22.5.06

O “Prime Time” televisivo, ou a menorização de uma Nação com oito séculos de História

O livro de Nuno Goulart Brandão, PRIME-TIME – Do que falam as notícias dos Telejornais, é um grito de alerta relativamente à sociedade que as TV’s estão a construir em Portugal. Face ao que é exposto – e independentemente de uma observação mais incisiva sobre o que resulta da informação televisiva como “fait-divers” (aumentando assim bastante a quota desta categoria) –, a verdade é que se trata de um estudo científico aprofundado que exige uma intervenção adequada da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação).

Como pergunta – e bem – Nuno Brandão, “que consequências tem (…) uma política de informação principalmente assente em critérios e categorias temáticas geradoras de valores que primam pela dramatização, pela emoção e pela espectacularidade”?

Necessariamente, os seus efeitos sociais e culturais estão bem à vista. Portugal, grande nação com uma grande História de oito séculos, vive o início da quarta década da sua democracia como país altamente deprimido, com a auto-estima em baixo, com as ruas cheias de rostos tristes e sem esperança. A verdade é que temos que agradecer também ao sensacionalismo, ao infotainment e a todos os miserabilismos televisivos do prime time e da sua 'monocultura' este estado de coisas.


Apenas um dado: a Educação, eixo central da Cidadania, base do futuro da Nação, apenas ocupou 1,19 % do tempo dos telejornais no ano 2003!

Ficam algumas das conclusões principais do trabalho de Nuno Brandão:

“(…) Os telejornais portugueses estão cheios de notícias geradoras de emoção, dramatização e espectacularidade como principais critérios para hierarquização da importância noticiosa. Estes critérios assentam no predomínio de categorias temáticas que reflectem essa realidade. A própria política é cada vez mais tratada pela televisão à luz dos impactes espectaculares e cada vez menos por uma informação reflectida, contextualizada e geradora de conhecimento para os cidadãos. Por isso, não basta que a televisão, e principalmente os seus telejornais, se organize em função da ritualização, na qual se privilegiam as transmissões em directo e os conteúdos que gerem emoção ou dramatização, mas sim apresentando aos espectadores novas posturas, favorecendo o desafio educativo, que acentua os valores positivos e de progresso, geradores de conhecimento para os cidadãos.

“De acordo com a presente investigação, infere-se que será necessário promover um novo sentido para a informação televisiva que possibilite construir ou refundar uma nova ética audiovisual geradora de uma crítica racional, por parte dos produtores de
informação, desvalorizando as visões emocionais e espectaculares dos conteúdos informativos.

“Temos de reduzir as análises que assentem na superficialidade e na falta de rigor, o que implica também que se reduzam as perspectivas que se pautam exclusivamente por critérios de selecção que visam a conquista de audiências, a qualquer custo, na programação televisiva. Do presente estudo decorre, em contrapartida, que se aumentem de forma acentuada as implicações educativas da programação em geral e dos seus telejornais em particular, de modo a proporcionarem a formação e a afirmação da cidadania.

“Concluímos que a televisão forma ou deforma o pensamento e as atitudes, constituindo um dos principais agentes de socialização. Por isso mesmo, não pode a televisão eximir-se das suas responsabilidades, tanto educativa como formativa. A televisão assim responsável tem de enriquecer e estimular o acesso dos telespectadores ao discurso público, contribuindo com uma visão de interesse público, para os cidadãos seus espectadores. Não pode prescindir de uma visão de plena cidadania, promovendo uma discussão racional na esfera pública e impondo um rigoroso compromisso moral e ético aos membros da sua actividade, mas também perante os cidadãos espectadores, que devem exigir uma responsabilidade pública ao Estado e às estações de televisão. As opções desenvolvidas na televisão de serviço público assumem, neste domínio, relevância especial, pois a legitimidade do Estado também o obriga a ditar e fazer cumprir normas de funcionamento em todas as áreas de actividade, das quais não se excluem as políticas do audiovisual.

"No entanto, muitos poderão pôr a questão de ser difícil promover uma diferenciação clara na programação, e em especial na informação, da televisão pública face às televisões privadas. Mas se é verdade que por causa das relações impostas pelo mercado hoje não é fácil marcar a diferenciação clara entre a televisão pública e as televisões privadas, também é certo que sem que essa diferenciação seja claramente definida, de forma crescente num futuro próximo, a questão da própria existência e manutenção do serviço público de televisão terá de ser equacionada.

“(…) Ora, o que hoje acontece, como se depreende desta investigação, é serem os valores-notícia dos actuais noticiários televisivos regidos por critérios de selecção do inesperado e do negativo do que é tido por adquirido, a prática jornalística torna-se mais sensível aos acontecimentos calamitosos. O espectáculo das notícias está a ser sobrevalorizado em detrimento do rigor das suas mensagens. Os factos são dramatizados à luz do seu consumo pelas massas, esquecendo-se que uma das responsabilidades atribuíveis à informação é a do reconhecimento do papel que lhe cabe para se agir sobre os cidadãos. Hoje a informação televisiva desenha, afinal, os contornos da realidade. Logo a sua responsabilidade social e pública perante os cidadãos é decisiva na selecção dos acontecimentos a transformar em notícias e na importância dos critérios de hierarquização e no estabelecimento das suas opções dominantes.”


Ler no JN de hoje: "Drama e emoção" dominam telejornais

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