15.3.07

Karl Popper, o director de programas e o espírito democrático

Joaquim Fidalgo, ontem no Público (crónica intitulada "Alternem, alternem"): "(...) Li, há dias, uma curiosa entrevista do director de programas da SIC, Francisco Penim, um homem que confessa não dormir há um ano, tão atarantado anda com a pressão de recuperar a liderança de audiências. Mas ele precisa de arranjar maneira de dormir, não é?... E garante que já encontrou o segredo que permitirá à sua estação voltar a ser líder. Ele o diz: "Quando tiver no ar três novelas produzidas por nós e três pela Globo [a SIC] volta à liderança." Cá está a fórmula do sucesso: não duas, não três, não quatro nem cinco, mas seis, seis novelas ao mesmo tempo em antena, três portuguesas e três brasileiras... "

Ao ler a crónica do Joaquim Fidalgo, lembrei-me de uma história contada por Karl Popper no livro "Televisão, um perigo para a democracia": "Por ocasião de uma conferência que dei há alguns anos na Alemanha tive o ensejo de conhecer o responsável de uma cadeia (de TV) que se deslocara para me ouvir juntamente com alguns colaboradores. (...) . Durante a nossa discussão fez afirmações inauditas, que se lhe afiguravam naturalmente indiscutíveis. «Devemos oferecer às pessoas o que elas esperam», afirmava, por exemplo, como se fosse possível saber o que as pessoas pretendem recorrendo simplesmente aos índices de audiência. Tudo o que é possível recolher, eventualmente, são indicações sobre as preferências dos telespectadores face aos programas que lhes são oferecidos. Esses números não nos dizem o que devemos ou podemos propor, e esse director de cadeia também não podia saber que escolhas fariam os telespectadores perante outras propostas. De facto, ele estava convencido de que a escolha só seria possível no quadro do que era oferecido e não perspectivava qualquer alternativa. Tivemos uma discussão realmente incrível. A sua posição afigurava- se-lhe conforme aos «princípios da democracia» e pensava dever seguir a única direcção compreensível para ele, a que considerava «a mais popular». Ora, em democracia nada justifica a tese deste director de cadeia (de TV), para quem o facto de apresentar programas cada vez mais medíocres corresponde aos princípios da democracia «porque é o que as pessoas esperam». Nessas circunstâncias, só nos resta ir para o inferno!

"A democracia, como expliquei algures, não é mais do que um sistema de protecção contra a ditadura, e nada no seio da democracia proíbe as pessoas mais instruídas de comunicarem o seu saber às que o são menos. Pelo contrário, a democracia sempre procurou elevar o nível de educação; é essa a sua autêntica aspiração. As ideias deste director de cadeia (de TV) não correspondem em nada ao espírito democrático, que sempre foi o de oferecer a todos as melhores oportunidades. Inversamente, os seus princípios conduzem a propor aos telespectadores emissões cada vez piores, que o público aceita desde que se lhes acrescente violência, sexo e sensacionalismo".


Popper escreveu o texto em 1993. Releiam e digam lá se não está quase tudo actual.

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