7.3.07

RTP: uma vida difícil

“Foi a superintendência nos assuntos da informação que me permitiu ser o introdutor da televisão em Portugal”, referia Marcelo Caetano nas suas memórias. Por essa altura, o "serviço público de radiodifusão, na sua modalidade de televisão" tem os seus estatutos aprovados, a 15/12/1955.

A 7 de Março de 1957 começam as emissões regulares de televisão e não propriamente Salazar, mas Marcelo Caetano, logo se apresenta a falar ao país: “Fui o primeiro membro do Governo a utilizar a TV para expor ao País, em Junho de 1957, problemas de interesse geral. (…) Segui os primeiros passos da RTP com profundo interesse e entusiasmo até. Não imaginava que, anos depois, como Chefe do Governo, ela me seria de tanta utilidade”.

Salazar não utilizava a televisão como “instrumento” para a prossecução da sua política. O seu modo de governar no “retiro” de S. Bento, era, sem dúvida, refractário ao desempenho mediático. Mas como instrumento de propaganda, a RTP foi, a par do sistema policial, da censura e do sistema colonial, um dos eixos centrais para a manutenção do regime.

Em 1959, com apenas 43% do território coberto e 32 mil receptores registados, eram lançados estudos para a televisão em Angola e Moçambique. Mas os anos passam sem que nada se resolva. Nas vésperas do 25 de Abril vamos encontrar a RTP envolvida num debate absurdo sobre o tema, recuando naturalmente face a esse projecto.

Do 25 de Abril à Aliança Democrática, passando pelo PREC, sob o controlo desmesurado quer do PC, quer da esquerda revolucionária, a RTP ia sobrevivendo a múltiplas instrumentalizações. E durante a AD, primeiro com Cunha Rego e depois com Proença de Carvalho, a RTP foi submetida a um dos momentos mais críticos da sua história em matéria de controlo político da informação. Os anos 80, são, aliás, anos com muitos casos de censura na RTP1.

De Cavaco para cá, na era da concorrência com as TV’s privadas, a manipulação dá lugar a formas não menos problemáticas de agendamento, assentes no “sound byte” da pequena política, nos acidentes e nas catástrofes. Através destas práticas burocráticas, através do ‘jornalismo sentado’ e da via aberta aos porta-vozes oficiais e ao mundo do futebol, foi-se excluindo aquilo que verdadeiramente ‘acontece’ no país, substituindo o valor-notícia da experiência social e da cidadania, pela informação-espectáculo. Instituiu-se assim um modelo mais determinado pelas ’audiências’ do que pela ética de antena.

À ditadura do Estado sucede a ditadura das audiências, já nos anos 90. Mas nem sempre a qualidade esteve divorciada do público. Lembre-se o ZIP, de Solnado-Cruz-Fialho. Ou Villaret, Nemésio, Vitorino de Almeida… Recorde-se o documentarismo dos anos de Abril. A RTP/2 de Fernando Lopes, com o Cineclube/2 de António-Pedro Vasconcelos. Ou o Informação/2 de Mega Ferreira, Joaquim Furtado e outros. O Tal e Qual, de Joaquim Letria. A Arte de Ser Português, de Jorge Listopad e Alberto Pimenta. Recorde-se a Gabriela, a Visita da Cornélia. O Tal Canal, de Herman. E alguns mais. Programas desassombrados. Serviço Público. Que já lá vai.


(Texto publicado no Correio TV, CM, 2.3.07)

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