11.12.08

Má imagem do jornalismo (2)

José Pacheco Pereira, O que nunca chega aos jornais (Público, 6/12): «No início desta semana João César das Neves publicou no Diário de Notícias um artigo muito crítico do jornalismo português. Contrariamente à habitual reacção corporativa, o artigo foi abafado num grande silêncio, como se as suas palavras queimassem de mais para serem sequer lembradas. (…)

«Não há semana que não forneça novos exemplos a esta degradação e muito do que acontece nem sequer é conhecido do público, ou porque não interessa aos jornalistas, ou porque eles não estão lá. Esta semana tive ocasião de assistir em directo e, de algum modo, participar num evento que ilustra de forma exemplar como se faz informação em Portugal. Convidado a participar no 2.º Encontro Nacional de Centros Novas Oportunidade, pude assistir ao modo como as coisas funcionam e como chegam (ou não chegam) ao conhecimento público.

«Eu conhecia o programa oficial do encontro, onde participava num dos debates, só que, na verdade, o que aconteceu foi mais uma sessão preparada para que o primeiro-ministro tivesse a sua dose diária de televisão, num evento "positivo", com a vantagem de poder fazer um comício para 1500 pessoas, professores na sua esmagadora maioria, que tinham que lá estar por obrigação profissional. No programa oficial não há qualquer menção à presença do primeiro-ministro, devendo o encontro ser aberto pela ministra da Educação e pelo ministro do Trabalho. Só que se percebia de imediato, pelo aparato na rua, que ia haver um participante não anunciado, José Sócrates. Aliás, a comunicação social também fora prevenida, porque estava lá um batalhão de jornalistas, câmaras, carros de reportagem, etc. Este chegou com quase uma hora de atraso, sem qualquer pedido de desculpas, e tudo esperou por ele.

«Eu, que não gosto de ser "levado", ainda hesitei se continuaria ou não na sala, mas decidi continuar, caminhando para a última fila. As intervenções dos ministros da Educação e do Trabalho foram sóbrias e correspondentes ao espírito de um encontro de trabalho, como era suposto este ser. Só que depois veio o primeiro-ministro e, no meio da agitação dos jornalistas, fez o seu comício diário para a televisão, cheio de "paixões" e "desejos" e "intenções" e sentimentos vários a que, obviamente, só o seu Governo respondeu na história da nação. As Novas Oportunidades somaram-se a muitas outras "mais importantes" iniciativas do Governo. Em cada uma ele diz que é "a mais importante", mas ninguém dá pelo contra-senso.

«Nunca como ali me pareceu mais certeira a classificação que dei de "momentos Chávez" a essas intervenções. Chávez tem um espaço diário oficial na televisão e rádio, numa comunicação social governamental e típica dos generais Tapioca que pululam na América Latina. José Sócrates tem o mesmo, só que feito doutra maneira. Na agenda do seu dia há sempre um pequeno comício que as televisões, a começar pela RTP, cobrem obedientemente e ele, todos os dias, como Chávez, aparece na televisão.

«O caso é único na Europa, onde não se imagina uma prelecção diária de propaganda de Zapatero, Sarkozy, Merkel ou Gordon Brown. Estes aparecem no exercício das suas funções, mas de modo muito diferente de Sócrates. Os nossos jornalistas não se apercebem, ou apercebem-se bem de mais, do seu papel de instrumentos de propaganda, sem qualquer conteúdo informativo, e acham natural o que se passa.»

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