Futebulações, manipulações, legitimações, ou a cultura telejornalística da irrelevância
J. Pacheco Pereira (Público, Sábado, 17 de Maio de 2008) dá hoje ao seu artigo o talvez mais longo título da história da imprensa portuguesa: «
Escreve José Pacheco Pereira:
«Na última semana, que é igual às últimas semanas, aos últimos meses, aos últimos anos, todos os telejornais em directo foram interrompidos, eu diria mais, foram enchidos, com sucessivas e extensas declarações em directo, sobre as decisões do Conselho Disciplinar da Liga com sanções sobre clubes e dirigentes desportivos, pelo seleccionador nacional anunciando o "plantel", pelo novel director de futebol do Benfica anunciando-se e anunciando umas medidas para o seu clube. A isto acrescenta-se o número de vezes em que quer o "serviço público", quer as privadas dão jogos em horário nobre, atirando as notícias para algures, como se em particular o "serviço público" não tivesse aí obrigações. A RTP é a televisão que mais falta a essas mesmas obrigações, que justificam a superioridade moral do "público" e que, pelos vistos, só serve para receber os muitos milhões que os contribuintes pagam. Mas não é só as vezes em que directos do futebol são o telejornal, é que durante três, quatro dias não nos conseguimos ver livres daquilo. Até aparecer outro directo mais saboroso, temos que assistir a "noticiários" que repetem ad nauseam as mesmas imagens, as mesmas declarações, seguidas por milhões de palavras "escalpelizando" os "factos", em tudo o que é programa de actualidade pela noite fora. O circo está montado na nossa cabeça e nele fazemos o papel do urso amestrado ou dos macaquinhos. Nem sequer o do palhaço pobre.
(...)
«E depois o estendal dos acidentes e doenças. Os acidentes são hoje a única coisa que mobiliza directores de informação, pressionados pelo controlo de custos, a atirar a correr para Freixo de Espada à Cinta o "carro de exteriores" à compita com outros "carros de exteriores", para mostrarem camião virado ou, melhor ainda, um autocarro, ou, se andarem depressa, um ferido a ser desencarcerado, ou um morto na berma. E então se houver crianças feridas ou mortas, melhor ainda para as audiências.
(...)
«A cultura da irrelevância está impante como nunca, espectáculo e pathos brilham no sítio que anteriormente ainda era frequentado, de vez em quando, pela razão, pelo bom senso, pela virtude. Esta é, obviamente, a melhor comunicação social, a melhor televisão para os governos, e o actual cuida bem que não lhe falte dinheiro para as suas quinhentas horas de futebol. Compreende-se: a bola não pensa, é para ser chutada.»
Etiquetas: Controlo dos Media, Jornalismo TV, Serviço Público
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