5.3.07

Grandes portugueses que exercem o direito à indignação (act.)

O grande erro deste concurso é querer chegar à História, partindo do zero absoluto e da ausência de critérios, sobretudo científicos e históricos, mas também cívicos, sociais, pedagógicos, etc. Num canal privado, poder-se-ia até olhar de lado, criticar, etc. Mas num canal público, pago pelos contribuintes (quase 50 milhões de contos em 2006 para a RTP!!!!!!), é uma ofensa enorme à cidadania. Pagar milhares de milhões, nos serviços públicos europeus, para se nos dirigirem depois a saber se Hitler foi um grande alemão, ou se Mussolini um grande italiano, ou Salazar um grande português, como diria o outro, não havia necessidade... Qualquer grupelho neo-nazi o faz sem que o contribuinte se tenha que quotizar.

Historiadores contra ‘Os grandes portugueses’. Mais de 90 professores e investigadores fizeram um abaixo-assinado contra o programa da RTP.

Grandes Portugueses: RTP «manipulou» História. «Por meras razões de audiência», acusa Movimento de Intervenção e Cidadania (Portugal Diário, 4.3.07)

Motivos de indignação (Público P2, 02.03.2007):

"Historiadores criticam o tratamento dado às figuras históricas e já lançaram abaixo-assinado contra programa da RTP. Está "aqui mesmo, em frente ao Parlamento" o cartaz de promoção do concurso da RTP Os Grandes Portugueses, com Salazar e a frase "Ditador ou salvador?", indigna-se o historiador e deputado do Bloco de Esquerda Fernando Rosas. "Isto é espantoso, é extraordinário, é sinistro!". A opinião é partilhada por vários intelectuais, e existe já um abaixo-assinado - promovido, entre outros, por Rosas e tendo como primeiro signatário José Mattoso".

Outras passagens do texto de Alexandra Prado Coelho:

A indignação é partilhada pelo historiador José Mattoso, autor de uma biografia de D. Afonso Henriques, editada recentemente pelo Círculo de Leitores: "Isto é verdadeiramente revoltante. É uma vergonha nacional. Não tenho palavras para classificar esta maneira de descrever as grandes figuras nacionais", diz.

"Todo este programa joga na tentativa de, usando personagens que são conhecidas de todos, torná-las objectos de disputa", diz Nuno Monteiro, autor de uma biografia de D. José. Como historiador, Nuno Monteiro considera que por detrás disto está a ideia de "projectar juízos morais sobre as personagens" que, afirma, é exactamente o contrário do que fazem os historiadores.

Não se pode enquadrar uma figura histórica num adjectivo - ou mesmo em dois, segundo Graça Moura. E alguns destes adjectivos dão uma ideia distorcida da figura a que se referem. Veja-se Camões ["Poeta ou aventureiro?"]. "Não temos grandes elementos históricos para o classificar como aventureiro", sublinha o ensaísta. "Isso é uma visão mitificada e provavelmente errada. Vai para o Oriente numa comissão de serviço militar e depois parece ter andado aos caídos. Não acho o suficiente para lhe chamar aventureiro". Também no caso de Pessoa, acha o par de adjectivos "completamente surrealista". "Porque é que se lhe há-de chamar alienado?".

José Pacheco Pereira, historiador e ensaísta, é taxativo: "Só tenho uma coisa a dizer: isto não tem pés nem cabeça".

"O programa pode ter o efeito perverso de suscitar algum interesse sobre o assunto, mas não creio que seja a melhor forma de o fazer", afirma Nuno Monteiro. "Temos um défice muito grande de documentários históricos. Preferia que a televisão portuguesa apostasse noutro tipo de divulgação.

"Isto é um jogo sem referências. [No caso de Salazar], mais valia que se estabelecesse um debate sério sobre os diversos entendimentos em relação ao Estado Novo. O programa que fizeram sobre o Estado Novo parecia editado directamente pelos serviços de propaganda do regime", diz Fernando Rosas. "É uma vergonha que a televisão pública esteja associada a esta iniciativa degradante. Os milhares de euros que se estão a gastar... esta questão devia ser colocada à Entidade Reguladora da Comunicação Social".


Ver também:

Professores de História contra 'Grandes Portugueses' (Sol online, 28.2.07): Fernando Rosas é um dos promotores de um abaixo-assinado que está a correr o meio académico e que denuncia «a desinformação e a manipulação» da História por parte do programa da televisão pública. Segundo Fernando Rosas, Professor Catedrático da Universidade Nova de Lisboa, o documento conta com «mais de uma centena de assinaturas de profissionais da investigação e do ensino da História Contemporânea, Moderna e Medieval».

A unir os académicos, entre os quais se conta José Mattoso, Luís Reis Torgal e António Reis, está o desagrado acerca da «manipulação» e do «desmantelamento da memória» que dizem ser cometido pelo programa Grandes Portugueses, transmitido na RTP.

Revisão da matéria:

"Vote Salazar!" num canal público perto de si (e pago por si)

"Ainda que a liberdade de expressão - que, como todos sabemos, Salazar tão bem cuidou - permita, e ainda bem, o seu panegírico, perante o que vi há uns dias na RTP confesso que não pude deixar de lembrar Sá de Miranda: "M'espanto às vezes, outras m'avergonho"..., A bem da Nação, Carla Machado, Público, 20.2.07.

Soares: «Grandes Portugueses» é um disparate (Portugal Diário, 7.2.07)

"(...) mais uma insuportável campanha de psicanálise colectiva de pacotilha" Eduardo Cintra Torres, Público, 4.2.07)

"Só há lugar para um" outro Serviço Público (João Lopes, no DN)

SMS anónimo apela ao voto em Salazar (DN, 30.1.07)

Miguel Sousa Tavares e o concurso 'idiota'

Mário Soares: "Um concurso impossível, sem critérios e pouco inteligente, mas fez-se"

A RTP, a "ressalarização" e o 'espectáculo abominável'

Fantasmas de Salazar, madrugada dentro, na RTP1 (ou as novas formas de censura)

"Censurar" Salazar, ou promover o Ditador a "Grande Português"?

A Televisão e a Ditadura (1957-1974)

Salazar, o regime e a televisão

A Comunicação Social em Portugal no Século XX - Fragmentos para a História de um Servidor de dois Amos

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