16.1.07

O princípio do fim da Televisão

Todos o sabemos já: o telespectador é cada vez mais um programador. O que significa que essa é, em si mesmo, uma ruptura face ao paradigma da televisão clássica. Mas, através da possibilidade de ver/fazer o que quer, quando quiser, onde quiser e como quiser, e também porque o novo programador é também um ‘produtor’, pode dizer-se que o velho broadcasting está em evolução, por assim dizer, para o ‘egocasting’.

O desafio da pós-televisão está portanto numa hiper-personalização dos novos media emergentes e num novo consumo de conteúdos digitais que inevitavelmente conduzirá a um declíneo da televisão generalista, agora um pouco mais acelerado do que sucedeu ao longo da última década.

O princípio do fim da televisão, enquanto plataforma única de distribuição de programas, pode começar por situar-se no final de 2005 quando começa a ser muito claro que a TV tinha de tratar rapidamente de alterar o seu modelo de negócio na medida em que emergia um novo dispositivo de comunicação apostado em multiplataformas de enorme flexibilidade e mobilidade. As hostilidades são desde logo abertas pela Apple/iTunes, pela ABC, NBC, MTV, etc., que passam a oferecer online conteúdos diversos e nomeadamente as melhores séries televisivas norte-americanas, de Desperate Housewives a Commander in Chief.

O novo modelo de comunicação centra-se em estratégias de identificação dos modos de consumir os novos conteúdos, desde aqueles que são meras adaptações do broadcast aos formatados pelo multimédia interactivo para as múltiplas extensões do novo modelo de comunicação. Os novos públicos são agora mais autonomizados e estão hipersegmentados por opções e perfis, por redes e serviços, por suportes e terminais, tendo cada um a sua própria e complexa experiência ‘audiovisual’.

Entre as grandes vantagens de ‘descarregar’ conteúdos, para além da autonomia, mobilidade, arquivo, etc., estão, por exemplo, aspectos como a antecipação face à estreia de uma série, o acesso a conteúdos habitualmente não disponibilizados ‘em aberto’, a declinação de informação enquanto ‘hyperserial’, etc. Do lado da tecnologia, como Bill Gates referiu, importa depois não esquecer outra profunda mutação emergente no actual contexto, designadamente a passagem da nova televisão digital para a TV sobre IP.

Se o dispositivo comunicacional da era da TV analógica tinha as especificidades próprias do modelo ‘mass-mediático’, o dispositivo digital emergente assenta numa lógica biunívoca, ‘imersiva’ e participativa. Mas a “pós-televisão” e os seus conteúdos distribuídos pelas múltiplas extensões móveis remete para uma cada vez maior individualização, para uma (hiper)personalização da experiência de consumo audiovisual e multimédia, para uma experiência nómada cuja caracterização escapa à lógica tradicional de distribuição da comunicação. E é justamente aí que está o maior desafio do novo paradigma. Um desafio tanto maior quanto menor se tornou, na era da televisão generalista, o aprofundamento científico e qualitativo do conhecimento dos públicos.


[Publicado na Media XXI, nº 90, Nov-Jan. 2007]

A propósito:

TV online dos fundadores do Skype será lançada no Verão (DD, 16.1.07): "Os fundadores do Skype anunciaram hoje no site oficial que o novo serviço de televisão pela Internet passará a chamar-se Joost, em substituição de Projecto Veneza, e que estará a funcionar em pleno a partir do Verão de 2007. O Joost é descrito pelos seus criadores, Janus Friis e Niklas Zennstrom, como o primeiro serviço de transmissão de conteúdos televisivos de alta definição pela Internet. Em www.joost.com, os cibernautas já podem consultar algumas imagens do serviço e candidatar-se a ser utilizador de teste, uma condição que será avaliada pelos responsáveis, e juntar-se aos seis mil já existentes. Os conteúdos serão transmitidos através do protocolo peer-to-peer, o mesmo utilizado pelos programas de partilha de ficheiros como e-Mule ou Kazaa. O Joost será suportado pela publicidade, foi testado contra pirataria e respeitará as leis de direitos autor, garantem os seus criadores. (...) O Joost distingue-se de sites como o YouTube por ter canais de programação convencionais, apenas com um suporte de transmissão diferente."

YouTube estuda criação de um canal televisivo (Público, 15.1.07); "O YouTube está a considerar criar um canal televisivo com a compilação dos vídeos submetidos pelos utilizadores, anunciou o vice-presidente de conteúdos, Kevin Donahue. Também está a ponderar a criação de programas televisivos em colaboração com algumas produtoras. Apesar de "ainda estarem numa fase estratégica", o YouTube tem mantido "várias conversas" com companhias de produção. O canal norte-americano CBS criou um concurso de vídeos, em colaboração com o YouTube, onde se pede ao público para submeter vídeos "com o que eles querem dizer ao mundo". De 15 em 15 dias, serão escolhidos os cinco melhores vídeos que passarão nos ecrãs norte-americanos."

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