12.9.04

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«Nunca te enamores do teu próprio Zeppelin»Umberto Eco

As grandes áreas de crescimento mundial no sector das tecnologias têm sido a Internet, a convergência TMT e as comunicações móveis, que são não só grandes mercados, mas, fundamentalmente, áreas estratégicas para o desenvolvimento e para a cidadania.

O facto é que se a Net permite o acesso a conteúdos da rede através do telefone móvel, a maior parte dos utilizadores ainda não integrou o novo conceito na sua prática quotidiana.

A situação evoluiu desde há uns anos atrás, mas mantém-se a dificuldade de massificação daquela ligação. Veja-se que num estudo «global» realizado em 2001 pela Accenture, dos cerca de 3.000 inquiridos nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Finlândia e Japão, apenas 15 por cento dos que possuíam telefone móvel o utilizavam para aceder à Internet. Menos de um por cento dos inquiridos efectuava compras on-line a partir dos seus telefones móveis.

Certo é que o acesso móvel à Internet está crescer. A Forrester estimava, numa sua projecção, que 54 por cento dos europeus terão acesso à Net através do telemóvel já em 2005, o que, a verificar-se, constitui um importante avanço.

A convergência nas tecnologias da informação e das telecomunicações marca indelevelmente a realidade do sector. Nesta área, em particular, o número de telefones fixos passou a ser menor do que o número de telemóveis, a nível do planeta (cerca de mil milhões de unidades cada), o que vem acentuar a importância do comércio electrónico móvel.

Cada vez mais se percebe que só uma pequena percentagem de um «móvel» de terceira geração se parecerá com aquilo a que no passado chamávamos telemóvel. O escritor espanhol Juan José Millás glosava esta possibilidade «neuronal» da tecnologia da seguinte maneira: «(...) la familia, en lugar de llevarte flores al cementerio te llevará pilas al móvil, para que continúes latiendo eternamente en el interior de sus circuitos impresos».

Tal como a publicidade endereçada, interactiva e ligada a bases de dados, os EPG’s – Electronic Program Guides constituirão também um dos eixos centrais que farão convergir televisão e internet, sabendo-se que o custo de transferência de um terabite (1000 gigabites) de dados pode cair para apenas alguns dólares.

Mas como será, no fundo, a nova web? Falou-se no sistema GRID, preparado por físicos de partículas, um sistema com uma capacidade de computação, de armazenamento e de transmissão de dados superior em várias ordens de magnitude à actual Internet, milhões de vezes mais potente que a actual, suportado pelo superacelerador de partículas LHC.

De facto, é cada vez mais plausível a hipótese de que a Net possa vir a estar tecida numa mesma base matemática, isto é, segundo os princípios organizativos universais da própria natureza, das redes de moléculas de uma célula, ou mesmo de espécies, num ecossistema ou ainda inclusivamente de pessoas num grupo social. Actualmente, pensa-se que as verdadeiras redes distam muito de ser aleatórias, isto é, apresentam um elevado grau de ordem e universalidade facto que, de certa maneira, foi inesperado para a ciência.

De certa forma, estas redes, ao se constituírem, organizam-se de tal modo que a maioria do seus nós tem muito poucas conexões, mas um número muito pequeno de nós – hubs – tem um elevado número de conexões.

Este tipo de estrutura pode ajudar a explicar que redes tão diversas como os metabolismos, os ecossistemas ou a própria Internet sejam geralmente muito estáveis e resistentes, ainda que propensas a ocasionais colapsos catastróficos.

Dado que a maioria dos nós (moléculas, espécies, servidores de PC) têm um número reduzido de conexões, pouco depende efectivamente deles: pode eliminar-se uma grande fracção que a rede se manterá. Mas se se eliminam uns quantos nós com um grande número de conexões todo o sistema virá abaixo.

Outro exemplo na reflexão das sinergias com as redes é o das nanotecnologias. A nanotecnologia «trabalha» o mundo e as coisas a uma escala um milhão de vezes menor que um milímetro, o nano.

Ciência e tecnologia vêem assim facilitada a exploração dos limites de redução física dos dispositivos mecânicos. A nanotecnologia permite criar dispositivos complexos do tamanho de moléculas e nanomáquinas tão pequenas que poderão interagir directamente com o corpo humano no plano da bio-comunicação.

Dentro das possíveis aplicações para a nanotecnologia inclui-se a possibilidade de introduzir dispositivos de investigação em miniatura na circulação sanguínea ou a de armazenar bibliotecas inteiras em componentes com cerca de um centímetro.

Daí à criação de micro sistemas neuronais de raíz tecnológica vai um pequeno passo, que pode, muito naturalmente, ser o passo para o abismo.

Como evitar então esse abismo? A questão é que aqui poderá também residir a transição do corpo biológico para o «corpo-terminal», bio-maquínico.

Para Dan Tapscott, a hierarquia e a economia industriais estão a dar lugar às organizações e às estruturas económicas moleculares (...), a unidade de base da nova economia digital é o indivíduo. Trata-se também de uma atomização que se configura ainda num novo conceito «virtual» do trabalho, agora mercadoria apátrida e volátil que favorece uma nova divisão internacional do trabalho. Empresa virtual, trabalho à distância, corpo_sujeito_ nómada - «corpo-terminal»…

É certo, como defendia Lyotard, que uma nova eficácia da performatividade dos enunciados deriva da utilização das máquinas informacionais, bem como uma nova ordem de legitimacão. São os sistemas e os programas mais eficazes a 'ter razão’. Em acréscimo, é o próprio regime da tecnociência que se configura como auto-regulador de tecno-desejos e de tecno-imaginários à margem de eventuais solicitações do humano. A razão moderna e os novos tecno-imaginários perdem-se assim nesse espaço disseminado e é justamente nessa zona de sombra e de incredulidade que o escândalo ontológico poderá ser total.

Ora, se estamos, aparentemente, perante essa realidade modelizada pelos tecno-imaginários, e se a sua resultante se configura sobretudo nas novas estratégias informacionais, será então a altura de nos confrontarmos com esse ruído, essa sobreinformação que é uma crise de solidariedade entre o sentido e o ser.

Isto é – e para voltarmos ao essencial: se o «continente», a arquitectura da rede (da Net), a aproxima dos sistemas complexos da própria natureza, que estranho paradoxo poderá fazer com que o seu «conteúdo» a afaste cada vez mais dos mundos da vida das comunidades virtuais? É como se o sistema da vida entrasse numa lógica hipertélica irreversível e radical, deixando-se contaminar por um qualquer vírus letal.

Como dizia Manuel Castells, o poder consiste hoje em criar e impor códigos de informação. A realidade, essa, parece não contar. E a realidade aqui é, sem dúvida, a vida, os mundos da vida.

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