Reportagens televisivas com Sócrates, Menezes e Salazar (act.)
Constança reconhece ainda nas reportagens, ditas "encenações", "falta de autenticidade" a Sócrates e "programada espontaneidade" a Menezes, o que parece de facto a observação mais pertinente, vistas as duas comparativamente. No final, a primeira grande imagem que passa é que Sócrates está tenso e pouco à vontade, face ao tu-cá-tu-lá de Menezes e família. E aqui, claramente, Menezes ganha a Sócrates. Essa é a primeira conclusão destes dois trabalhos que são de facto excelente material para um estudo de caso, dado que os papéis se inverteram: Sócrates é habitualmente mais fluente e descontraído do que Meneses na entrevista informal em directo. Material de estudo que eu diria mais sobre a política do que sobre o jornalismo, já que ali não houve propriamente jornalismo. Dá a ideia que Raquel Alexandra se deixa conduzir (ou que lhe foi pedido para se deixar conduzir, numa lógica de "jornalismo" light), o que não deixa de permitir que possamos ver melhor se o condutor sabe guiar...
Com outra perspectiva, Fernando Sobral escreve no Negócios online (20.3) sobre A política da encenação: «A política portuguesa gostaria de ser como a Ópera de Pequim, mas é feita com actores secundários e de série B. As recentes reportagens da SIC sobre o que “não conhecemos” de José Sócrates e de Luís Filipe Menezes foi elucidativa sobre o que podemos esperar dos líderes do “bloco central”. O que mostrou o menos não se diferencia do que mostrou o mais. Ambos fazem parte da célebre “sociedade do espectáculo” que Guy Debord tão bem definiu de uma forma que se poderia aplicar ao que vimos: “de modo que ninguém pode dizer que não é enganado ou manipulado, mas é só em raros instantes que o próprio manipulador pode saber se foi vencedor”. Na SIC houve, aparentemente, um vencedor: quem manipulou o que mostrou (Sócrates); e um perdedor: quem foi manipulado pelo que revelou (Menezes). No meio ficou o vazio de ideias. O que deveria ser fundamental num político. E depois queixem-se, como os actores da nova vida de celebridades, que estão a entrar a sua vida privada??
Já Vasco Pulido Valente havia zurzido no assunto, também no Público (16/3) no texto A SIC não se modera: «A SIC resolveu fazer dois tempos de antena: um sobre Sócrates, claro, e o segundo, como contra-peso, sobre Menezes. No fundo, resolveu fazer um tempo de antena sobre Sócrates, de que se tornou, como o Expresso, muito devota, e provavelmente achou que meia hora de Menezes não prejudicava e até podia ajudar o culto do herói. O contraste, de facto, não podia ser maior. A parte de Sócrates parece planeada ao milímetro (e por quem? Pela SIC ou pelo gabinete do primeiro-ministro?) para responder às necessidades políticas do momento e ir preparando 2009. A parte de Menezes parece um filme de amador, que, fora a insistência na oposição interna do PSD, saiu como saiu e se mostrou na SIC como quem mostra em casa umas férias de família na Madeira ou nas Caraíbas.
Ainda VPV: «Sócrates, como o verdadeiro poder, e numa evocação velada de Salazar e de Cunhal, aparece sempre sozinho. Da casa não se vê senão o átrio, não se vêem os filhos, não se vêem os pais, não se vêem amigos, não se vê a namorada (se, por acaso, tem uma). Tirando a gente que o serve (a secretária, um assessor, um motorista), a personagem de Sócrates é, na sua "simplicidade" e na sua "grandeza", a única personagem em cena. E essa personagem não perde tempo em abrir ao povo um coração terno e propagandístico: a decisão que mais lhe custou na vida foi faltar à promessa de não aumentar impostos; a manifestação dos professores também lhe custou muito; mas não vai ceder, nem adiar; cometeu um erro na aplicação da política de saúde, de resto essencialmente certa; está a trabalhar num enorme projecto, o "projecto da Galp". Posto isto, Sócrates fala ao telefone com Zapatero (intimidade com os grandes), confessa a sua generosidade e determinação, admite acessos de melancolia e disserta sobre o equilíbrio entre a acção e a contemplação. No fim, acaba por reconhecer que é "muito humano". Quem não gostará de um chefe tão bom e tão profundo, tão responsável e tão grave?»
Vale a pena relembrar uma outra reportagem com outro primeiro-ministro, no tempo da outra senhora, sobre Salazar, que passou na RTP há 50 anos atrás:
«Veja-se, deste ponto de vista, esse breve documentário - Em casa de Salazar - no dia do seu aniversário (transmitido pela RTP dias depois da cerimónia do SNI, a 4/5/1958). Trata-se de um trabalho que, no seu tom beatífico, dir-se-ia, acaba por tanto mais negar a figura de Salazar quanto maior é o enlevo que dela faz. Sem ouvir uma única palavra ao ditador, diz dele afinal o fundamental: "(...) Este homem que pouco se vê, que raras vezes fala (apenas e exclusivamente as necessárias), permanece - ele e o mundo onde se move - como um mistério aliciante que empolga, comove e excita a imaginação daqueles que lhe querem com admiração, com apreço incontido, com veneração quase (...)." As imagens mostram-nos então aspectos do interior da sua casa - “o mundo reservado de Salazar” - os corredores, a mesa de trabalho, os jornais, um exemplar da Constituição, um calendário e um relógio (28/4/58, 15:27h), fotografias, flores, a famosa manta com que tapava as pernas, uma criada que entretanto passa - e só no final aparecerá “o homem que raras vezes fala” (em off): «(...) Eis Salazar na sua sala de trabalho, no dia do seu aniversário, recebendo os cumprimentos e felicitações de uma visita (...)". E, de facto, não só talvez para não comprometer o autor deste documento - autêntica “natureza morta” televisiva -, verdadeiramente naïf, Salazar nada disse.» (in Salazar, Caetano e a Televisão Portuguesa, F. Rui Cádima, Presença, Lisboa, 1996).
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