RTP, ano 50
Com Salazar, a RTP manteve-se rigorosamente institucional, sendo a montra privilegiada da agenda protocolar do regime e das suas figuras proeminentes. Isto sem que alguma vez tivesse conseguido transformar o ditador num líder panfletário ou mesmo carismático. Salazar cultivava uma espécie de “telefobia” que o mantinha a uma distância razoável quer das mundaneidades telejornalísticas, quer da propaganda organizada em torno da sua figura. No fundo, como bem foi reconhecido, entrou para a política como poderia ter entrado para uma qualquer ordem monástica.
Já Marcello Caetano, com a ajuda da televisão, apareceu aos olhos do povo como um “Salazar” um pouco mais simpático. Ele que fora um quase “santo patrono” da RTP, que tinha inclusive redigido as bases da concessão da empresa e que era, enquanto líder do governo, o seu “supremo inspirador”.
No imediato pós-25 de Abril, a televisão foi a grande tentação da política emergente. Um complexo e hiperactivo “caldo” de militares, comunistas, esquerda revolucionária e socialistas fizeram da RTP um campo de batalha de estratégias político-partidárias, acalmado no pós-25 de Novembro de 1975. Apesar de tudo, por essa altura a televisão esteve muito próxima das realidades sociais e históricas do país. Centenas de documentários, produzidos pelas cooperativas de cinema e televisão, foram então emitidos ao abrigo da “dinamização cultural” do MFA e da nova realidade democrática.
Até que a “revolução” deu lugar à institucionalização do regime com a AD. Na RTP entravam Cunha Rego e logo depois Proença de Carvalho, e com eles, o “aparelho ideológico de Estado”. Desaparecia, pelas mãos de Proença, o Informação/2 e o jornalismo independente de Hernâni Santos, Carlos Pinto Coelho, António Mega Ferreira, Joaquim Furtado, certamente o melhor espaço de informação da história da RTP.
Com Soares e o Bloco Central, dispositivo instrumental e aparelho institucional deram-se as mãos sempre que solicitado. Disso mesmo, Soares viria a fazer o seu próprio “mea culpa”. Seguiam-se as duas legislaturas de Cavaco e a angústia do monopólio de Estado perante o “penalty” da liberalização da televisão. Se se imaginava que doravante a RTP se distinguiria dos projectos comerciais pela qualidade, o facto é que, de início, mais depressa se encontrava “serviço público” nas privadas do que na pública. Daí para cá muito mudou, mas permanece a angústia, tão bem enunciada por Paulo Branco: “Serviço Público? A que horas passa?”
Daí que, pela intermediação da tecnologia, pela interposição da cidadania e pela emergência daquilo a que se chama o “egocasting”, a pós-televisão estará certamente mais próxima do cidadão do que a sua velha “tia” RTP.
Chegada a esta bonita idade, quanto mais anos terá pela frente? Fará outros 50? Não é nada provável. Pelo menos enquanto “televisão”.
(Texto publicado na Media XXI, nº 91)
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