Como será que a RTP1 cumpre a Lei da TV e o Contrato de Concessão?
Uma grelha que tanto pela habituação que tem criado à inanição como pela diversidade de géneros e conteúdos que deixa de fora, é um verdadeiro torpor, uma espécie de analgésico social em ondas hertzianas.
Designadamente, no horário nobre, a RTP1 não ‘inscreve’ (no sentido utilizado pelo filósofo José Gil no livro Portugal Hoje, o Medo de Existir), ou melhor, não emite conteúdos fundamentais que a possam legitimar enquanto projecto de Serviço Público face ao essencial que a Lei e o Contrato de Concessão, esses sim, ‘inscrevem’ de modo absolutamente inequívoco.
Para os espaços (horários) onde há maior disponibilidade por parte dos portugueses para ver televisão, enfim, para o acesso ao horário nobre e para o horário nobre, a RTP1 não tem conteúdos regulares, não programa de forma coerente e consistente os conteúdos que são justamente uma obrigação do serviço público de televisão, nomeadamente matérias em que intervenham:
- Programação infantil e juvenil, nomeadamente no acesso ao prime-time e mesmo módulos de programação que pudessem ser alternativos à ‘novelização’ juvenil das grelhas dos privados.
- Os autores, criadores, homens de cultura e criativos portugueses, a arte e a cultura portuguesa – da pintura à literatura; da escultura à poesia; do design à arquitectura; da arte popular às artes experimentais, etc., etc.
- Autores, compositores e intérpretes, a música portuguesa em geral, da música erudita ao Jazz, do heavy-metal ao hip-op, do tradicional ao pop/rock.
- Projectos e produtos dos actores, encenadores, bailarinos, realizadores, as artes do palco portuguesas (Teatro, Bailado, Ópera, etc,) e o cinema português em geral.
- Ficção portuguesa de qualidade.
- Documentários portugueses – a história, a cultura ancestral, o património, os homens, as terras, a paisagem, as gentes, o turismo cultural, Portugal no Mundo, etc., etc.
- Outros programas de divulgação e actualidade, na área económica e em geral sobre o desenvolvimento do país e dos seus ‘clusters’, sobre as fortes dinâmicas das suas indústrias de ponta que felizmente existem, em matéria de inovação e tecnologia, no domínio da ciência, da investigação, etc, etc.
- No contexto de Portugal no mundo e face aos seus mundos futuros possíveis, a absolutamente essencial regularidade de programas sobre a Ideia de Europa o sobre as questões de cultura e política europeia. E sobre a Ideia de Atlântico (relações África/Brasil). E, naturalmente, uma inevitável ponte a Oriente: Macau/China…
- Em matéria de cidadania e de formação cultural e cívica dos telespectadores, torna-se essencial rever a questão do pluralismo dos protagonistas do pensamento político, social e cultural do tempo, isto é, rever o carácter muito pouco plural das opções em presença e isso sim, passar a ter na RTP1 um areópago do grande pensamento português, livre, testemunho da virtude civil, dos grandes debates desassombrados com os melhores pensadores e polemistas.
- Em matéria de cidadania e de formação cultural e cívica dos telespectadores é imperioso que fundamentalmente a RTP1 possa transmitir aos portugueses, através das suas opções e da sua estratégia de grelha de programas, para além, naturalmente, das opções cuidadas de entretenimento genérico, uma Ideia de Educação e uma Ideia de Conhecimento ancoradas, naturalmente, no desígnio maior de prestar um serviço público de excelência aos cidadãos deste país, um serviço que tem elevadas e acrescidas responsabilidades enquanto ‘mediador’, para tanto fortemente financiado pelo erário público.
Face a uma grelha altamente repetitiva e fidelizadora da audiência, de fortes traços monotemáticos e monoculturais, cuja consequência primeira é a discriminação de géneros e programas que contribuem para difundir importantes e decisivas dimensões da realidade artística, histórica e cultural, económica, científica deste País (e do estrangeiro, naturalmente) designadamente no horário nobre da RTP1, inibindo assim, nessa área em particular, a "formação cultural e cívica dos telespectadores", não vemos, portanto, como se possa defender e justificar que a RTP1 cumpre o exposto na Lei da TV e o Contrato de Concessão que a obriga perante o Estado e os cidadãos deste país.
Etiquetas: Controlo dos Media, Regulação, Serviço Público
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