5.2.06

Quando as 'Heranças' (RTP1) nos deserdam a todos

Não há maneira de pôr a RTP1 a cumprir o Contrato de Concessão e a respeitar o desígnio de um serviço público de televisão. De há anos a esta parte, em vez de termos os segmentos estratégicos de acesso ao prime time 19:00-20:00 e de arranque pós Telejornal 20:45-22:00, preenchidos, diariamente, com programação diversificada, tal como a Lei da TV exige (a saber: documentários, debates, magazines culturais e outros, grande reportagem, talk-shows sobre temas de interesse público, ficção portuguesa de qualidade, cinema, teatro, sitcoms, programas de divulgação sobre a economia do país, a Sociedade da Informação, as tecnologias, um programa sobre a Europa e o desígnio europeu, etc., etc.), temos esse espaço ocupado por Preços Certos em Euros, Heranças que deserdam e Telejornais inflacionados de faits-divers e quejandos, que chegam já às 2 horas de duração.

Antes disso, antes de meados dos anos 90, a solução dos programadores de então, como devem estar lembrados, não era diferente no essencial: Telenovela-Telejornal-Telenovela.

Os responsáveis por esta estratégia de programação comercial – dos programadores aos reguladores, passando pelo legislador - com certeza percebem que esta “herança” que estão a deixar aos portugueses, é, no fundo, um grave desrespeito pela identidade cultural portuguesa. Sendo que se trata de uma dívida maior e sem preço (certo): a de defraudar um projecto de Televisão pública que deveria esta ao serviço da Cidadania, do Conhecimento, de uma opinião pública forte e esclarecida, e, portanto, do desenvolvimento deste país.

Quando esta ‘deformação’ do telespectador do serviço público é, de facto, prática instituída pela RTP1 há décadas, a consequência é que quando se investe um pouco em qualidade e se programa uma série como Bocage, ou um Prós e Contras, a seguir ao fastidioso concurso, no bloco 22:00-23:00, está-se a oferecer um produto desajustado aos telespectadores que a RTP1 ‘formatou’ durante décadas no acesso e na entrada do prime time. Uma boa parte foge depois para a TVI e para a SIC à procura de outros analgésicos pós-laborais… Esta é uma das questões mais críticas da RTP1, que tem de facto uma séria repercussão na construção da Cidadania neste país. No fundo, em vez de termos uma Televisão pública a ajudar a ‘puxar a carroça’, temos ali uma força de bloqueio a arrastar-nos para o pântano...
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