9.3.07

RTP, 50: "Não se devia comemorar"

Tarde e a más horas dei com a crónica de Vasco Pulido Valente sobre os "50 anos de RTP" (Público, 9.3.07). Com a devida vénia, deixo-a por atacado para compensar a virose que anda por aí a louvaminhar e a fazer o branqueamento daquilo que foi historicamente o mais pernicioso "aparelho ideológico do Estado" português (RTP1) e que é ainda hoje o grande anestésico nacional, pago, com dedicação masoquista, à módica quantia de 45 milhões de contos/ano. Reza a crónica:

"Não há nada mais patético e desagradável do que o espectáculo da autocelebração da gente do espectáculo. No caso da RTP, que nos tem infligido dezenas de horas de televisão, para nos mostrar que prestou grandes serviços à Pátria e à cultura, a coisa chega ao patológico. Ninguém na posse de todo o seu juízo se atreveria a fazer o elogio histórico de uma instituição tão obviamente nociva e degradante.

"Só a RTP, que não tem, e nunca teve, juízo (ou dignidade), não percebeu esta evidência. Com o seu habitual descaramento, esqueceu o dinheiro que gastou ao Estado, a baixeza política, a mediocridade da programação, o amadorismo e a intriga interna e toma agora ares de benemérita, que seriam ridículos, se não fossem o sinal mais claro de que, em 50 anos não aprendeu nada. A RTP não se limitou a obedecer a Salazar e a Caetano. Fabricou alegremente a propaganda de Salazar e de Caetano. Escondeu, inventou mentiu e deturpou, com zelo e até uma vez por outra com habilidade. Alguns telejornais, principalmente durante a guerra de África, não andaram longe do melhor Goebbels. No PREC, meia dúzia de "controleiros" do PC continuaram a tradição da casa. No 28 de Setembro e no 11 de Março, estava lá e vi. Veio a seguir a democracia e cada governo, às vezes cada ministro, punha lá o seu delegado. O PS e o PSD mandaram na televisão como quem manda numa quinta. Os carreiristas reinavam e qualquer pessoa com a mais vaga pretensão de independência ia direitinha para a "prateleira" ou acabava por sair pelo seu pé daquela farsa.

"De bom, ficou por junto o Zip Zip. Mesmo hoje, a informação é inócua ou favorece abertamente o poder. Continua a não existir um autêntico programa de debate político (os que existem, na aparência imparciais, não permitem na prática uma crítica séria e consistente ao governo). Não há um único entrevistador com inteligência e prestígio para desmontar a "imagem" ou a retórica de quem lhe sentam à frente. E o "entretenimento", reduzido à telenovela, ao concurso e ao futebol, é catastrófico. Verdade que a RTP reflecte o país. Mas neste meio século reflectiu sempre servilmente o pior país. Não deu o mais ligeiro contributo para a liberdade e a educação de Portugal. Pelo contrário, sufocou, censurou e suprimiu o Portugal inconformista e moderno. Não se devia comemorar. Devia chorar."

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