1.4.08

O “cerco” ao Pluralismo

Exige a Constituição da República que os media do Estado “devem salvaguardar a sua independência perante o Governo (…) bem como assegurar (…) o confronto das diversas correntes de opinião”. À luz deste princípio inalienável, a ERC, com a contribuição da RTP, dos Partidos e do Governo (???), produziu o documento agora em apreço.

Importa dizer que a avaliação do pluralismo na televisão pública, numa sociedade democrática, não pode ficar circunscrita ao plano político-partidário, sob pena de se perder a referência a uma dimensão mais alargada da Cidadania, integrada pelos grandes pensadores, académicos, actores sociais de referência, associações e organismos não-governamentais, etc., que são determinantes na nova esfera pública da democracia deliberativa e no reforço da opinião pública, mas que estão praticamente sem visibilidade na RTP1.

Veja-se – para se ter uma pequena ideia sobre essa outra dimensão – que “os partidos sem representação parlamentar representam 0,94%” do total, nos blocos informativos da RTP1 e RTP2 e que a presença de “políticos independentes”, no período em análise é residual, “tendo sido identificado apenas um único caso no Telejornal (representando 0,1%)”. Donde se infere que a hipotética ascensão à dignidade mediática (RTP) de outros protagonistas fora do sistema político-partidário, integra a dimensão do “não-dito”, espécie de nova censura do audiovisual. Sobre isso, que é porventura o mais importante, pouco ficámos a saber.

Uma outra grande limitação do estudo é a sua metodologia “institucionalista”, por vezes mesmo “justicialista” (a extra-política é “antipopular” e, portanto, não pode integrar o “sistema”) dado que só analisou 20% das peças emitidas, ou seja, “as peças com protagonistas ou representantes de instituições político-partidárias – Governo e partidos políticos”. Torna-se um pouco mais do que isso quando diz que “o pluralismo pressupõe, também, uma atitude reactiva do serviço público, no sentido de dar cobertura jornalística a eventos como congressos e convenções partidários, jornadas parlamentares, encontros de juventudes partidárias, conferências de imprensa, ‘rentrées partidárias’”, etc…

Tomemos então apenas essa parte do “pluralismo político” em Portugal. Segundo o estudo, o PSD aparece claramente sub-representado, designadamente em favor do PS e Governo. Repare-se ainda que 64,7% do total de peças analisadas emanam da agenda político-partidária, pelo que a ERC diz – e bem – que “a agenda jornalística do operador público segue de perto a agenda política e partidária do Governo e dos partidos com representação parlamentar”.

O documento assume assim algumas evidências gritantes. Como também, por exemplo, o facto de a RTP estar refém, há anos, de dois comentadores “oficiais” do rotativismo – Marcelo Rebelo de Sousa e António Vitorino, considerando – e bem, outra vez – que tal prática “não corresponde a uma representação plural do campo político-partidário”.

De fora ficou o mais importante – aquilo que se pode interpretar como um “cerco” ao pluralismo: o não-lugar das vozes independentes, o défice de virtude civil, a actualidade trágica e o “fait-divers” como legitimação, os mimetismos informativos, a orientação das agendas e alinhamentos, a falta do jornalismo de investigação, enfim, a institucionalização da informação, que é, no fundo, um incumprimento da Constituição.

(artigo de opinião, publicado no Público de 1.4.08)

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