17.12.06

"Um documento negro e infame" (ECT sobre a ERC)

Eduardo Cintra Torres retoma hoje no Público a questão ERC. Uma polémica complexa que se inicia no facto de os incêndios nas televisões portugueses sempre terem constituído ao longo dos últimos anos matéria para práticas sensacionalistas nos diferentes telejornais público e privados (ver O fogo é a linguagem) e de ter passado, segundo ECT, a controlo político na redacção do serviço público. A questão pode ser vista, na sua dimensão de 'catástrofe', como matéria para auto-legitimação do Estado e do Governo (como nos fenómenos naturais), mas é certo também que os fogos florestais obedecem a lógicas preventivas e de vigilância de que o Estado não se pode alhear. Mas o que se passa agora face à ERC é matéria bem diferente, embora se fale de novo, por outras razões, daquilo que se falava atrás, isto é, de "auto-legitimação do Estado e do Governo"...

Algumas passagens do texto de Eduardo Cintra Torres:

"O meu artigo de 20.08, Como se Faz Censura em Portugal, centrado nos noticiários de 12.08, tinha página e meia em A4. A ERC produziu sobre ele uma Deliberação e uma Recomendação de 234 páginas, das quais menos de 20 sobre acusações separadas do deputado Agostinho Branquinho. É um documento negro para a história da liberdade de expressão após o 25 de Abril, sem paralelo na produção de matéria sobre o assunto por parte de organismos do Estado. Extenso, produzido por uma equipa que inclui dezenas de pessoas, em 3,5 meses...

"(...) Estou convencido, pelos factos ocorridos depois e pela leitura do documento, que houve desde o início a intenção deliberada de condenar o meu artigo, o PÚBLICO, e absolver a Direcção de Informação da RTP e o Governo quanto a declarações e indícios de censura por intervenção ilegítima do governo.

"A ERC reuniu no mesmo processo casos distintos: um artigo de um comentador e jornalista e a acusação de um deputado, com posições totalmente diferentes na sociedade; os casos relatados são diferentes quanto ao lugar, intervenientes e resultados (as pressões ilegítimas referidas pelo deputado não resultaram; as que referi sim). Estranhando e temendo pelas intenções, perguntei em 10.11 à ERC por que eram reunidos os dois casos. Não obtive resposta.

"(...) Para favorecer a DI-RTP e o governo, a ERC precisava de destruir o meu artigo. E destrói, ao longo de dezenas de páginas, considerando que todos, mas todos, os elementos factuais nele incluídos são "presunções" ou servem para eu "presumir". A desonestidade da ERC, na minha opinião, alarga-se quando ignora em absoluto o meu artigo de 17.09 sobre incêndios de 05 a 15.08, artigo de que lhe dei conhecimento. Nele, alarguei a análise ao período fulcral de incêndios e preocupação acrescida do Governo. A ERC ignorou este artigo que confirmava e reforçava as conclusões anteriores.

"(...) A ERC chega a condenar o uso de fontes não identificadas no meu artigo, o que revela uma total incompreensão do jornalismo - para não dizer malícia, pois a sua posição parece coordenar-se com a tentativa da DI-RTP para obrigar-me a revelar fontes em tribunal, o que jamais faria ou farei. A ERC defende o mesmo tipo de censura e atropelo à liberdade que denunciei no meu artigo: afirma que o director do PÚBLICO "tinha o direito-dever de não publicar" esse artigo. Considero este documento infame, oriundo de uma entidade marcada pela suspeita da sociedade livre desde a sua origem e que agora confirma as mais negras previsões ao agir sob o signo da desonestidade intelectual, abuso de competências e ao defender a censura no nosso Portugal livre."

Recorde-se a posição de Rui Assis Ferreira, que nos parece - essa sim - ao nível e digna do que se exige a um regulador sectorial para a Comunicação Social (onde a questão da independência não pode estar, sob pretexto algum, sob suspeita):

"(...) Não valorizando, nesta deliberação, os aspectos antes enunciados, a maioria que lhe deu corpo optou por orientá-la em sentido diferente: o da condenação das vozes – de algumas das vozes - que lançaram a acusação sobre a RTP e o Governo.

"É este, aliás, o ponto que mais me separa da maioria do Conselho Regulador.

"Onde se impunham juízos sobre o passado próximo/presente da informação praticada pelo serviço público televisivo, acompanhados de linhas de acção que reforcem a sua independência, a deliberação adoptada acaba por se concentrar no apuramento da responsabilidade editorial de um opinion maker e do director da publicação que lhe dá voz, perdendo de vista aquele que deveria ser – repito – o seu objecto essencial.

"Em lugar de valorizar a componente reguladora (cognitiva, pedagógica, propositiva) da sua intervenção – sem deixar de repor a verdade quanto à dignidade e credibilidade profissionais dos jornalistas ao serviço da RTP -, o documento do Conselho Regulador privilegia a componente sancionatória das atribuições conferidas à ERC.

"Entendo que esta é uma má opção, já porque parte de pressupostos errados – o da sindicabilidade de um artigo de opinião à luz de critérios de rigor jornalístico, tal como o da responsabilidade editorial do director do periódico que lhe dá guarida -, já porque nem sequer foi desencadeada por qualquer solicitação dos visados pelas acusações: RTP e Governo.

"Saliento, a propósito, que a Administração da concessionária do serviço público pôs o acento tónico da indagação solicitada à ERC no “esclarecimento” das alegações de que era alvo, relegando para outro foro (o judicial), em conjunto com a direcção de informação, a responsabilização dos seus autores.

"Além disso, o procedimento seguido pelo Conselho Regulador abre um infeliz precedente no domínio da regulação dos meios de comunicação social: acaba por censurar reiteradamente, em toda a Parte III da deliberação, o comportamento do autor da coluna “Olho Vivo” – a partir de uma forçada separação entre o articulista/comentador e o articulista/jornalista - , depois de relevar, na sua Nota Prévia, não ser a ERC um tribunal de jornalistas.

"E dirige – em nome do rigor informativo que seria exigível àquela coluna de opinião - uma recomendação igualmente reprovatória ao jornal “Público”, com base numa alegada omissão da “autoridade editorial” do seu director, quando este procurou, afinal, preservar o direito à crítica ali exercido ." (...)

E, em concordância genérica com o exposto, e com outros elementos aduzidos (por exemplo por Pacheco Pereira, e outros), permitam-me, a fechar, abrir aqui uma campanha eleitoral muito cá da casa:

RUI ASSIS FERREIRA À PRESIDÊNCIA DA ERC, JÁ!

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