Nova Lei de TV: a institucionalização do “apartheid” cultural na RTP
O regresso da 2: ao ‘serviço público de televisão’ (actualmente só a RTP1 o faz em total défice face ao contrato de concessão) volta a ser assumido, como no passado, como uma espécie de “ghetto” cultural da televisão pública, mantendo assim o legislador a lógica de “apartheid” na TV estatal ao colocar de um lado o ‘grande público’ e do outro as ‘elites’. E intervindo assim em áreas que lhe deverão estar vedadas como o são as opções de conteúdos de programação da televisão pública, “viciando” e descaracterizando o serviço público de televisão logo à partida.
As definições de obra europeia, obra criativa e de produtor independente, uma tríade que é um autêntico albergue espanhol, onde cabe tudo. Conceitos que são mais indefinições do que definições. Onde radica aliás uma boa parte da crise do audiovisual europeu (a base é a directiva europeia).
Os ‘fins da actividade televisiva’ (promover a cidadania, a cultura, a língua, a identidade nacional, etc.) não revertem depois para o articulado de aplicação específica na TV generalista.
Pede aos entrantes (artº 15) coerência das linhas gerais de programação, qualificação e diversificação da oferta e (…) garantia de direitos de acesso a minorias e tendências sub-representadas, o que não exige na lei ao canal de maior audiência do serviço público – a RTP1.
“Observância do projecto apresentado” (artº 21): aparenta ser possível, por exemplo, que o projecto “SIC generalista” passe a “SIC novelas”, como praticamente acontece hoje no prime time, mas agora com o devido ámem .
O regulador atribui e renova licenças (artº 22). Mas a renovação não tem prevista na Lei regulamentação específica, prazos de solicitação, etc… Mas o legislador não aprendeu nada com a recente renovação das licenças da SIC e TVI?
Avaliação intercalar (artº 23): o regulador avalia o desempenho dos operadores de cinco em cinco anos ????? Mas se avalia obrigatoriamente as suas quotas de programas todos os anos… ??????
TV local hertziana: afinal…sim ou sopas? (artigos 25 e 94). Apesar de tudo, um avanço (controlado e provavelmente de efeitos nulos) relativamente ao défice democrático até agora existente em matéria de comunicação audiovisual local.
Limites à liberdade de programação (artº 27): proibidas a xenofobia, a pornografia, a violência gratuita, poderão todas reentrar pela porta da informação, no “respeito pelas normas éticas da informação”, “revestindo importância jornalística”… Que caixa de pandora abrirá o articulado?
Anúncio da programação (artº 29): autoriza contraprogramação selvagem até 48 horas antes da emissão. E a ética de antena? E o respeito pelo público? Basta ver que uma boa parte da audiência segue a programação pelas revistas de TV e pelos roteiros dos semanários e diários, feitos habitualmente com cerca de 10 dias de antecedência…
Obrigações gerais dos operadores (artº 34): mas o que é que passa destas obrigações para a RTP1 (ver artigos 51, 52 e sobretudo o artº 53 - “Primeiro serviço de programas generalista de âmbito nacional”, ou seja, a RTP1)? No fundo, a lei exige aos privados, SIC e TVI, o que não exige à RTP1! Espantoso!
Gravação das emissões: devem ser gravadas e conservadas durante 90 dias. Quando será que se reconhece como património audiovisual a emissão de ar?
Defesa da língua (artº 44): os operadores de TV devem dedicar 20% do tempo de emissão à difusão de obras criativas de produção originária portuguesa. Se não for exigida a diversidade de géneros poderá ser só novelas… O mesmo para a produção europeia (artº 45), de que se exige uma “percentagem maioritária” da emissão, mas a verdade é que se não vê praticamente produção europeia (não portuguesa) nas TV’s generalistas… E depois a Europa e a burocracia de Bruxelas queixam-se…
Artº 54, o tal do Apartheid cultural no serviço público de televisão (face ao artº 53).
Artigos 54 e 55: RTP2 e RTPi terão conselhos consultivos. Mas a RTP1 não… Senhor legislador, vá lá, não se distraia… É na RTP1 que o conselho consultivo é mais necessário!
Suspensão cautelar da emissão (artº 85), o tal que na prática nunca funcionará e que origina coisas como a famigerada manchete do Expresso... Mais vale aqui a auto e co-regulação…
Conservação do património televisivo (artº 92): deveria ser feita em função da emissão de ar e não de forma discricionária. Porque tudo o que for deitado fora é na mesma ‘património televisivo’.
Em síntese: uma Lei que tem aspectos claramente positivos face à anterior (maior exigência, monitorização do sistema, cadernos de encargos, etc.), mas que porventura não serão aplicáveis dados os flancos abertos por todo um articulado de indefinições e de submissões a uma directiva europeia muito marcada pelo ‘laissez-faire, laissez-passer’, uma lei sem especificidades fortes direccionadas para o caso português e as suas múltiplas debilidades e iliteracias (nomeadamente no âmbito do canal público de maior audiência), uma lei, no fundo, focalizada para manter o ‘apartheid’ cultural entre RTP1 e RTP2, e para formatar uma RTP1 com menores exigências do que as assumidas pelo legislador face aos próprios operadores privados… O que não deixa de ser efectivamente muito estranho.
Etiquetas: Regulação, Serviço Público
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