e tenha valor alto no já exíguo mercado de empregos.
6 – A crise da Globo
Desde o início dos anos 90, o Grupo Globo vinha investindo (em parceria com sócios minoritários) na montagem da maior empresa de TV paga do Brasil: a operadora de TV a cabo NET. Foram necessários recursos para a construção da rede física, depois um upgrade (ainda hoje inconcluso) para torná-la bi-direcional (e capaz de prover acesso à Internet) e, finalmente, sua digitalização (atualmente em curso). O problema é que o modelo de negócios privilegiou as classes A e B e até hoje o número de assinantes patina em cerca de 1,6 milhão (com um índice alto de desligamento).
Ainda no setor de TV paga, a Globo investiu na montagem do empacotamento de canais com a grife NET para a criação de uma rede de franqueadas. Sob a marca NET estão canais norte-americanos (como o atual Universal Channel) e parcerias entre a Globo e as majors dos Estados Unidos (Telecine).
Para a TV por satélite, a Globo tornou-se sócia majoritária da franquia brasileira da maior operadora do planeta, a Sky (de propriedade de Rupert Murdoch, que, no caso brasileiro, era o sócio minoritário).
Mas, a Globo jamais se descuidou de seu foco que é a produção de conteúdos. A Globosat tornou-se a maior produtora de canais para TV em português.
Com dinheiro fácil e barato (graças à paridade entre dólar e real), e estimulada pela necessidade de convergência tecnológica, a Globo também resolveu tentar a sorte no mundo da telefonia e transmissão de dados.
Em parceria com a Italia Telecom (sua sócia no portal Globo.com), a Globo participou do leilão de privatização do Sistema Telebrás, tentando adquirir (e fracassando) a Embratel (de olho na aquisição da rede de satélites da operadora de longa distância).
Ainda com Italia Telecom (e Bradesco), a Globo montou a Maxitel, operadora de telefonia celular nos estados de Minas Gerais, Bahia e Sergipe.
E, com a Victori International, sua sócia na operadora de pager Teletrim, a Globo criou a Vicom, empresa de transmissão de dados, especializada na prestação de serviços para grandes grupos econômicos.
Mas, aí começaram os problemas.
A bolha da “nova economia” não se sustentou, muitas empresas fecharam, os fundos de capital de risco perderam dinheiro e a captação de novos recursos se tornou um problema. Com pouco dinheiro circulando, raros ainda tinham disposição para investir nos chamados “mercados emergentes” e os investimentos se concentram nos países ditos desenvolvidos.
Passada a eleição geral de 1998, os custos da manutenção da paridade cambial tornaram-se insustentáveis e o dólar começou a disparar, levando, consigo, as dívidas contraídas no estrangeiro.
Mas, um terceiro e decisivo elemento se somou para conformar a crise da qual a Globo tenta, agora, se livrar. O horizonte da convergência tecnológica não se aproximou com a velocidade que se imaginava, vários problemas (técnicos, regulatórios e negociais) permaneciam sem solução e o retorno de caixa não conseguia amortizar os investimentos feitos. Assim, por exemplo, a Internet banda larga não cresceu na proporção esperada, a TV digital ainda não foi introduzida e a telefonia celular permanece, em grande medida, transportando apenas sinais de voz.
No dia 28 de outubro de 2002 aconteceu o que até então parecia impensável (dado o seu poderio político e papel simbólico desempenhado nos últimos anos): a Globopar (holding da Globo, que exclui TV Globo, Sistema Globo de Rádio e Infoglobo) anunciou o default (moratória). A Globopar não tinha condições de saldar suas dívidas. Em dezembro do mesmo ano foi a vez da NET.
A TV Globo seguia sendo uma empresa superavitária, mas o default da Globopar lhe afetava diretamente. A família Marinho dera a TV Globo e o Projac como garantias para empréstimos de sua holding no valor aproximado de R$ 4 bilhões. Uma afundando, certamente levaria a outra.
7 – Vendendo os anéis
Desde o anúncio de seu default, a direção da Globo vem se esforçando para conseguir um acordo com os credores que permita o alongamento dos prazos e a conversão de parte do montante em moeda nacional (livrando-a do problema de arrecadar em reais e pagar em dólares agora que a paridade se tornou uma quimera).
Mas, a renegociação implica na adoção de um novo modelo de negócios que garanta aos credores que o grupo tem condições de se manter como um player importante no mercado de mídia.
O plano adotado passa, em primeiro lugar, por assumir uma nova estratégia diante do cenário de convergência.
A Globo desistiu de ter o controle das redes de transmissão de dados. Parte foi simplesmente vendida. A Teletrim converteu-se em uma prestadora de serviços wireless de propriedade da ex-sócia Victori. A Vicom foi alienada para a Comsat. Globo e Bradesco se retiraram da Maxitel que acabou anexada à TIM.
O foco passou a ser o conteúdo.
A Globo ambiciona ter a capacidade de produzir conteúdo em texto, áudio e audiovisual e ser capaz de “empacotá-lo” para as diferentes mídias: jornais, revistas, rádios, TV aberta, TV paga, Internet e telefonia celular, independente de ser a dona da distribuição.
Assim, a Globo decidiu, também, vender suas redes de distribuição de TV paga: NET e Sky. Mas, neste caso, ela não poderia se dar ao luxo de simplesmente deixar o negócio. Era preciso manter uma participação acionária minoritária que lhe garantisse, ao mesmo tempo, reter o uso dos canais de distribuição de seu conteúdo e impedir que outras produtoras (como os canais da Band: News, Sport e 21) lhe fizessem concorrência.
Na operadora NET (agora chamada NET Serviços), a Globo ficará com cerca de 26.01% do capital votante e a mexicana Telmex (que, no Brasil, já é proprietária da Embratel, da Claro, da ex-AT&T Latin America e da Vésper) com, no mínimo, 62,49%. O contrato entre a Globo e a Telmex prevê que a operadora deve continuar usando a marca NET (cujos canais são “empacotados” pela NET Brasil, empresa sob controle exclusivo da Globo).
Na Sky Brasil a Globo ficou com 28% das ações ordinárias. E Rupert Murdoch com o restante. Murdoch é o proprietário da Fox, da Sky e acaba de adquirir a DirecTV para fundi-la com sua plataforma de TV via satélite, além de ser o principal aliado do governo Bush na área da mídia. O contrato prevê tanto a exclusividade na distribuição dos pacotes da NET Brasil quanto a possibilidade da Globo colocar os seus canais nas operações da Sky e DirecTV ao redor do mundo.
Ou seja, na NET e na Sky Brasil, só entram os canais que a Globo aprovar. O que significa que a concorrência nacional (como os canais da Band, por exemplo) deve ficar de fora das duas maiores operadoras de TV paga do Brasil.
Por fim, a Globo parece ter abandonado, ao menos por enquanto, a idéia de investir no setor de parques temáticos. E, com a crise mundial do mercado fonográfico, desistiu de disputar com as cinco grandes (Universal, Warner, EMI, BMG e Sony), transformando a antiga gravadora Som Livre em uma loja virtual e vendedora de trilhas sonoras de novelas.
8 – A Globo e o futuro
Depois de se desfazer das redes de transmissão e se concentrar no conteúdo, a Globo desenvolve uma dupla estratégia.
No dia 21 de abril ela anunciou que os grupos de credores haviam concordado com a reestruturação das dívidas. Agora, começa um intrincado processo de troca das dívidas velhas pelas novas. A Globopar conseguiu descontos que variam entre 30% e 50%. Globopar e TV Globo continuam como fiadoras da dívida que deverá ser liquidada em 2012.
De outro lado, a Globo atua para evitar o inevitável ou ao menos tentar adiá-lo até que sua posição melhore. A Globo sabe que o processo de convergência é inevitável. Sabe que assim com as redes da NET Serviços (originalmente feitas para a TV a cabo) poderão prover telefonia, as operadoras de telecomunicações em breve poderão oferecer conteúdo audiovisual pelos seus cabos ou redes sem fio. Aí, a Globo deixará de disputar o mercado com os Saad, Abravanel e a Igreja Universal para ter que enfrentar Telefonica de España, Portugal Telecom, TIM e outras que podem desembarcar por aqui. A briga muda de nível.
Assim, sua defesa do “conteúdo nacional” procura criar o apoio que ela precisa para aprovar algum tipo de regulamentação que impeça as “teles” de produzirem seu próprio conteúdo brasileiro. Se quiserem transmitir, terão que comprar de terceiros e a própria Globo aparece como candidata natural para fornecer sua programação.
Sua perspectiva é lutar ao máximo para adiar o cenário de convergência e garantir que, quando ele chegue, a emissora esteja novamente posicionada para exercer sua vocação oligopolista.
9 – Expediente
“Quanta verdade um homem é capaz de suportar?” (Nietzsche)
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Envie críticas, sugestões e comentários – E-mail: indecs@indecs.org.br
Editor-responsável: jornalista Gustavo Gindre (gindre@indecs.org.br)
1 – Editorial
Os 40 anos da Globo faziam obrigatório um tratamento especial por parte do Prometheus. A controversa emissora, que nasceu no Rio de Janeiro, construiu desde 1965 a referência mais forte em termos de linguagem e modelo de TV. Essa referência determinou um olhar sobre a TV, marcou gerações e ajudou a escrever parte da história brasileira. Pela multiplicidade de abordagens possíveis, tínhamos que fazer uma escolha no tratamento do tema.
Queríamos evitar análises fáceis e dicotômicas, que se propusessem a uma crítica ou a louvação de sua qualidade. Preferíamos uma radiografia, tão fiel quanto possível, que trouxesse à tona uma série de elementos que, combinados, pudessem qualificar o debate e a análise sobre a Globo. Optamos por aquela que parecia a menos explorada entre as opções que estavam a nosso alcance: destrinchar os significados do poder global.
O exercício desse poder esteve presente desde o começo, e se construiu numa relação íntima (quase promíscua) com os governos, ditatoriais ou não. No entanto, ele não é apenas um poder político stricto sensu, mas um poder de homogeneização da linguagem, um poder simbólico, um poder que tem conseqüências diretas no cotidiano da empresa. Não nos bastava, portanto, entender o histórico passado. Era preciso tentar entender as formas presentes de prática desse poder e tentar traçar um panorama futuro. Como será a Globo desse século que se inicia?
Para isso, optamos por diferentes estratégias. A primeira delas, ouvir funcionários da Rede Globo. Buscamos não os grandes nomes da direção, que falam institucionalmente, mas funcionários de suas equipes de reportagem e das redações. Pessoas que acompanham suas práticas no dia-a-dia, que fazem parte da engrenagem, mas que tem clareza sobre a máquina como um todo. Para evitar problemas para eles, preferimos manter o sigilo das fontes.
Fomos atrás também do material já escrito sobre a emissora. Destaca-se entre todos o livro A História Secreta da Rede Globo, escrito pelo jornalista Daniel Herz e publicado em 1991. Dele, e de diversos outros escritos, extraímos histórias e análises que apontam a gênese e o desenvolvimento do poder global.
Outra referência importante foi a monografia de João Brant (da equipe do Boletim Prometheus) “Políticas de radiodifusão no Brasil (1985-2001) e espaço público: estudos para uma aproximação crítica” (orientador: Mauro Wilton de Sousa), São Paulo, janeiro de 2002. Além do paper “Globo: o desafio da convergência”, de Gustavo Gindre.
Finalmente, buscamos analisar o quadro político atual para descrever os últimos movimentos da emissora, e tentar prever os próximos, num tabuleiro cada vez mais intrincado.
Esperamos que esse especial possa contribuir para a compreensão da Globo em sua complexidade. Entender as contradições e paradoxos que se apresentam, suas qualidades e seus problemas, perceber as maneiras como ela exerce o poder, e ajudar a elaborar estratégias de contraposição a esse poder, em nome do fortalecimento da democracia brasileira.
2 – Minisérie: Breve histórico das relações da Globo com o poder
Capítulo 1 – O acordo Time-Life
“Sim, eu uso o poder”. A frase de Roberto Marinho, estampada na capa do livro de Daniel Herz, dá a dimensão do modo de atuação da Rede Globo e de seus proprietários.
O crescimento da emissora começou com o acordo de assistência técnica com o grupo Time-Life, que iria se mostrar muito mais do que um acordo técnico, com a injeção de capital estrangeiro numa empresa de radiodifusão brasileira. O acordo seria considerado ilegal pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), presidida por Saturnino Braga e criada para investigá-lo. Mas, só entre 1962 e 1966 (os negócios haviam começado logo que foi criada a TV Globo, antes do canal começar a operar) já haviam entrado mais de 6 milhões de dólares, quantia bastante expressiva para a época. Também foram cedidos, pela Time-Life, acervo de cerca de três filmes norte-americanos por dia e capacitação gerencial e técnica para os funcionários da Globo. O caso gerou uma batalha jurídica e política com diversos atores: a Presidência da República, o Ministério da Justiça, o Banco Central (à época, SUMOC), o CONTEL (Conselho Nacional de Telecomunicações) e o Congresso Nacional.
Mesmo com a pressão de Carlos Lacerda pela apuração, com a resistência de João Calmon, dos Diários Associados, à época presidente da Abert, à infiltração de capital estrangeiro e mesmo violando a Constituição e o Código Brasileiro de Telecomunicações, a Globo teria seus negócios autorizados pelo Marechal Costa e Silva. Aliada incondicional do poder, a Rede Globo cumpriria papel estratégico para os governos militares durante toda a ditadura. Simbolicamente, o Jornal Nacional nasce no mesmo dia, 1º de setembro de 1969, que o governo Médici.
Capítulo 2 - A aliança do Estado com o setor privado
O modelo criado para a radiodifusão brasileira obteve sucesso graças à contribuição da ditadura militar.
Primeiro, com a necessidade de um modelo concentracionista, baseado na formação de redes. Este modelo foi favorecido pelo surgimento da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), em 1965. Durante anos, segundo denúncia da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), as transmissões via satélite da Rede Globo foram subsidiadas pela empresa estatal.
E a inexistência de uma cota obrigatória para produção local (como ocorre em outros países) permitiu à Globo concentrar toda a sua programação no eixo Rio-São Paulo, “exportando” este material para as suas afiliadas.
Depois, com o projeto de aliança com o capital internacional, que possibilitou a modernização tecnológica e contribuiu com o aumento da dependência, não só tecnológica, mas também cultural.
Durante toda a década de 70, os interesses do Estado em formar redes foram convergentes com os interesses de expansão da Rede Globo. Essa aliança possibilitou o aumento exponencial das emissoras afiliadas, espalhadas por todo o país, que podiam transmitir integralmente a programação da cabeça-de-rede.
A estratégia de aumento da rede de comunicações por meio do setor privado seria referendada nas diretrizes que Figueiredo apresentou ao assumir a presidência, em 1979: “1) A radiodifusão é atividade eminentemente privada, reservada no país exclusivamente a brasileiros. O papel do Estado terá caráter meramente supletivo e dirigido a objetivos específicos; 2) A concessão de canais de radiodifusão levará em conta, além dos critérios técnicos e legais pertinentes, a viabilidade econômico-financeira dos empreendimentos; 3) A formação de redes nacionais será estimulada, especialmente no campo da televisão, como meio de apoiar a meta de integração nacional e de assegurar a estabilidade econômico-financeira dos empreendimentos, dentro de um regime competitivo e equilibrado; 4) A interiorização da televisão será incentivada pelo uso extensivo da infraestrutura do sistema nacional de telecomunicações.”
Capítulo 3 – A nova república e a velha política
Em 6 de março de 85, Tancredo Neves recebeu uma comissão representativa (senador Severo Gomes, deputados Cristina Tavares e Odilon Salmória, todos do PMDB) de setores progressistas que lhe entregou um documento com as propostas de mudança na política de comunicação. Os dois deputados pareciam estar especialmente preocupados com a indicação de Antonio Carlos Magalhães para ministro das Comunicações e com a possibilidade da manutenção de Rômulo Villar Furtado na secretaria geral do ministério.
Tancredo foi evasivo: “ACM será ministro, mas não necessariamente das comunicações”. A preocupação com Furtado se dava porque ele era o homem de confiança da Globo e porque, por estar no cargo desde 74, coordenava projetos importantes, como a reforma do Código Brasileiro de Telecomunicações. Nesta época, foi entregue a Tancredo um documento em que 180 parlamentares declaravam apoio à indicação de Freitas Nobre para o Ministério das Comunicações. Diante da polarização entre Freitas Nobre e ACM, Roberto Marinho, que já havia participado de almoço com Tancredo no dia da eleição deste no Colégio Eleitoral, teria feito uma exigência, dizendo que “podia até rediscutir o nome do ministro, mas Rômulo Villar Furtado deveria permanecer na secretaria geral”.
Tancredo, no entanto, devia favores a ACM, que havia tirado parte da bancada do PDS da candidatura de Maluf. Nem foi preciso rediscutir ministro algum. ACM é anunciado no dia 12/03/85 e Furtado é confirmado no cargo uma semana depois.
Capítulo 4 – ACM, o aliado perfeito
A relação com o Executivo, por sua vez, sempre dependeu mais de fatores políticos do que econômicos. Com ACM, por exemplo, a confluência de ideais se deu por vários motivos: i) ACM tinha interesses na radiodifusão, por controlar, direta ou indiretamente, várias empresas do setor; ii) o ministro das Comunicações nunca teve uma política propriamente para o setor senão a de garantir o livre fluxo de informações e controlar as concessões, o que caracteriza uma coincidência com os interesses econômicos da Abert; iii) a relação de ACM com Roberto Marinho sempre foi extremamente próxima e ilustrada por várias histórias de troca de favores entre os dois.
Ficou famoso também o episódio da venda da NEC. A empresa, que tinha o seu acionista majoritário com problemas na justiça, teve seus negócios com o Ministério das Comunicações cancelados pelo ministro Antonio Carlos Magalhães. O cancelamento serviu, na verdade, para baixar o preço de venda da empresa, a fim de que as ações fossem compradas por valor irrisório por Roberto Marinho, interessado no negócio. Foi o que aconteceu. O empresário pagou pelo controle da empresa (51% das ações) menos de 1 milhão de dólares. Logo após a venda da NEC, o Minicom refez os contratos com a NEC. Três dias depois da Globopar assumir o controle acionário da NEC, a Telebrás pagou US$ 30 milhões em créditos atrasados à empresa. Menos de um mês depois do episódio da NEC, a TV Globo, que tinha a TV Aratu como afiliada na Bahia, não renova o contrato com a emissora e, de um dia para o outro, fecha acordo com a TV Bahia, controlada pela família de ACM.
Capítulo 5 – o debate entre Lula e Collor
O malfadado episódio da edição do debate entre Lula e Collor a alguns dias do segundo turno da eleição presidencial de 1989 revela mais do que uma opção política da Rede Globo. Revela a opção da política estar acima do jornalismo.
Na ocasião, a primeira edição da matéria sobre o debate foi apresentada no “Jornal Hoje” do dia seguinte ao debate. No Jornal Nacional, a edição apresentada foi outra, reeditada para ficar muito mais favorável a Collor, transformando a reconhecida superioridade do desempenho de Collor num massacre contra Lula.
Uma reportagem de Fernando de Barros e Silva na Folha de São Paulo*, em 1999, é uma das que parece melhor explicar o que teria acontecido naquele dia. Em resumo, Roberto Marinho teria passado por cima de Armando Nogueira e Alice Maria, responsáveis pelo jornalismo da emissora, e acionado Alberico Souza Cruz, diretor de telejornais, e Ronald Carvalho, editor de política da Rede Globo, para refazer a edição. A tarefa coube a Otávio Tostes, então editor de política do Jornal Nacional, que teria recebido quatro orientações para favorecer Collor, duas vindas de Alberico e duas de Ronald.
Armando Nogueira e Alice Maria só souberam das mudanças quando viram o Jornal Nacional no ar. Em declarações nos anos seguintes, Ronald buscou isentar Alberico, amigo de Collor, que não teria ficado sabendo das mudanças. Na prática, a tentativa era de incriminar o envolvido de menor posição hierárquica, quando na verdade a ordem partiu do maior posto da emissora.
Ø A reportagem de Fernando de Barros e Silva está disponível em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/iq201299.htm#questao10
3 – Jornalismo: entre o poder e a mercadoria
O relato de diversos jornalistas permite construir um quadro instigante sobre a produção de conteúdo na Globo, especialmente o jornalístico. De fato, conta-se com uma das melhores estruturas de produção do Brasil. O padrão Globo de qualidade, no entanto, não deixa transparecer algumas práticas que revelam que “qualidade” não é a única baliza para as políticas da empresa.
A descrição do tratamento interno cotidiano sobre a política paulistana revela que o prefeito e o governador são figuras intocáveis pelo jornalismo da empresa, por ordens superiores. Não são poucos os relatos dos cafés-da-manhã da equipe da prefeitura com os editores-chefe ou até de uma fala expressa de um secretário de Estado dizendo à equipe da emissora para não cobrir o caso da acusação de massacre do Gradi (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância) a membros do PCC, no que ficou conhecido como o caso Castelinho.
Sem dúvida a emissora não segue todas as “recomendações” desse tipo que lhe são encaminhadas, mas a abertura para que elas aconteçam revelam uma ligação íntima com o poder. Além disso, os relatos são unânimes em descrever o “melindre” como uma política da empresa. Em geral, para não ter que trabalhar com abordagens “imprecisas”, a Globo opta por não cobrir certas pautas “sensíveis”. Trata-se de uma saída para não atingir interesses relevantes, sem ter que operar a pauta “por dentro”. Continua a valer assim, como já visto no histórico da emissora, um campo indefinido de relações entre público e privado; não seria exagero aqui falar em promiscuidade.
Práticas anti-esportivas
Como uma empresa, a Globo lida com a sua atividade-fim (comunicação, aqui especificamente televisão) como um negócio. Nada mais natural. No entanto, não são todas as operações que transparecem para o telespectador. Em programas como o Esporte Espetacular, é comum a presença de pautas “compradas”. Novamente não se trata de uma abordagem manipulada, mas da escolha de uma pauta que não necessariamente seria relevante. Um exemplo real são as regatas Match Race, patrocinadas pela Vivo.
Também o quadro de maior sucesso no programa, da apresentadora Dani Monteiro, não é feito pela Globo. O programa é realizado por uma produtora independente e entregue pronto. A proposta foi feita pela operadora de celular Oi, que é, na prática, a dona do espaço. Também não é necessariamente por interesse jornalístico que a Globo opta por cobrir extensamente certos esportes de pouco apelo.
A relação da Globo com o Campeonato Brasileiro também é de um “produto”. E como um produto “da casa”, não se pode correr o risco de diminuir a vendagem. Um exemplo. A partir do momento em que o Campeonato Brasileiro tomou conta da maior parte do calendário anual, ele passou a ter duas fases: antes da abertura do mercado europeu, no meio do ano, e depois, no segundo semestre. Isso gera uma mudança completa nos times, que ficam desfigurados no decorrer do campeonato, o que parecia ser uma pauta relevante para a equipe de jornalismo. A matéria não foi realizada porque a coordenação editorial entendeu que isso poderia desmotivar o telespectador a assistir ao campeonato, que perderia audiência.
Nada do que se aponta aqui é novidade para quem acompanha televisão de perto. Nem é prática exclusiva da Rede Globo. A concentração dos meios de comunicação tem gerado um sistema desequilibrado, em que a dependência que os políticos têm dos meios de comunicação, por conta de seu poder em pautar a sociedade, e ao mesmo tempo o interesse dos meios de comunicação em manter a completa ausência de limites para o setor (não comparável a nenhum país de capitalismo avançado) faz da promiscuidade uma constante. Mais além, o tratamento da comunicação como um negócio torna-se natural, o que não é necessariamente um problema, desde que isso ficasse claro para o telespectador.
4 – Parabéns para você
A festa de 40 anos funcionou como uma oportunidade para a Globo tentar recontar sua história e determinar os valores pelos quais ela quer ser conhecida daqui pra frente. Três fatos são reveladores: o livro de Pedro Bial sobre Roberto Marinho, o livro lançado sobre o Jornal Nacional e os eventos da emissora “em defesa do conteúdo nacional”.
O livro sobre Roberto Marinho publicado por Pedro Bial tenta dar versões novas a fatos conhecidos. Na verdade, são as visões que a emissora quer fixar na história, contadas por meio do autor porta-voz, que busca emprestar sua credibilidade. A estratégia foi sagaz, e passou por tentar fazer todos os funcionários porta-vozes dessas versões. Todos os que trabalham na emissora ganharam um exemplar do livro de Bial. No exato dia do aniversário, todos os funcionários tiveram que vestir a camisa do “Bom dia”, com direito à festa no final do Jornal Nacional.
Sobre o acordo com a Time-Life, a emissora preferiu assumir que existiu a querela, mas sem perder a compostura. A pesquisadora Patrícia Ozores Polacow revela que em matéria do Jornal Nacional do último dia 2 de dezembro (véspera do aniversário de Roberto Marinho), a Globo homenageou seu criador recontando o caso do acordo. O repórter Edney Silvestre descreveu assim a história:
"(...) Mas a vida de Roberto Marinho não foi apenas uma sucessão de vitórias. O livro também revela o homem e seus problemas. (...) Assim como os detalhes da CPI que apurou a acusação de que Roberto Marinho seria testa-de-ferro de um grupo americano na criação da TV Globo. Intimado, depôs das duas da tarde até às três da manhã. Ao fim, a operação foi considerada legal pela Procuradoria da República (...)".
O que transparece como apenas um caso corriqueiro de questionamento judicial foi, na verdade, uma querela que durou seis anos, que foi considerada ilegal pela CPI criada para apurar o caso e que só foi legalizada pelo Marechal Costa e Silva – e não pela Procuradoria da República –, contrariando a indicação do Conselho Nacional de Telecomunicações (veja mais em Breve Histórico das Relações da Globo com o Poder).
Mas a principal estratégia atual da emissora é afirmar a “defesa do conteúdo nacional”. Por trás dessa sentença está a apreensão da emissora de que as operadoras de telecomunicações, algumas 100% estrangeiras, se tornem provedoras de conteúdo, como já vem acontecendo pela ausência de regulamentação. Ao mesmo tempo em que prega essa defesa, a Globo tem afinado seus negócios com Rupert Murdoch, da News Corp., na TV por satélite (Sky) e com Carlos Slim Helu, da Telmex, na TV a cabo (NET).
Entrevista recente de Roberto Irineu Marinho, na revista Pay-TV, revela que a emissora optou, no futuro próximo, por se configurar como uma provedora de conteúdo. Caberia aos grupos estrangeiros – Sky, Telmex e mesmo à operadora Vivo, com quem começa a negociar – a distribuição desses conteúdos e a manutenção da infra-estrutura necessária a isso. Mais uma vez, o que transparece como um interesse público (a defesa do conteúdo nacional), é na verdade a dissimulação do interesse particular (de firmar a Globo como a grande e majoritária produtora de conteúdo). Prova disso é que na definição sobre a entrada de capital estrangeiro nas comunicações, a Globo se colocou a favor, assim como continua contra qualquer regulamentação que estabeleça regras de apoio à produção independente, à produção regional ou a outras formas de pluralização dos conteúdos (como no caso do projeto de lei 256 da deputada Jandira Feghali, PCdoB-RJ, que tramita há 14 anos no Congresso Nacional) .
Conteúdo nacional sim, desde que produzido no Jardim Botânico.
5 – A Globo e as relações trabalhistas
Como qualquer outra empresa, a TV Globo tem estratégias próprias para lidar com as relações de trabalho de modo a desonerar-se. Uma das condições que a emissora estabelece é a terceirização, que teoricamente só poderia existir para atividades-meio. Diversos jornalistas e radialistas estão contratados como auxiliares administrativos pela LTM Consultoria e Serviços, uma empresa terceirizadora (sic).
A prática da Globo tem sido manter o funcionário terceirizado por um ano e, depois desse período, estabelecer um contrato temporário por seis meses. Um ano e meio depois, sem férias nem direitos trabalhistas, a emissora pode fazer a opção de contratar o funcionário. Nesse caso, o contratado passa a ter os direitos previstos na CLT.
A partir daí, o nível salarial praticado pela emissora é digno e ela tem mantido o pagamento de horas extras.
Entretanto, a situação volta a se complicar quando o funcionário atinge uma certa faixa salarial. Jornalistas, apresentadores e atores, ao entrarem nessa faixa maior, passam a ter que manter relação com a Globo como pessoa jurídica. Assim, a emissora se vê livre dos encargos trabalhistas e a relação com o funcionário passa a ser contratual, com uma empresa prestadora de serviços.
Na relação com os funcionários, a Globo se utiliza muito da concessão de benefícios, que obtém por vezes em forma de permuta por horário de propaganda. Ao comemorar sua quarta década, a Globo concedeu, por exemplo, um kit supermercado no valor de R$ 1 mil para todos os funcionários. Outra estratégia é a adoção de abonos salariais, o que evita o reajuste comum para todos os funcionários e lhe permite impor recuos ao longo do tempo. Desde 1993, a emissora estabeleceu um programa de gestão participativa (PGP), pelo qual concede abonos aos funcionários a partir do cumprimento de metas de redução das despesas.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, os radialistas passaram cinco anos em dissídio com a emissora, que não queria conceder reajuste salarial equivalente à inflação. Depois de a Justiça do Trabalho julgar o caso favorável aos trabalhadores, foi estabelecido o pagamento de seis salários de compensação. Ameaçando entrar novamente na justiça contra essa decisão, a emissora propôs aos funcionários o pagamento de três salários e um aumento de 10% e obteve a adesão da maioria dos trabalhadores.
O tratamento dado pela Globo à questão trabalhista não gera mais polêmicas por três motivos. O primeiro, a alta circulação de funcionários, especialmente os “prestadores de serviço terceirizado”. Em segundo lugar, pelo quadro geral de precarização das relações de trabalho, especialmente na área da comunicação. Boa parte das empresas apresenta condições ainda piores, o que inibe a manifestação dos funcionários. Em terceiro lugar, por um fator subjetivo, mas com grande peso. A simbologia da Globo transforma um emprego na emissora em condição de status. A combinação da sensação de que a Globo abre portas e do “glamour” das novelas que se transfere a todos os funcionários faz com que uma vaga na emissora seja disputada e tenha valor alto no já exíguo mercado de empregos.
6 – A crise da Globo
Desde o início dos anos 90, o Grupo Globo vinha investindo (em parceria com sócios minoritários) na montagem da maior empresa de TV paga do Brasil: a operadora de TV a cabo NET. Foram necessários recursos para a construção da rede física, depois um upgrade (ainda hoje inconcluso) para torná-la bi-direcional (e capaz de prover acesso à Internet) e, finalmente, sua digitalização (atualmente em curso). O problema é que o modelo de negócios privilegiou as classes A e B e até hoje o número de assinantes patina em cerca de 1,6 milhão (com um índice alto de desligamento).
Ainda no setor de TV paga, a Globo investiu na montagem do empacotamento de canais com a grife NET para a criação de uma rede de franqueadas. Sob a marca NET estão canais norte-americanos (como o atual Universal Channel) e parcerias entre a Globo e as majors dos Estados Unidos (Telecine).
Para a TV por satélite, a Globo tornou-se sócia majoritária da franquia brasileira da maior operadora do planeta, a Sky (de propriedade de Rupert Murdoch, que, no caso brasileiro, era o sócio minoritário).
Mas, a Globo jamais se descuidou de seu foco que é a produção de conteúdos. A Globosat tornou-se a maior produtora de canais para TV em português.
Com dinheiro fácil e barato (graças à paridade entre dólar e real), e estimulada pela necessidade de convergência tecnológica, a Globo também resolveu tentar a sorte no mundo da telefonia e transmissão de dados.
Em parceria com a Italia Telecom (sua sócia no portal Globo.com), a Globo participou do leilão de privatização do Sistema Telebrás, tentando adquirir (e fracassando) a Embratel (de olho na aquisição da rede de satélites da operadora de longa distância).
Ainda com Italia Telecom (e Bradesco), a Globo montou a Maxitel, operadora de telefonia celular nos estados de Minas Gerais, Bahia e Sergipe.
E, com a Victori International, sua sócia na operadora de pager Teletrim, a Globo criou a Vicom, empresa de transmissão de dados, especializada na prestação de serviços para grandes grupos econômicos.
Mas, aí começaram os problemas.
A bolha da “nova economia” não se sustentou, muitas empresas fecharam, os fundos de capital de risco perderam dinheiro e a captação de novos recursos se tornou um problema. Com pouco dinheiro circulando, raros ainda tinham disposição para investir nos chamados “mercados emergentes” e os investimentos se concentram nos países ditos desenvolvidos.
Passada a eleição geral de 1998, os custos da manutenção da paridade cambial tornaram-se insustentáveis e o dólar começou a disparar, levando, consigo, as dívidas contraídas no estrangeiro.
Mas, um terceiro e decisivo elemento se somou para conformar a crise da qual a Globo tenta, agora, se livrar. O horizonte da convergência tecnológica não se aproximou com a velocidade que se imaginava, vários problemas (técnicos, regulatórios e negociais) permaneciam sem solução e o retorno de caixa não conseguia amortizar os investimentos feitos. Assim, por exemplo, a Internet banda larga não cresceu na proporção esperada, a TV digital ainda não foi introduzida e a telefonia celular permanece, em grande medida, transportando apenas sinais de voz.
No dia 28 de outubro de 2002 aconteceu o que até então parecia impensável (dado o seu poderio político e papel simbólico desempenhado nos últimos anos): a Globopar (holding da Globo, que exclui TV Globo, Sistema Globo de Rádio e Infoglobo) anunciou o default (moratória). A Globopar não tinha condições de saldar suas dívidas. Em dezembro do mesmo ano foi a vez da NET.
A TV Globo seguia sendo uma empresa superavitária, mas o default da Globopar lhe afetava diretamente. A família Marinho dera a TV Globo e o Projac como garantias para empréstimos de sua holding no valor aproximado de R$ 4 bilhões. Uma afundando, certamente levaria a outra.
7 – Vendendo os anéis
Desde o anúncio de seu default, a direção da Globo vem se esforçando para conseguir um acordo com os credores que permita o alongamento dos prazos e a conversão de parte do montante em moeda nacional (livrando-a do problema de arrecadar em reais e pagar em dólares agora que a paridade se tornou uma quimera).
Mas, a renegociação implica na adoção de um novo modelo de negócios que garanta aos credores que o grupo tem condições de se manter como um player importante no mercado de mídia.
O plano adotado passa, em primeiro lugar, por assumir uma nova estratégia diante do cenário de convergência.
A Globo desistiu de ter o controle das redes de transmissão de dados. Parte foi simplesmente vendida. A Teletrim converteu-se em uma prestadora de serviços wireless de propriedade da ex-sócia Victori. A Vicom foi alienada para a Comsat. Globo e Bradesco se retiraram da Maxitel que acabou anexada à TIM.
O foco passou a ser o conteúdo.
A Globo ambiciona ter a capacidade de produzir conteúdo em texto, áudio e audiovisual e ser capaz de “empacotá-lo” para as diferentes mídias: jornais, revistas, rádios, TV aberta, TV paga, Internet e telefonia celular, independente de ser a dona da distribuição.
Assim, a Globo decidiu, também, vender suas redes de distribuição de TV paga: NET e Sky. Mas, neste caso, ela não poderia se dar ao luxo de simplesmente deixar o negócio. Era preciso manter uma participação acionária minoritária que lhe garantisse, ao mesmo tempo, reter o uso dos canais de distribuição de seu conteúdo e impedir que outras produtoras (como os canais da Band: News, Sport e 21) lhe fizessem concorrência.
Na operadora NET (agora chamada NET Serviços), a Globo ficará com cerca de 26.01% do capital votante e a mexicana Telmex (que, no Brasil, já é proprietária da Embratel, da Claro, da ex-AT&T Latin America e da Vésper) com, no mínimo, 62,49%. O contrato entre a Globo e a Telmex prevê que a operadora deve continuar usando a marca NET (cujos canais são “empacotados” pela NET Brasil, empresa sob controle exclusivo da Globo).
Na Sky Brasil a Globo ficou com 28% das ações ordinárias. E Rupert Murdoch com o restante. Murdoch é o proprietário da Fox, da Sky e acaba de adquirir a DirecTV para fundi-la com sua plataforma de TV via satélite, além de ser o principal aliado do governo Bush na área da mídia. O contrato prevê tanto a exclusividade na distribuição dos pacotes da NET Brasil quanto a possibilidade da Globo colocar os seus canais nas operações da Sky e DirecTV ao redor do mundo.
Ou seja, na NET e na Sky Brasil, só entram os canais que a Globo aprovar. O que significa que a concorrência nacional (como os canais da Band, por exemplo) deve ficar de fora das duas maiores operadoras de TV paga do Brasil.
Por fim, a Globo parece ter abandonado, ao menos por enquanto, a idéia de investir no setor de parques temáticos. E, com a crise mundial do mercado fonográfico, desistiu de disputar com as cinco grandes (Universal, Warner, EMI, BMG e Sony), transformando a antiga gravadora Som Livre em uma loja virtual e vendedora de trilhas sonoras de novelas.
8 – A Globo e o futuro
Depois de se desfazer das redes de transmissão e se concentrar no conteúdo, a Globo desenvolve uma dupla estratégia.
No dia 21 de abril ela anunciou que os grupos de credores haviam concordado com a reestruturação das dívidas. Agora, começa um intrincado processo de troca das dívidas velhas pelas novas. A Globopar conseguiu descontos que variam entre 30% e 50%. Globopar e TV Globo continuam como fiadoras da dívida que deverá ser liquidada em 2012.
De outro lado, a Globo atua para evitar o inevitável ou ao menos tentar adiá-lo até que sua posição melhore. A Globo sabe que o processo de convergência é inevitável. Sabe que assim com as redes da NET Serviços (originalmente feitas para a TV a cabo) poderão prover telefonia, as operadoras de telecomunicações em breve poderão oferecer conteúdo audiovisual pelos seus cabos ou redes sem fio. Aí, a Globo deixará de disputar o mercado com os Saad, Abravanel e a Igreja Universal para ter que enfrentar Telefonica de España, Portugal Telecom, TIM e outras que podem desembarcar por aqui. A briga muda de nível.
Assim, sua defesa do “conteúdo nacional” procura criar o apoio que ela precisa para aprovar algum tipo de regulamentação que impeça as “teles” de produzirem seu próprio conteúdo brasileiro. Se quiserem transmitir, terão que comprar de terceiros e a própria Globo aparece como candidata natural para fornecer sua programação.
Sua perspectiva é lutar ao máximo para adiar o cenário de convergência e garantir que, quando ele chegue, a emissora esteja novamente posicionada para exercer sua vocação oligopolista.
9 – Expediente
“Quanta verdade um homem é capaz de suportar?” (Nietzsche)
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Envie críticas, sugestões e comentários – E-mail: indecs@indecs.org.br
Editor-responsável: jornalista Gustavo Gindre (gindre@indecs.org.br)
14.5.05
Ao que Pacheco Pereira responderia...
(em relação ao post anterior), citando de memória, da Quadratura do Círculo: 'mas que jornalismo de serviço público é aquele que abre o seu noticiário com a bicha para a compra de bilhetes à porta do Alvalade XXI?' Ou, outro exemplo, veja-se A angústia do Jornal da Tarde perante a queda da placa.
13.5.05
Do 'melhor' TJ (RTP) ao tablóide (TVI) passando pelo dos fretes políticos (SIC)
Novos espantos de Emídio Rangel na revista de TV do CM, novo registo: «Julgo ser consensual que o melhor ‘telejornal’ é, nos dias de hoje, o da RTP1. É um serviço credível feito com uma enorme preocupação de isenção e equilíbrio, sem recursos a sensacionalismos baratos. Toda a actualidade está ali tratada com acabamentos cuidados e, em regra, com acertada hierarquização das notícias. Oferece uma imagem de modernidade e uma boa equipa de apresentadores com o destaque óbvio de José Alberto Carvalho que mantém uma postura de seriedade e respeitabilidade inigualáveis.
«O noticiário da SIC o que tem de melhor é Rodrigo Guedes de Carvalho. Boa presença, bons textos de rodapé, escritos ou improvisados, bons lançamentos das notícias. Apesar de ter sofrido modificações recentes, o cenário do ‘Jornal da Noite’ continua sem grandeza. Falta espaço para permitir uma boa realização. Está condicionado num lugar exíguo, apesar dos melhoramentos, e deixa poucas opções ao realizador. As peças jornalísticas são irregulares. Umas são boas outras são más. Falta maturidade à redacção. Falta inspiração e inovação no tratamento das notícias. E, por vezes, falta capacidade para entrar em directo. É o telejornal mais permeável aos fretes políticos.
«O ‘telejornal’ da TVI é uma lotaria, onde raramente sai um primeiro prémio. Um estilo popularucho, tablóide, às vezes panfletário. É o pior dos três jornais. Falta credibilidade. Manuela Moura Guedes está muito mal na apresentação do serviço de notícias. É difícil levá-la a sério. Os outros apresentadores realizam muito melhor trabalho. As notícias e as não notícias misturam-se como se tudo fosse a mesma coisa. A informação é, de facto, a zona mais pobre da TVI.»
«O noticiário da SIC o que tem de melhor é Rodrigo Guedes de Carvalho. Boa presença, bons textos de rodapé, escritos ou improvisados, bons lançamentos das notícias. Apesar de ter sofrido modificações recentes, o cenário do ‘Jornal da Noite’ continua sem grandeza. Falta espaço para permitir uma boa realização. Está condicionado num lugar exíguo, apesar dos melhoramentos, e deixa poucas opções ao realizador. As peças jornalísticas são irregulares. Umas são boas outras são más. Falta maturidade à redacção. Falta inspiração e inovação no tratamento das notícias. E, por vezes, falta capacidade para entrar em directo. É o telejornal mais permeável aos fretes políticos.
«O ‘telejornal’ da TVI é uma lotaria, onde raramente sai um primeiro prémio. Um estilo popularucho, tablóide, às vezes panfletário. É o pior dos três jornais. Falta credibilidade. Manuela Moura Guedes está muito mal na apresentação do serviço de notícias. É difícil levá-la a sério. Os outros apresentadores realizam muito melhor trabalho. As notícias e as não notícias misturam-se como se tudo fosse a mesma coisa. A informação é, de facto, a zona mais pobre da TVI.»
Agora é que é: vem aí o Provedor
Foi já aprovada em Conselho de Ministros a figura do Provedor do serviço público de televisão e de rádio. O objectivo é incentivar a auto-regulação do sector, sendo ainda função do provedor indagar dos «critérios adoptados e métodos utilizados na elaboração e apresentação da programação e da informação».
Uma decisão em boa hora tomada, que se espera venha contribuir para o reforço de boas práticas na programação e informação da RTP e RDP. Já agora recorde-se o post Vem aí o Provedor da RTP1.
Uma decisão em boa hora tomada, que se espera venha contribuir para o reforço de boas práticas na programação e informação da RTP e RDP. Já agora recorde-se o post Vem aí o Provedor da RTP1.
O princípio do fim da TV…
Estudo da Deloitte conclui que a TV tem de alterar actual modelo de negócio. Diz a peça do DE: «O futuro das estações de televisão passa pela alteração do modelo de negócio tradicional, para um modelo multidimensional, apostando em várias plataformas, bastante flexível e centrado no cliente». Para consulta: Television Networks in the 21st Century - Growing Critical Mass in a Fragmenting World.
12.5.05
Convergência Soft, Realidade Hard
Embora publicado já há mais de cinco anos (Janus, 1999-2000, UAL/Público) este ensaio, Convergência Soft, Realidade Hard, mantém-se curiosamente (ou nem por isso) actual.
11.5.05
Novos media, novas prácticas
Encontro Arte e Comunicação, CCB, 2-3-4 de Junho (Org: CECL):
A reflexão que propomos toma como ponto de partida um conjunto de novos conceitos aos quais estão associados novos saberes, novas competências e novas práticas, presentes nos mais diversos domínios da experiência contemporânea, da ciência à cultura, da produção industrial ao entretenimento: programar e desenhar, interagir e jogar, sintetizar e simular. Tais parecem ser as palavras de ordem da nova dinâmica cultural e os princípios da nova plasticidade do mundo. Interroguemos então o seu sentido mais profundo e a possibilidade de com eles emergir uma reinvenção do gesto poético.
PROGRAMAÇÃO E DESIGN
Estarão a programação e o design a tornar-se num novo princípio das formas culturais? A todas as novas possibilidades operatórias e expressivas parece presidir, no mundo das máquinas informacionais, a escrita de um programa, tal como a todos os seus sistemas, aplicações, interfaces ou mesmo circuitos electrónicos parece presidir um design. Tratar-se-á de uma reinvenção da escrita? De uma expansão radical do design? De um novo espaço simbólico onde todo o gesto poético necessariamente se enraiza? O que significa criar na era da programação e do design?José A. Bragança de Miranda (Dep. de Ciências da Comunicação - Univ. Nova de Lisboa) Henrique Garcia Pereira (Instituto Superior Técnic - Universidade de Lisboa) José Luis Brea(Universidad Castilla La Mancha, Madrid)
INTERACTIVIDADE E JOGO
Será a interactividade uma mera possibilidade técncia e um automatismo cultural ou o fim decisivo da contemplação e a reintrodução do jogo na experiência estética? Um novo caminho da emancipação e da criação ou uma manobra mais para a mobilização do espectador? Em que intervimos quando interagimos? No entretenimento sem frotneiras e no jogo de fingir que ainda há mundo ou na nova esfera da globalização? O que significa esta espécie de junção entre activismo, tecnicismo, criação e entretenimento?
Maria Teresa Cruz(Dep. de Ciências da Comunicação - Univ. Nova de Lisboa) Graça Rocha Simões(Dep. de Ciências da Comunicação - Univ. Nova de Lisboa) Eric Alliez(Universidade de Middlesex, Londres)
SINTETIZAÇÃO E SIMULAÇÃO
A era moderna das máquinas começou talvez com o triunfo do pensamento analítico, mas é a síntese e o sintético que parecem constituir o seu horizonte. A síntese, que evoca uma das virtudes do mito, da poesia e também do conceito, será hoje sobretudo uma realidade técnica - a dos seres artificiais, dos mundos virtuais, e das experiências simulacrais? Esta nova produtividade que atravessa todos os domínios, da biologia às artes, é a aurora de uma nova idade da forma ou a decomposição decisiva de todas as formas, na combinatória e no hibridismo? Como pensar esta nova plasticidade?
José Augusto Mourão(Dep. de Ciências da Comunicação - Univ. Nova de Lisboa) António Ramires Fernandes (Mestrado de Computação Gráfica e Ambientes Virtuais, Univ.Minho) Peter Weibel(Zenter für Kunst und Medientechnologie, Karlsruhe)
Hábitos Televisivos dos Portugueses (MD TV Report)
Do press release da Multidados:
Dados recentes sobre os hábitos de internet dos Portugueses indicam que "Durante o mês de Dezembro de 2004, 616 mil residentes no Continente com 4 e mais anos acederam a sites de televisões, quando navegaram em suas casas na internet. Este número corresponde a 49.4% dos internautas do período e a um aumento de 3.6% relativamente ao mês anterior. (...) Os canais de televisão portugueses foram mais visitados no mês de Outubro, quando acolheram 419 mil utilizadores únicos, tendo sido em Julho que menos visitantes receberam, 327 mil."
E qual a nossa realidade dos meios televisivos offline? Perante este facto, a MultiDados deu início a um conjunto de estudos estatísticos sobre os Hábitos Televisivos dos Portugueses (MD TV Report). Hoje, já é possível avaliar o impacto destes meios na população, assim como os seus hábitos!
Muitas são as conclusões retiradas do estudo, contudo, salientamos que:
55,5%, ou seja, a maioria dos portugueses, vê diariamente entre 1 a 3 horas diárias de televisão;
Quando questionados sobre o seu canal preferido, 22,4% indicou ser a SIC, e 17,6% a TVI;
30,6% dos portugueses prefere ver noticiários e 14,6% filmes;
Verificou-se que a esmagadora maioria dos inquiridos (85,63%) não costuma participar em passatempos interactivos em na televisão;
Dos filmes que foram exibidos nos canais portugueses, o preferido dos portugueses é o Titanic (4%);
A maioria dos portugueses, ou seja, 62,25%, indicou consultar a programação dos canais, sendo que 28,75% o faz através do teletexto;
O canal dois (2:) foi o que obteve uma nota mais positiva pelos portugueses (40,75% consideram a programação boa).
9.5.05
Quantos são?, quantos são?
Miguel Gaspar no DN: «A entrevista de Judite de Sousa ao major Valentim Loureiro, quinta à noite, na RTP1, ficou marcada por uma situação insólita. Em várias ocasiões, o entrevistado insistiu considerar a entrevista como uma conversa entre pessoas próximas. Fê-lo revelando e elogiando que a entrevistadora se tivesse descolado ao Norte para conversar com ele que, nas suas próprias palavras, é uma pluma e não um peso pesado. Fê-lo referindo às conversas que a jornalista tem em casa e, marca final, mencionando "o nosso partido" de forma propositadamente ambígua.»
TV por ADSL2+
Pedro Fonseca escreve hoje no Público - suplemento Computadores - sobre o projecto da Sonaecom de TV por ADSL2+.
A UE e os Media em Portugal
A propósito do Dia da Europa e do Seminário 'Os Valores da Acção Externa da UE', CCB, 9 de Maio de 2005, onde se discute os valores e eficácia da política externa europeia, sem se discutir o seu calcanhar de Aquiles - a sua estratégia de comunicação, veja-se o ensaio A União Europeia e os Media em Portugal – os casos do Diário de Notícias e do Público.
Valha-nos para já a recente conferência Putting Europe in the Picture.
E já agora, atenção à edição próxima da Tese de Mestrado (Faculdade de Letras do Porto) de Gisela Machado: «O Primeiro Dia Europeu de Portugal: Cenas de uma União selada pela Televisão – Análise da Telecerimónia de Assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE», pela Campo das Letras.
Valha-nos para já a recente conferência Putting Europe in the Picture.
E já agora, atenção à edição próxima da Tese de Mestrado (Faculdade de Letras do Porto) de Gisela Machado: «O Primeiro Dia Europeu de Portugal: Cenas de uma União selada pela Televisão – Análise da Telecerimónia de Assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE», pela Campo das Letras.
8.5.05
'Cedência(s) da RTP ao jornalismo big brother'
'Pesadelo patriótico' - João Lopes no DN de hoje: '(...) Que tudo isto aconteça dentro do processo de ocupação histérica de todos os espaços informativos pelo futebol, eis o que diz bem da cedência da RTP ao jornalismo big brother. Mais ainda que à sua violência simbólica se cole uma visão indigente do patriotismo, eis o que não pode deixar de ser classificado como um factor quotidiano de deseducação colectiva. Pelo caminho ficam as ruínas de quase tudo, a começar pelo simples prazer de ver um bom jogo de futebol.'
'24': da Fox para o Telemóvel
Ficção criada directamente para móveis 3G, depois de passarem na TV, estão já nos EUA e no Reino Unido, designadamente 24: Conspiracy, série da Fox que conta as peripécias de Jack Bauer (Kiefer Sutherland) chefe da Unidade Anti-terrorista de Los Angeles.
Cada ’mobisode’ (mobile x episode) reproduz num minuto histórias muito sintéticas, retiradas do original em grandes planos, rodados em 35 mm. A prazo, a Fox e a Vodafone pretendem lançar o projectos em mais de 20 países.
Desde que disponibilizado pela operadora móvel, os seguidores da série que a queiram ver no móvel, podem descarregar os mini-episódios da página web da Fox.
Cada ’mobisode’ (mobile x episode) reproduz num minuto histórias muito sintéticas, retiradas do original em grandes planos, rodados em 35 mm. A prazo, a Fox e a Vodafone pretendem lançar o projectos em mais de 20 países.
Desde que disponibilizado pela operadora móvel, os seguidores da série que a queiram ver no móvel, podem descarregar os mini-episódios da página web da Fox.
7.5.05
Se a Ydreams mordesse o cão...
A Ydreams, de António Câmara, chegou à televisão portuguesa, anos (!) depois de atingir o mercado global... Vejo pela primeira vez os projectos da Ydreams em televisão, no Expresso da Meia Noite, da SIC Notícias, hoje, sobre o «Choque Tecnológico». Mais vale tarde que nunca, naturalmente. Mas a Ydreams deveria ser familiar a todos os portugueses como projecto de excelência, de impacto mundial. Se ela mordesse mesmo o cão...
6.5.05
A angústia do Jornal da Tarde perante a queda da placa
Embora 24 horas depois, recordo a abertura do Jornal da Tarde da RTP1 de ontem (mais uma peça 'rara' do serviço público), com o pivot a perguntar ao repórter, em Mogadouro, 'porque é que caíu a placa?' - no caso, de uma construção, num acidente que vitimou dois operários (o Público, por exemplo, remeteu a notícia para 1/3 de página no Local, o que não deixa de ser um destaque excessivo para aquilo que não deveria passar de uma 'breve').
Hoje, 6 de Maio, exultemos (!) que o mesmo Jornal da Tarde da RTP1 concedia abertura de mais de 13 minutos à passagem do Sporting à final da Taça UEFA! (será que há alguma coisa, alguém, algum acontecimento, alguma realidade deste país, que possa embevecer por outros 13 minutos de abertura o mesmo Jornal da Tarde? Poderão responder: o Pinto da Costa, o Bibi, os tabus do Santana Lopes vs PR... OK!... Portugal pode dormir (falir) descansado, o Jornal da Tarde não importunará).
Hoje, 6 de Maio, exultemos (!) que o mesmo Jornal da Tarde da RTP1 concedia abertura de mais de 13 minutos à passagem do Sporting à final da Taça UEFA! (será que há alguma coisa, alguém, algum acontecimento, alguma realidade deste país, que possa embevecer por outros 13 minutos de abertura o mesmo Jornal da Tarde? Poderão responder: o Pinto da Costa, o Bibi, os tabus do Santana Lopes vs PR... OK!... Portugal pode dormir (falir) descansado, o Jornal da Tarde não importunará).
5.5.05
Os media regionais face à TV Local
[ainda a propósito do Congresso da APR]
De que se fala quando se fala de televisão local? De uma liberalização anarquizante, espécie de cacofonia televisiva, onde tudo e todos têm acesso a um bem escasso? Claro que não. Fundamentalmente, e por maioria de razão em oposição às famigeradas globalizações, de que sejam criadas as condições para que, por exemplo a cidade ou as regiões A, B ou C possam vir a ter também o seu modelo de comunicação audiovisual, o seu canal local de televisão, seja através da net, da TV digital terrestre, ou da televisão de acesso, comunitária, ou outra, específica ainda da velha radiodifusão hertziana.
Todos concordarão, naturalmente, não ser possível passar um atestado de insanidade económica e cultural aos habitantes e ao potencial das grandes cidades e das regiões portuguesas que os afaste irremediavelmente de um projecto de TV local, emanado directamente da sua sociedade civil, ou de qualquer grupo autónomo dos seus cidadãos.
O tema desta reflexão configura desde logo, no seu próprio título, uma preocupação - ou a procura de informação - no sentido de se saber do impacto das televisões de proximidade (locais e regionais) num mercado já de si pequeno para os operadores existentes, tanto no sector da Rádio como no da Televisão, bem como ainda no da Imprensa.
A questão é sem dúvida importante, mas uma resposta técnica a essa inquietação, para além de não poder decicir de per si sobre a possibilidade e a legitimidade do arranque dessas mesmas televisões de proximidade, implicará um estudo económico aprofundado sobre os cenários futuros do mercado no contexto da chegada das novas televisões, nomeadamente dessas. Nesse sentido, aliás, foi recomendado, no passado, designadamente pela Comissão de Reflexão Sobre o Futuro da Televisão, um estudo técnico nessa área precisa. A dúvida sobre esta matéria vai no sentido de nos questionarmos sobre o verdadeiro e último objectivo de um estudo técnico no quadro de uma tomada de decisão política. Ele deveria ser, em primeiro lugar, um estudo de enquadramento da questão e de aconselhamento, de informação. E tão só isso. Quero dizer: será possível impedir, no limite, a emergência de um meio de comunicação com as características de uma televisão local ou regional com base no argumento económico da insuficiência do mercado publicitário? A ver pelos projectos entretanto surgidos no audiovisual português através da TV Cabo e todos os outros que se anunciam esta é já uma falsa questão.
Mas mesmo que assim não fosse, a resposta seria negativa. Fundamentalmente por três motivos. Em primeiro lugar, pelo argumento político de fundo: o direito ao audiovisual no plano das regiões e das comunidades locais é um direito que se configura no quadro do direito à cidadania e à liberdade de acesso ao sistema dos media pela sociedade civil, em particular pelos cidadãos do interior do país - ou das ilhas - que habitualmente não se reconhecem nos meios de comunicação de cobertura nacional. Em segundo lugar por um argumento jurídico formal: em abstracto, a legitimidade de existência de uma televisão local ou regional é idêntica à de uma rádio local ou regional. Em terceiro lugar pelo argumento cultural, ou seja, pela necessidade das regiões e das comunidades locais participarem de forma activa no modelo de comunicação audiovisual cada vez mais próximo das suas tradições e das suas realidades quotidianas e culturais, e cada vez necessariamente menos dependente de fluxos de informação globalizantes e/ou pan-europeus, mais afastados do modelo de comunicação que a Europa precisa para o seu projecto político, económico e cultural.
Gostaria de introduzir agora uma nova vertente que se prende com a mutação no plano dos media, dos mass media para os self e cyber media, na perspectiva da Sociedade de Informação. Dizia Manuel Castells que a Sociedade de Informação, ao mesmo tempo que diversifica as imagens concentra o poder de produzi-las e a capacidade de emiti-las, fazendo da sua virtualidade a nossa realidade. Na perspectiva de Alain Touraine, do que se deveria tratar seria, com efeito, de uma reconversão e actualização das estratégias públicas na área da cultura face à esmagadora mundovisão. De facto importa hoje pensar seriamente o conjunto de práticas, estratégias e tecnologias, que, concentrando a área de media, modelizando e uniformizando fluxos, criam novas legitimidades que dissimulam realmente o desaparecimento da virtude civil e, em acréscimo, reciclam os velhos impasses dos sistemas participativos e as múltiplas crises de autonomia comunicacional e interaccional dos cidadãos. Ora, em primeiro lugar, a comunicação audiovisual no plano local e regional deve criar uma alternativa a esses bloqueios clássicos e, mais, às próprias linguagens e fluxos de programas que pouco têm a ver com as realidades locais e regionais e com as suas especificidades singulares.
A grande questão é, ainda, num tempo de afluxo de estratégias de comunicação conglomeradas, problematizar exactamente o lugar das singularidades, o lugar das subjectividades dissidentes, pensar o lugar do Outro, de todos os diferentes, na cultura modelizadora deste final de século. O campo audiovisual, designadamente o que está ligado aos grandes fluxos de difusão de programas de TV, videos e filmes, é, assim, no plano estratégico, no plano das discursividades e dos contextos historico-culturais, um dos eixos preferenciais, necessariamente incontornáveis, para a reflexão nesta área e para argumentar claramente na tomada de decisão.
Trata-se portanto de inverter no plano local esse efeito perverso e os modelos protocolares, normativos, comportamentais, que o audiovisual dos impérios macroculturais difunde como uma espécie de novo dogma. É pois contra este receituário da mundialização, contra a contaminação dos particularismos, localismos, que se apela sempre, de modo a preservar as redes de singularidades, enfim, as identidades, as culturas e as tradições locais. E aí não há dúvida que novas competências emergem relativamente à acção das administrações centrais e regionais, das suas estratégias de comunicação e de afirmação autónoma dos seus cidadãos.
E se é um facto que a definição da estratégia do país para a globalização não pode ser hipotecada aos localismos, também o desenvolvimento da comunicação local e regional deve ser salvaguardado face aos interesses dos grandes conglomerados mediáticos por forma a proteger-se, como se disse, a cultura local, os particularismos e o conhecimento das realidades locais.
Importa reter sobretudo o seguinte: não é de todo aceitável que uma lógica de eficácia ou de mercado, ou qualquer lógica económica restritiva possa vir a substituir-se aos princípios e valores da própria ordem democrática onde ela é exactamente mais sensível, isto é, no plano da liberdade de expressão, no plano da liberdade de comunicação e no plano da liberdade de cidadania. Julgo, correndo o risco de pactuar com a utopia, que o direito às TV's locais e regionais está aí mesmo.
Há depois uma reflexão crítica a fazer em torno dos conceitos de Interactividade e Democracia. De facto, hoje é possível afirmar que há um debate que se está a fazer na sociedade portuguesa em torno das temáticas da sociedade da informação e das tecnologias interactivas, procurando-se os atalhos que nos conduzirão à era digital plena. Importa, naturalmente, como tenho dito, alargar esse debate o mais possível, e colocá-lo, de preferência, nos grandes meios de comunicação social. A questão para a qual me proponho sugerir algumas interrogações prende-se com a dúvida em torno da relação intertactividade vs. democracia. Ou seja, será assim tão líquido que a comunicação interactiva que se anuncia nos conduz rapidamente ao paraíso da democracia directa, ou esse não será mais um dos mitos cíclicos do fenómenos comunicacional e mediático? Essa era, por exemplo, a crença de Bertold Brecht, quando, nos anos 30, criticava o meio rádio, então emergente, por não ser um «autêntico processo de comunicação democrática».
A questão coloca-se de forma mais complexa, mais crítica também: a evolução dos meios de comunicação de massa, nos seus percursos contrários - por um lado, os sistemas hiperconcentrados, controlados ainda pelos velhos aparelhos de Estado e instituintes das normas enquadradas muitas das vezes por um quadro político e jurídico da era industrial, por outro, os sistemas miniaturizados, que abrem, como disse Guattari, a possibilidade de uma apropriação colectiva dos media, designadamente pelas minorias, e pelas diferentes comunidades em geral -, tinha, na sua vertente minimal, e concretamente no caso italiano, uma característica nova, «não oficial» pelo menos, ao contrário do que acabou por acontecer em França, com a atribuição de frequências a quem assegurasse pela sua representatividade a «boa emissão».
De facto, é num contexto de experimentação de um novo tipo de democracia mais aberta e mais partilhada que se inscreve a questão da comunicação regional, ou da televisão comunitária. Esta utopia da plena interactividade, mais tarde, nos anos 80, relançada pelo Relatório McBride da Unesco, para uma Nova Ordem Internacional da Informação, reconhecia a necessidade de lançar aquilo a que se chamava então o «princípio da reciprocidade na comunicação». Mais uma vez tratava-se aqui de reconhecer os direitos inalienáveis à comunicação, à cidadania e a novas relações de produção na informação. Hoje pode pensar-se que a Internet e a interactividade podem cumprir a utopia e relançar a civilização para uma nova lógica social de comunicação, mais participativa, directa. Mas aí estamos certamente, de novo, submersos nas lógicas da utopia.
Voltando ao tema das televisões locais e regionais, de facto, se há jornais e rádios locais, por que não um canal de televisão, eventualmente participado por esses mesmos jornais e rádios, pelos investidores locais, associações, universidades, enfim, uma televisão à escala da região, com emissores de baixa potência, para uma zona de cobertura limitada? Têm argumentado os opositores das TV's regionais e locais várias ordens de razões: por um lado, não haver mercado publicitário; por outro lado, estar-se a criar o grande coveiro das TV's nacionais; por último, que a participação, mesmo lateral, dos municípios nas TV's regionais ou locais poderia dar azo a algumas prepotências e inclusivamente a guerrilhas interegionais.
Tudo isso pode ser verdade. Desde que o mercado esteja desregulado, e que tudo seja permitido, um pouco como aconteceu em Itália no final dos anos 70, é possível que os lamentos dos opositores das regionais se viesse a confirmar. Mas é isso precisamente que a experiência aconselha a evitar. Vejamos então os três dados da questão: quanto ao mercado publicitário, não é crível que, por exemplo a nível local - pense-se em Bragança, Viseu, Coimbra, Castelo Branco, Faro, Funchal, etc. -, não existam recursos privados para lançar pequenas televisões locais. Não é crível, também, que não haja um mercado publicitário local. Na maior parte das grandes cidades e em regiões turísticas, esse mercado existe e pode dar retorno aos investimentos realizados.
Resta uma questão: saber se o mercado permite televisões regionais hertzianas na Grande Lisboa e no Grande Porto, que são as regiões mais atractivas para o mercado da publicidade. E aí, até prova em contrário, penso que não, que não será nada saudável. Mas por esse país fora, sobretudo no plano local, onde haja desenvolvimento e agentes económicos e culturais determinados, então, que mil televisões floresçam, passe a alusão...
Ora, se nem sempre é verdade que «mais televisão seja melhor televisão», o facto é que quase sempre é verdade que «mais comunicação é melhor participação». Essa tem sido, pelo menos, uma verdade irrecusável, desde que o Homem conhece as primeiras formas simbólicas de comunicação. Todos concordarão, certamente, que as sociedades mais avançadas neste final de século - designadamente os EUA, a Europa e o Japão - têm hoje um sistema democrático representativo que é cada vez mais participado pela opinião pública e pela sociedade civil, justamente pelas facilidades que os meios de comunicação cada vez mais proporcionam.
Estamos entretanto a evoluir de uma sociedade em que ainda predominam os mass media - a imprensa, a rádio, a televisão -, para uma sociedade cada vez mais participada pelos cidadãos através dos novos media - o computador pessoal e a Internet; telemóvel, as rádios e televisões locais através de protocolo IP, e também comunitárias e temáticas, os serviços interactivos, Webpages, chat’s, etc., etc. Passa por aí a «via rápida» para era digital plena.
Portugal deu, já em Março de 1997, um importante passo na descentralização das emissões de televisão e na afirmação do serviço público de televisão. Precisamente na data do 40º aniversário da RTP, eram lançadas as emissões de informação regional, de norte a sul do país, centradas em seis capitais de distrito. Trata-se de uma medida há muito pretendida pelas comunidades e centros urbanos do interior, que a partir dessa altura passaram a ter a sua pequena «aldeia local» na demasiado imensa aldeia global.
Fizeram-se alterações legislativas na área do cabo, que permitem emissões temáticas aos operadores de televisão por cabo e emissões regionais. O que significa que a paisagem audiovisual portuguesa caminha de facto para algo muito diferente da «paleo-televisão». É curioso ver os diferentes movimentos e iniciativas que um pouco por todo o lado discutem e preparam futuras emissões locais e regionais. Escolas profissionais, Universidades, Empresários locais e Câmaras, mais directamente envolvidos, mas também o Turismo, a Indústria, o Comércio local/regional, os operadores de comunicações, etc., todos estão atentos aos desenvolvimentos próximos no sector.
E não se pense que as rádios locais e a imprensa regional podem vir a ser afectadas pelas futuras televisões locais e regionais. É que tanto uns como outros são dos mais interessados na abertura da legislação, precisamente, às televisões locais e regionais (veja-se, entre outros, o encontro do Movimento para a TV's Regionais Portuguesas em Mangualde, organizado também pela Rádio Mangualde).
Por fim, o argumento técnico, que demonstra que muita coisa está em aberto no que diz respeito a mercado publicitário. Jean-Louis Laborie, um dos mais prestigiados especialistas da Europa em «media research», divulgou um estudo, por si coordenado, no qual conclui, um tanto surpreendentemente, que o poder das mensagens publicitárias em Televisão é menor do que na Imprensa. Deste estudo infere-se que a Televisão é presentemente o «media» que distorce mais os efeitos das mensagens publicitárias junto do público-alvo dos anunciantes. Com efeito, a avaliação do «tempo médio publicitário individual» é feita analisando o comportamento do público perante os media e as suas mensagens publicitárias. Se, por exemplo, um telespectador assistiu a um programa de informação com meia hora de duração no qual foi passado um único «spot» publicitário, apenas «contactou» com 8 segundos de publicidade em 30 minutos de programação; pelo contrário, segundo Laborie, a publicidade inserida nos jornais e nas revistas está durante mais tempo no campo visual do leitor, o que faz com que ele «contacte» também durante mais tempo com as mensagens. A Televisão não é o media tradicionalmente dominante e nem sequer se aproxima da Imprensa no que se refere à duração da frequência dos seus espaços publicitários: o «tempo publicitário» eficaz, em termos do consumidor-alvo, é bastante maior para a Imprensa - 19 minutos diários contra 11 da Televisão. Este estudo é, sem dúvida, um pequeno exorcismo da publicidade, mas a verdade é que um exorcismo maior acaba de chegar ao mercado português, e esse vem corromper, de forma paciente mais irrefutável, todas as lógicas de eficácia possíveis de descortinar pelo media research: chama-se publicidade interactiva, e mais uma vez trata-se de algo que pode beneficiar a comunicação «global», abrindo certamente um espaço à publicidade «local», que aliás ela não tem no actual modelo publicitário.
Embora não deva ser impeditivo político do desenvolvimento das TV's locais e regionais, deve ser naturalmente exigido um estudo aprofundado sobre o impacto das TV's locais e regionais, hertzianas e por cabo, no quadro dos mercados publicitários emergentes. E no diálogo com o legislador os protagonistas dos sectores mais interessados, designadamente os media regionais, devem naturalmente ser interlocutores privilegiados e devem ter o reconhecimento das suas competências, tratando-se de eventual parte interessada no processo de atribuição de alvarás de futuros canais de TV local/regional.
Em conclusão: como diz Giuseppe Richeri, as televisões pan-europeias e mesmo as TV's nacionais não conseguem ter em conta as diferenças das regiões e o que inevitavelmente acabam por fazer é tentar anulá-las em vez de as valorizar. As futuras TV's locais e regionais devem no entanto renunciar a produzir em pequena escala os modelos de programação das grandes redes nacionais e internacionais, aproveitando as oportunidades do processo de construção política e cultural da Europa e revalorizando sobretudo as identidades dos cidadãos europeus começando pelo seu contexto linguístico, cultural e geográfico de origem.
* Publicado na Observatório, nº 2, Novembro de 2000.
De que se fala quando se fala de televisão local? De uma liberalização anarquizante, espécie de cacofonia televisiva, onde tudo e todos têm acesso a um bem escasso? Claro que não. Fundamentalmente, e por maioria de razão em oposição às famigeradas globalizações, de que sejam criadas as condições para que, por exemplo a cidade ou as regiões A, B ou C possam vir a ter também o seu modelo de comunicação audiovisual, o seu canal local de televisão, seja através da net, da TV digital terrestre, ou da televisão de acesso, comunitária, ou outra, específica ainda da velha radiodifusão hertziana.
Todos concordarão, naturalmente, não ser possível passar um atestado de insanidade económica e cultural aos habitantes e ao potencial das grandes cidades e das regiões portuguesas que os afaste irremediavelmente de um projecto de TV local, emanado directamente da sua sociedade civil, ou de qualquer grupo autónomo dos seus cidadãos.
O tema desta reflexão configura desde logo, no seu próprio título, uma preocupação - ou a procura de informação - no sentido de se saber do impacto das televisões de proximidade (locais e regionais) num mercado já de si pequeno para os operadores existentes, tanto no sector da Rádio como no da Televisão, bem como ainda no da Imprensa.
A questão é sem dúvida importante, mas uma resposta técnica a essa inquietação, para além de não poder decicir de per si sobre a possibilidade e a legitimidade do arranque dessas mesmas televisões de proximidade, implicará um estudo económico aprofundado sobre os cenários futuros do mercado no contexto da chegada das novas televisões, nomeadamente dessas. Nesse sentido, aliás, foi recomendado, no passado, designadamente pela Comissão de Reflexão Sobre o Futuro da Televisão, um estudo técnico nessa área precisa. A dúvida sobre esta matéria vai no sentido de nos questionarmos sobre o verdadeiro e último objectivo de um estudo técnico no quadro de uma tomada de decisão política. Ele deveria ser, em primeiro lugar, um estudo de enquadramento da questão e de aconselhamento, de informação. E tão só isso. Quero dizer: será possível impedir, no limite, a emergência de um meio de comunicação com as características de uma televisão local ou regional com base no argumento económico da insuficiência do mercado publicitário? A ver pelos projectos entretanto surgidos no audiovisual português através da TV Cabo e todos os outros que se anunciam esta é já uma falsa questão.
Mas mesmo que assim não fosse, a resposta seria negativa. Fundamentalmente por três motivos. Em primeiro lugar, pelo argumento político de fundo: o direito ao audiovisual no plano das regiões e das comunidades locais é um direito que se configura no quadro do direito à cidadania e à liberdade de acesso ao sistema dos media pela sociedade civil, em particular pelos cidadãos do interior do país - ou das ilhas - que habitualmente não se reconhecem nos meios de comunicação de cobertura nacional. Em segundo lugar por um argumento jurídico formal: em abstracto, a legitimidade de existência de uma televisão local ou regional é idêntica à de uma rádio local ou regional. Em terceiro lugar pelo argumento cultural, ou seja, pela necessidade das regiões e das comunidades locais participarem de forma activa no modelo de comunicação audiovisual cada vez mais próximo das suas tradições e das suas realidades quotidianas e culturais, e cada vez necessariamente menos dependente de fluxos de informação globalizantes e/ou pan-europeus, mais afastados do modelo de comunicação que a Europa precisa para o seu projecto político, económico e cultural.
Gostaria de introduzir agora uma nova vertente que se prende com a mutação no plano dos media, dos mass media para os self e cyber media, na perspectiva da Sociedade de Informação. Dizia Manuel Castells que a Sociedade de Informação, ao mesmo tempo que diversifica as imagens concentra o poder de produzi-las e a capacidade de emiti-las, fazendo da sua virtualidade a nossa realidade. Na perspectiva de Alain Touraine, do que se deveria tratar seria, com efeito, de uma reconversão e actualização das estratégias públicas na área da cultura face à esmagadora mundovisão. De facto importa hoje pensar seriamente o conjunto de práticas, estratégias e tecnologias, que, concentrando a área de media, modelizando e uniformizando fluxos, criam novas legitimidades que dissimulam realmente o desaparecimento da virtude civil e, em acréscimo, reciclam os velhos impasses dos sistemas participativos e as múltiplas crises de autonomia comunicacional e interaccional dos cidadãos. Ora, em primeiro lugar, a comunicação audiovisual no plano local e regional deve criar uma alternativa a esses bloqueios clássicos e, mais, às próprias linguagens e fluxos de programas que pouco têm a ver com as realidades locais e regionais e com as suas especificidades singulares.
A grande questão é, ainda, num tempo de afluxo de estratégias de comunicação conglomeradas, problematizar exactamente o lugar das singularidades, o lugar das subjectividades dissidentes, pensar o lugar do Outro, de todos os diferentes, na cultura modelizadora deste final de século. O campo audiovisual, designadamente o que está ligado aos grandes fluxos de difusão de programas de TV, videos e filmes, é, assim, no plano estratégico, no plano das discursividades e dos contextos historico-culturais, um dos eixos preferenciais, necessariamente incontornáveis, para a reflexão nesta área e para argumentar claramente na tomada de decisão.
Trata-se portanto de inverter no plano local esse efeito perverso e os modelos protocolares, normativos, comportamentais, que o audiovisual dos impérios macroculturais difunde como uma espécie de novo dogma. É pois contra este receituário da mundialização, contra a contaminação dos particularismos, localismos, que se apela sempre, de modo a preservar as redes de singularidades, enfim, as identidades, as culturas e as tradições locais. E aí não há dúvida que novas competências emergem relativamente à acção das administrações centrais e regionais, das suas estratégias de comunicação e de afirmação autónoma dos seus cidadãos.
E se é um facto que a definição da estratégia do país para a globalização não pode ser hipotecada aos localismos, também o desenvolvimento da comunicação local e regional deve ser salvaguardado face aos interesses dos grandes conglomerados mediáticos por forma a proteger-se, como se disse, a cultura local, os particularismos e o conhecimento das realidades locais.
Importa reter sobretudo o seguinte: não é de todo aceitável que uma lógica de eficácia ou de mercado, ou qualquer lógica económica restritiva possa vir a substituir-se aos princípios e valores da própria ordem democrática onde ela é exactamente mais sensível, isto é, no plano da liberdade de expressão, no plano da liberdade de comunicação e no plano da liberdade de cidadania. Julgo, correndo o risco de pactuar com a utopia, que o direito às TV's locais e regionais está aí mesmo.
Há depois uma reflexão crítica a fazer em torno dos conceitos de Interactividade e Democracia. De facto, hoje é possível afirmar que há um debate que se está a fazer na sociedade portuguesa em torno das temáticas da sociedade da informação e das tecnologias interactivas, procurando-se os atalhos que nos conduzirão à era digital plena. Importa, naturalmente, como tenho dito, alargar esse debate o mais possível, e colocá-lo, de preferência, nos grandes meios de comunicação social. A questão para a qual me proponho sugerir algumas interrogações prende-se com a dúvida em torno da relação intertactividade vs. democracia. Ou seja, será assim tão líquido que a comunicação interactiva que se anuncia nos conduz rapidamente ao paraíso da democracia directa, ou esse não será mais um dos mitos cíclicos do fenómenos comunicacional e mediático? Essa era, por exemplo, a crença de Bertold Brecht, quando, nos anos 30, criticava o meio rádio, então emergente, por não ser um «autêntico processo de comunicação democrática».
A questão coloca-se de forma mais complexa, mais crítica também: a evolução dos meios de comunicação de massa, nos seus percursos contrários - por um lado, os sistemas hiperconcentrados, controlados ainda pelos velhos aparelhos de Estado e instituintes das normas enquadradas muitas das vezes por um quadro político e jurídico da era industrial, por outro, os sistemas miniaturizados, que abrem, como disse Guattari, a possibilidade de uma apropriação colectiva dos media, designadamente pelas minorias, e pelas diferentes comunidades em geral -, tinha, na sua vertente minimal, e concretamente no caso italiano, uma característica nova, «não oficial» pelo menos, ao contrário do que acabou por acontecer em França, com a atribuição de frequências a quem assegurasse pela sua representatividade a «boa emissão».
De facto, é num contexto de experimentação de um novo tipo de democracia mais aberta e mais partilhada que se inscreve a questão da comunicação regional, ou da televisão comunitária. Esta utopia da plena interactividade, mais tarde, nos anos 80, relançada pelo Relatório McBride da Unesco, para uma Nova Ordem Internacional da Informação, reconhecia a necessidade de lançar aquilo a que se chamava então o «princípio da reciprocidade na comunicação». Mais uma vez tratava-se aqui de reconhecer os direitos inalienáveis à comunicação, à cidadania e a novas relações de produção na informação. Hoje pode pensar-se que a Internet e a interactividade podem cumprir a utopia e relançar a civilização para uma nova lógica social de comunicação, mais participativa, directa. Mas aí estamos certamente, de novo, submersos nas lógicas da utopia.
Voltando ao tema das televisões locais e regionais, de facto, se há jornais e rádios locais, por que não um canal de televisão, eventualmente participado por esses mesmos jornais e rádios, pelos investidores locais, associações, universidades, enfim, uma televisão à escala da região, com emissores de baixa potência, para uma zona de cobertura limitada? Têm argumentado os opositores das TV's regionais e locais várias ordens de razões: por um lado, não haver mercado publicitário; por outro lado, estar-se a criar o grande coveiro das TV's nacionais; por último, que a participação, mesmo lateral, dos municípios nas TV's regionais ou locais poderia dar azo a algumas prepotências e inclusivamente a guerrilhas interegionais.
Tudo isso pode ser verdade. Desde que o mercado esteja desregulado, e que tudo seja permitido, um pouco como aconteceu em Itália no final dos anos 70, é possível que os lamentos dos opositores das regionais se viesse a confirmar. Mas é isso precisamente que a experiência aconselha a evitar. Vejamos então os três dados da questão: quanto ao mercado publicitário, não é crível que, por exemplo a nível local - pense-se em Bragança, Viseu, Coimbra, Castelo Branco, Faro, Funchal, etc. -, não existam recursos privados para lançar pequenas televisões locais. Não é crível, também, que não haja um mercado publicitário local. Na maior parte das grandes cidades e em regiões turísticas, esse mercado existe e pode dar retorno aos investimentos realizados.
Resta uma questão: saber se o mercado permite televisões regionais hertzianas na Grande Lisboa e no Grande Porto, que são as regiões mais atractivas para o mercado da publicidade. E aí, até prova em contrário, penso que não, que não será nada saudável. Mas por esse país fora, sobretudo no plano local, onde haja desenvolvimento e agentes económicos e culturais determinados, então, que mil televisões floresçam, passe a alusão...
Ora, se nem sempre é verdade que «mais televisão seja melhor televisão», o facto é que quase sempre é verdade que «mais comunicação é melhor participação». Essa tem sido, pelo menos, uma verdade irrecusável, desde que o Homem conhece as primeiras formas simbólicas de comunicação. Todos concordarão, certamente, que as sociedades mais avançadas neste final de século - designadamente os EUA, a Europa e o Japão - têm hoje um sistema democrático representativo que é cada vez mais participado pela opinião pública e pela sociedade civil, justamente pelas facilidades que os meios de comunicação cada vez mais proporcionam.
Estamos entretanto a evoluir de uma sociedade em que ainda predominam os mass media - a imprensa, a rádio, a televisão -, para uma sociedade cada vez mais participada pelos cidadãos através dos novos media - o computador pessoal e a Internet; telemóvel, as rádios e televisões locais através de protocolo IP, e também comunitárias e temáticas, os serviços interactivos, Webpages, chat’s, etc., etc. Passa por aí a «via rápida» para era digital plena.
Portugal deu, já em Março de 1997, um importante passo na descentralização das emissões de televisão e na afirmação do serviço público de televisão. Precisamente na data do 40º aniversário da RTP, eram lançadas as emissões de informação regional, de norte a sul do país, centradas em seis capitais de distrito. Trata-se de uma medida há muito pretendida pelas comunidades e centros urbanos do interior, que a partir dessa altura passaram a ter a sua pequena «aldeia local» na demasiado imensa aldeia global.
Fizeram-se alterações legislativas na área do cabo, que permitem emissões temáticas aos operadores de televisão por cabo e emissões regionais. O que significa que a paisagem audiovisual portuguesa caminha de facto para algo muito diferente da «paleo-televisão». É curioso ver os diferentes movimentos e iniciativas que um pouco por todo o lado discutem e preparam futuras emissões locais e regionais. Escolas profissionais, Universidades, Empresários locais e Câmaras, mais directamente envolvidos, mas também o Turismo, a Indústria, o Comércio local/regional, os operadores de comunicações, etc., todos estão atentos aos desenvolvimentos próximos no sector.
E não se pense que as rádios locais e a imprensa regional podem vir a ser afectadas pelas futuras televisões locais e regionais. É que tanto uns como outros são dos mais interessados na abertura da legislação, precisamente, às televisões locais e regionais (veja-se, entre outros, o encontro do Movimento para a TV's Regionais Portuguesas em Mangualde, organizado também pela Rádio Mangualde).
Por fim, o argumento técnico, que demonstra que muita coisa está em aberto no que diz respeito a mercado publicitário. Jean-Louis Laborie, um dos mais prestigiados especialistas da Europa em «media research», divulgou um estudo, por si coordenado, no qual conclui, um tanto surpreendentemente, que o poder das mensagens publicitárias em Televisão é menor do que na Imprensa. Deste estudo infere-se que a Televisão é presentemente o «media» que distorce mais os efeitos das mensagens publicitárias junto do público-alvo dos anunciantes. Com efeito, a avaliação do «tempo médio publicitário individual» é feita analisando o comportamento do público perante os media e as suas mensagens publicitárias. Se, por exemplo, um telespectador assistiu a um programa de informação com meia hora de duração no qual foi passado um único «spot» publicitário, apenas «contactou» com 8 segundos de publicidade em 30 minutos de programação; pelo contrário, segundo Laborie, a publicidade inserida nos jornais e nas revistas está durante mais tempo no campo visual do leitor, o que faz com que ele «contacte» também durante mais tempo com as mensagens. A Televisão não é o media tradicionalmente dominante e nem sequer se aproxima da Imprensa no que se refere à duração da frequência dos seus espaços publicitários: o «tempo publicitário» eficaz, em termos do consumidor-alvo, é bastante maior para a Imprensa - 19 minutos diários contra 11 da Televisão. Este estudo é, sem dúvida, um pequeno exorcismo da publicidade, mas a verdade é que um exorcismo maior acaba de chegar ao mercado português, e esse vem corromper, de forma paciente mais irrefutável, todas as lógicas de eficácia possíveis de descortinar pelo media research: chama-se publicidade interactiva, e mais uma vez trata-se de algo que pode beneficiar a comunicação «global», abrindo certamente um espaço à publicidade «local», que aliás ela não tem no actual modelo publicitário.
Embora não deva ser impeditivo político do desenvolvimento das TV's locais e regionais, deve ser naturalmente exigido um estudo aprofundado sobre o impacto das TV's locais e regionais, hertzianas e por cabo, no quadro dos mercados publicitários emergentes. E no diálogo com o legislador os protagonistas dos sectores mais interessados, designadamente os media regionais, devem naturalmente ser interlocutores privilegiados e devem ter o reconhecimento das suas competências, tratando-se de eventual parte interessada no processo de atribuição de alvarás de futuros canais de TV local/regional.
Em conclusão: como diz Giuseppe Richeri, as televisões pan-europeias e mesmo as TV's nacionais não conseguem ter em conta as diferenças das regiões e o que inevitavelmente acabam por fazer é tentar anulá-las em vez de as valorizar. As futuras TV's locais e regionais devem no entanto renunciar a produzir em pequena escala os modelos de programação das grandes redes nacionais e internacionais, aproveitando as oportunidades do processo de construção política e cultural da Europa e revalorizando sobretudo as identidades dos cidadãos europeus começando pelo seu contexto linguístico, cultural e geográfico de origem.
* Publicado na Observatório, nº 2, Novembro de 2000.
4.5.05
‘Televisão vampiriza notícias de rádio e imprensa’
Já aqui falámos da tese de Dinis Alves "Mimetismos e determinação da agenda noticiosa televisiva - a agenda montra de outras agendas". Hoje, no DN, o autor responde a Paula Carmo - «Como surgem as notícias que vemos na televisão? Quais as condicionantes que determinam a agenda da TV?»…
3.5.05
Apelo a Comunicações - 4ºSOPCOM
Estão abertas as inscrições para a apresentação de comunicações ao 4º Congresso da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação - 4º SOPCOM, subordinado ao tema: “Repensar os Media: Novos contextos da Comunicação e da Informação”
Universidade de Aveiro
Campus Universitário de Santiago
20 e 21 de Outubro 2005
www2.ca.ua.pt/4SOPCOM
Prazo para submissão de resumos das comunicações: 15 de Maio 2005
Prazo para notificar os autores sobre a aceitação: 29 de Maio 2005
Prazo para receber as comunicações completas finais: 24 de Julho 2005
Universidade de Aveiro
Campus Universitário de Santiago
20 e 21 de Outubro 2005
www2.ca.ua.pt/4SOPCOM
Prazo para submissão de resumos das comunicações: 15 de Maio 2005
Prazo para notificar os autores sobre a aceitação: 29 de Maio 2005
Prazo para receber as comunicações completas finais: 24 de Julho 2005
10 de Maio: Dia sem TV
A ACMedia - ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE CONSUMIDORES DOS MEDIA CONVIDA OS TELESPECTADORES A NÃO LIGAREM ATELEVISÃO NO PRÓXIMO DIA 10 DE MAIO.
ADIRA A ESTA INICIATIVA E APROVEITE PARA REFLECTIR SOBRE QUAL A UTILIZAÇÃO DA TV EM SUA CASA.
PONDERE E PROPONHA AS MEDIDAS QUE DEVEM SER TOMADAS PARA QUE A TELEVISÃO SE TORNE UM INSTRUMENTO QUE DISTRAIA, INFORME E INSTRUA DE MODO ADEQUADO.
ENVIE AS SUAS SUGESTÕES PARA A ACMEDIA. TENHA UM DIA DIFERENTE.
DESLIGUE A TELEVISÃO E LIGUE A VIDA.
ADIRA A ESTA INICIATIVA E APROVEITE PARA REFLECTIR SOBRE QUAL A UTILIZAÇÃO DA TV EM SUA CASA.
PONDERE E PROPONHA AS MEDIDAS QUE DEVEM SER TOMADAS PARA QUE A TELEVISÃO SE TORNE UM INSTRUMENTO QUE DISTRAIA, INFORME E INSTRUA DE MODO ADEQUADO.
ENVIE AS SUAS SUGESTÕES PARA A ACMEDIA. TENHA UM DIA DIFERENTE.
DESLIGUE A TELEVISÃO E LIGUE A VIDA.
Os media regionais e o desenvolvimento
(ainda a propósito do Congresso da APR - www.apradiodifusao.pt, recorde-se um artigo publicado no Público em 20 de Junho de 2004).
Há uma tese de doutoramento pouco citada, defendida no Canadá por Harold Innis, vai para cem anos, que me parece importante invocar no actual contexto de discussão do enquadramento dos media regionais em Portugal.
Dizia Harold Innis, na sua dissertação sobre a History of the Canadian Pacific Railroad, que o desenvolvimento daquele grande país tinha em boa parte sido dinamizado pelo caminho de ferro, não propriamente pela rede de transporte em si mesmo, mas pelos ‘conteúdos’ de que ela era o meio, ou seja, pela crescente circulação da imprensa dos centros para as periferias. O progresso tinha chegado assim.
Esta questão parece-me de enorme relevância no actual contexto. Portugal continua a ser um país muito marcado pela interioridade e pelo débil desenvolvimento das comunidades e indústrias no plano local e regional. Acima desta debilidade há naturalmente um problema fulcral, de iliteracia, de formação e de educação. Mas há também – e em consequência - uma forte fragilidade no plano da comunicação social local e regional.
Conscientes dessas debilidades, as várias políticas públicas, no passado, sempre procuraram atenuar esse gap através de financiamentos diversos ao sector local e regional. O facto é que, por exemplo ao longo da década de 90, e só numa das rubricas dos incentivos (o porte pago), o Estado português contribuiu com cerca de trinta milhões de contos para a imprensa regional, sem que de um tão significativo investimento se tenham tirado os devidos proveitos. Nem tão pouco, em tempo, as devidas ilações.
Há agora um novo posicionamento público a este nível. Anunciam-se reformas nestas políticas e prepara-se o caminho para a progressiva autonomização deste sector, reformatando as suas competências no plano da formação dos seus quadros, na profissionalização das suas práticas. É justamente aí que o erário público pode ver-se ressarcido dos seus investimentos e apoios. Nessa perspectiva, há, naturalmente, uma boa expectativa face às intenções agora anunciadas.
O contributo que o Estado possa dar a este sector, numa perspectiva de investimento dinâmico, potenciando a qualidade dos projectos jornalísticos e o crescimento dos seus públicos, contribuindo para a correcção das lógicas de distribuição, circulação, enfim, para renovadas estratégias de gestão e de marketing, é, no fundo, um importante contributo para o desenvolvimento do país, designadamente nas regiões do interior e mesmo nos limites e periferias das grandes zonas urbanas.
Não há qualquer dúvida de que Harold Innis, há cerca de cem anos, teve a perspicácia de ver o porquê do desenvolvimento crescente de uma país que é hoje uma das nações mais progressivas do mundo. A imprensa e a comunicação social tiveram aí um papel fundamental. Do mesmo modo – e salvas as devidas distâncias –, importa criar as condições para que tal possa suceder também em Portugal no contexto de um forte e sustentado desenvolvimento do interior, que todos reconhecemos ser fundamental para uma aproximação real do país à Europa.
A Imprensa, a Rádio e a Televisão são cruciais para este movimento. E da mesma forma que agora se deu um importante passo para corrigir o «tiro» na área dos apoios à imprensa, importa ainda não perder de vista a importância do audiovisual no plano local neste processo, ainda que, convenhamos, este passo seja porventura prematuro face à reduzida consolidação do tecido industrial, de um modo geral, e do tecido mediático no sector da imprensa e da rádio local/regional. A selecção natural que a autonomização progressiva e a profissionalização dos media regionais trará, a par da chegada de novos investidores, com novas competências, ao sector, mudará o tecido mediático e industrial e mudará certamente o país.
Há uma tese de doutoramento pouco citada, defendida no Canadá por Harold Innis, vai para cem anos, que me parece importante invocar no actual contexto de discussão do enquadramento dos media regionais em Portugal.
Dizia Harold Innis, na sua dissertação sobre a History of the Canadian Pacific Railroad, que o desenvolvimento daquele grande país tinha em boa parte sido dinamizado pelo caminho de ferro, não propriamente pela rede de transporte em si mesmo, mas pelos ‘conteúdos’ de que ela era o meio, ou seja, pela crescente circulação da imprensa dos centros para as periferias. O progresso tinha chegado assim.
Esta questão parece-me de enorme relevância no actual contexto. Portugal continua a ser um país muito marcado pela interioridade e pelo débil desenvolvimento das comunidades e indústrias no plano local e regional. Acima desta debilidade há naturalmente um problema fulcral, de iliteracia, de formação e de educação. Mas há também – e em consequência - uma forte fragilidade no plano da comunicação social local e regional.
Conscientes dessas debilidades, as várias políticas públicas, no passado, sempre procuraram atenuar esse gap através de financiamentos diversos ao sector local e regional. O facto é que, por exemplo ao longo da década de 90, e só numa das rubricas dos incentivos (o porte pago), o Estado português contribuiu com cerca de trinta milhões de contos para a imprensa regional, sem que de um tão significativo investimento se tenham tirado os devidos proveitos. Nem tão pouco, em tempo, as devidas ilações.
Há agora um novo posicionamento público a este nível. Anunciam-se reformas nestas políticas e prepara-se o caminho para a progressiva autonomização deste sector, reformatando as suas competências no plano da formação dos seus quadros, na profissionalização das suas práticas. É justamente aí que o erário público pode ver-se ressarcido dos seus investimentos e apoios. Nessa perspectiva, há, naturalmente, uma boa expectativa face às intenções agora anunciadas.
O contributo que o Estado possa dar a este sector, numa perspectiva de investimento dinâmico, potenciando a qualidade dos projectos jornalísticos e o crescimento dos seus públicos, contribuindo para a correcção das lógicas de distribuição, circulação, enfim, para renovadas estratégias de gestão e de marketing, é, no fundo, um importante contributo para o desenvolvimento do país, designadamente nas regiões do interior e mesmo nos limites e periferias das grandes zonas urbanas.
Não há qualquer dúvida de que Harold Innis, há cerca de cem anos, teve a perspicácia de ver o porquê do desenvolvimento crescente de uma país que é hoje uma das nações mais progressivas do mundo. A imprensa e a comunicação social tiveram aí um papel fundamental. Do mesmo modo – e salvas as devidas distâncias –, importa criar as condições para que tal possa suceder também em Portugal no contexto de um forte e sustentado desenvolvimento do interior, que todos reconhecemos ser fundamental para uma aproximação real do país à Europa.
A Imprensa, a Rádio e a Televisão são cruciais para este movimento. E da mesma forma que agora se deu um importante passo para corrigir o «tiro» na área dos apoios à imprensa, importa ainda não perder de vista a importância do audiovisual no plano local neste processo, ainda que, convenhamos, este passo seja porventura prematuro face à reduzida consolidação do tecido industrial, de um modo geral, e do tecido mediático no sector da imprensa e da rádio local/regional. A selecção natural que a autonomização progressiva e a profissionalização dos media regionais trará, a par da chegada de novos investidores, com novas competências, ao sector, mudará o tecido mediático e industrial e mudará certamente o país.
2.5.05
100 canais de TV da Sonaecom na AdC
A Sonaecom quer distribuir 100 canais de televisão por Internet Protocol (IP) ainda este ano, mas o administrador Luís Reis, em entrevista ao DN, acusa a PT de bloquear o projecto (depende de conteúdos como a Sport TV, Lusomundo Action, Lusomundo Premium, que são detidos pelo incumbente) e apresentou já queixa na Autoridade da Concorrência. Trata-se de um projecto ‘a pedido’ - em cada momento, o canal que o consumidor pede é aquele que recebe, sendo que a possibilidade de dar ao consumidor final uma escolha quase ilimitada é enorme, podendo chegar facilmente aos mil canais! O preço de assinatura não está definido. Pode-se receber o serviço com uma TV normal, uma «set-top box» e um modem para o ADSL podendo ter oferta «triple play», com TV, Internet e voz.