28.2.05


Da Caverna de Platão à Caverna da Televisão (moral da história)

Era claro que para Platão o tempo – no seu tempo - não tinha trazido o melhor dos mundos. As sombras subterrâneas conduziam à luz, mas olhando para ela corria-se o risco de cegar e, portanto, de querer voltar, tomando essas cópias imperfeitas, essas sombras, por realidade.

Se Platão nos visitasse e passasse uns tempos por cá, era seguramente daqueles que não tinha televisão em casa.

A televisão dá-nos também uma reprodução inverosímil do próprio real. Os seus relatos do mundo e dos acontecimentos devolvem ao nosso imaginário uma imagem hiperreal do mundo e das coisas, constituindo-se nessa medida em imagem da própria sociedade.

A sua narrativa e o seu tempo sequencial, a sua efabulação, as suas histórias, convergem como modalidades específicas de produção de telerealidade. O real aparece através dos seus simulacros obscenos e sensacionais, e a verdade, de uma forma geral, é a verdade do dispositivo televisivo - enfatizar, enfatizar sempre, superar a máquina retransmissora do real, transformá-la em máquina produtora de real e do espectáculo.

Sintoma, cujo princípio de realidade se manifesta sem se autodesignar, isto é, trabalha num registo de ilusão naturalista e de criação de efeitos de legitimação tendo por horizonte de conhecimento o seu contrato de visibilidade e de credibilidade com o telespectador, um horizonte de acontecimento, em suma.


Pode por isso dizer-se que a televisão generalista clássica perdeu o sentido da história, isto é, o seu dispositivo evolui de tal forma ao ritmo do "quotidiano", como espelho de uma realidade prosaica, vulgar, que, com alguma perversidade, o registo telereal se faz a uma velocidade directamente proporcional à fugacidade da ordem natural das coisas, do tempo, e do mundo.

É de facto esta conotação espectacular do acontecimento irrelevante que o coloca como o actual "maravilhoso" das sociedades democráticas: ele substitui-se à vertigem do real e é nesse hiato que irrompe a lei do espectáculo, que é, no dizer de Pierre Nora, «a mais totalitária das leis do mundo livre».
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