3.2.06

Jornalismo “tablóide” e/ou sensacionalista nas Televisões

Não é fácil separar os dois conceitos. Diria que as estratégias tablóides começaram por ser, na imprensa, uma selecção dos casos ‘singulares’ da actualidade, por vezes mesmo ‘monstruosos’, operando-se depois uma ‘compressão’ desse tipo de matérias e factos, transformando-os em ‘histórias’ para consumo rápido, fazendo apelo ao lado mais fútil dos públicos e às suas, quantas vezes, perversas curiosidades. Essas histórias passaram então a ter o epíteto de ‘sensacionalistas’.

Passados cem anos, e agora em matéria televisiva, alguma coisa mudou. As ‘monstruosidades’ do final do Século XIX adquiriram estatuto ‘social’, isto é, os media procuram agora esses casos entre os comuns dos mortais.

Por exemplo: O Jornal Nacional (TVI) de 14 de Janeiro de 2002, transmitiu uma notícia sobre o esfaqueamento de uma mulher de 54 anos, em Fronteira, Portalegre, notícia acompanhada de imagens do presumível criminoso algemado - sem qualquer protecção que impossibilitasse a sua identificação - violando os limites à liberdade de informação, estabelecidos nos termos do art. 21º, n.º 1, da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho.

Parêntesis. Uma curiosidade sobre este caso: 3 anos e meio depois, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, a 10 de Agosto de 2005, deliberou condenar a TVI ao pagamento de uma coima no valor de 143.404€!.

Outras práticas tablóides e sensacionalistas são frequentes nas nossas TV’s:

A primeira das quais é de ordem geral. Tem a ver com a submissão da estratégia de informação à estratégia geral do próprio canal, sendo que esta, está já de si submetida a uma estratégia comercial. Veja-se, por exemplo, o documentário de Mariana Otero sobre a SIC e isso está lá, assumido pelo director de informação do canal, e reforçado pelo director comercial em matéria de programação em geral.

Quando passamos aos conteúdos propriamente ditos sucede aquilo que Óscar Mascarenhas interpretava desta forma:

“Colocando-se numa posição sobranceira em relação ao destinatário, o jornalista sensacionalista oferece não aquilo em que acredita mas aquilo que acha que o pagode quer receber. O jornalismo sensacionalista parte de uma concepção de desprezo pelo público (…) Enredando o público na teia do fútil e do inútil elevados à categoria de essência do processo social (…)”.

Temos ainda que considerar outro género de ‘tabloidismo’ mais frequente e de maior gravidade (pela sua menor evidência):

Nesta matéria, as televisões portuguesas guiam-se praticamente todas pela mesma bitola. Aliás, sabe-se porquê: não houve ainda uma descolagem dos vícios do velho monopólio de Estado (RTP) e dos seus sucedâneos da era da concorrência, sendo que os jovens jornalistas que entraram para a profissão acabaram por copiar o pior do velho modelo de produção de informação.

Exemplos recentes: (o pior do tratamento dos casos):

- Casa Pia

- Fogos de Verão

- Campanha presidencial a ‘toque de sound-byte’ (espécie de estratégia de reality-show)

- Constantes aberturas com Acidentes, Catástrofes, Actualidade trágica e Faits-divers em geral – estratégia tablóide de submissão à produção de audiências e fidelização de públicos, esgrimindo o pior do jornalismo.

Exemplo recente sobre este último aspecto:

O Jornal da Tarde de 17 de Janeiro, no melhor tom sensacionalista, editou na abertura o tema do homicida barricado no Sobral de Monte Agraço. Meia hora depois, às 13:32 (!), deu duas notícias de grande relevância para o País:

i) uma sobre um projecto da Microsoft - ‘Tecnologia e Inovação’, que pretende ajudar a combater o desemprego através da formação. Nos termos do programa vão receber formação de competências básicas em TIC 3 mil funcionários do sector têxtil do Vale do Ave, que se encontram desempregados;

ii) outra, sobre o investimento da IKEA numa fábrica de Ponte de Lima, que gerará centenas de empregos na região.

Outros exemplos:


- Demolição de barracas no bairro do Fim do Mundo em Cascais, com o jornalista do Jornal da Tarde da RTP1, a perguntar-se a si próprio : “Como é possível existir um bairro destes em Cascais”, esquecendo-se que deveria ter feito essa pergunta à CMC, procurando questionar a negligência ou a corrupção na Câmara, aquando da construção clandestina do bairro.

- O tempo concedido, dias a fio, pelo mesmo Jornal da Tarde, aos chamados “reforços de Inverno” do futebol português, com ‘novelas’ inteiras dentro dos telejornais: jogadores que chegam ao Aeroporto, que depois vestem a camisola do novo clube, que depois se sentam com os dirigentes na sala de imprensa para conferências de imprensa em directo, aguardando que as câmaras entrem no ar…

- Ainda mais recentemente, há dias, no Telejornal do serviço público, é enviada uma equipa de reportagem para seguir uma operação no Hospital de Coimbra a um guarda da GNR que foi baleado em Estarreja, como se essa fosse uma operação inédita em Portugal…

Depois haveria ainda que falar de outras práticas nefastas, como os mimetismos, a organização burocrática da informação, os telejornais 'enchouriçados' de 1 e 2 horas de duração, o jornalismo sentado, as contaminações discursivas entre diferentes géneros, os compromissos com os porta-vozes e os chefes de gabinete, a submissão a um sistema político-partidário em crise de representação e de credibilidade, (vide a grave discriminação feita por televisões e candidatos nas últimas eleições presidenciais sobre a questão dos debates televisivos) etc., etc., tudo isto resultando numa incompreensão do papel e da responsabilidade social dos media e da sua fundamental contribuição para a Cidadania.

Enfim, este é um pequeno quadro-síntese das misérias daquilo a que se vai chamando jornalismo, mas que muitos de nós, cidadãos deste país, já perceberam há muito que não é.
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