4.3.08

"Será isto jornalismo?", pergunta - e bem - o subdirector do El Pais

Angel Luis de la Calle, Subdirector do ‘El País’, escreve na última edição do Expresso (1.3.08), de que é correspondente em Madrid, uma peça muito significativa, intitulada “Será isto jornalismo?” (destaques nossos):

«As relações entre jornalistas e políticos foram quase sempre conturbadas. Talvez seja a proximidade entre os respectivos objectivos, os cidadãos, o que marca um relacionamento que umas vezes se transforma em cumplicidade e outras em hostilidade aberta. Para um político, um jornalista é útil na medida em que transmitir com fidelidade as mensagens que quiser comunicar à comunidade; para quem informa, o político é uma fonte, nem sempre fiável, para o seu trabalho de comunicar a realidade. Os seus interesses colidem com frequência quando o político pretende administrar a forma como os jornalistas realizam o seu trabalho informativo.

«Nos últimos tempos, essas colisões estão a acontecer com relativa frequência em Espanha. Repetidamente, vemos personalidades públicas apresentarem-se aos jornalistas lendo declarações escritas sem admitir perguntas posteriores, conferências de imprensa que não o são, entrevistas solicitadas que se saldam por respostas também escritas, sem a frescura que proporciona o diálogo aberto. Os repórteres que cobrem estas apresentações transformam-se em simples moços de recados, transmitindo uma mensagem interessada em que a sua intervenção crítica se reduza a zero. E isso está a afectar seriamente a essência do jornalismo na sua mais pura acepção.

Na campanha eleitoral que está a acontecer em Espanha para as eleições gerais de 9 de Março, verificam-se exemplos muito vivos desta perigosa atitude. Tudo está medido pelos partidos, que se transformam numa espécie de «Big Brother» do controlo informativo. Por exemplo, não são as televisões que produzem as retransmissões dos comícios dos candidatos; são os partidos que escolhem e fornecem as intervenções principais dos seus líderes, à hora de abertura dos telejornais. Os mesmos oradores são avisados, através de uma luz vermelha, que estão a entrar em directo nesses noticiários, para que pronunciem a sua frase mais acutilante, a sua proposta mais ousada, a sua tirada mais espectacular. São os partidos que fazem de jornalistas, ao seleccionarem de maneira interessada a mensagem que querem fazer chegar ao público.

No último frente-a-frente televisivo entre José Luis Rodríguez Zapatero e Mariano Rajoy, aspirantes ao governo de Espanha depois das eleições do próximo dia 9, tudo estava absolutamente medido e combinado. Desde os temas a debater até aos tempos destinados a cada um. Desde o tipo de luz, a cor da mesa, a disposição das cadeiras até à cor das gravatas e a temperatura do estúdio. Desde a hora de chegada de cada um dos contendores até à ordem de saída, depois de finalizado o debate. Tudo, incluindo a ausência de jornalistas, testemunhos incómodos. Será isto jornalismo?

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