13.12.08

Humor, política e democracia

Em Portugal, o Tal Canal, nos anos 80, foi sobretudo uma forte "charge" à TV da época, assim como a "novela" Moita Carrasco (Nicolau Breyner), que arrasava o pior da novela brasileira. Foram dois momentos ímpares na televisão portuguesa, não só porque foram uma pedrada no charco, mas também porque dissecavam mediocridades instaladas.

O contexto e o modo como surgiram criaram imediatas orfandades. Doravante nada podia ser como dantes. No Tal Canal, um intransponível painel de "bonecos" (Tony Silva, Carlos Filinto Botelho, Filipa Vacondeus, Nelito, Estebes) marcava para sempre a audiência. Depois deles o génio de Herman dispersou-se nos programas seguintes: Serafim Saudade (Hermanias), Maximiana (Humor de Perdição) Diácono Remédios (Herman Enciclopédia)…

Herman, como humorista, sempre atingiu o seu melhor com as suas múltiplas caricaturas, que através de um humor fino e ácido, eram (são) uma espécie de "jograis" deste feudalismo moderno em que fazemos por sobreviver. A verdade é que se o HermanSIC ainda trouxe essa marca, por exemplo com o "Canal Regional do Enterior Desquecido e Ostracizado", ou com o Nelo e a Idália, já o Hora H, na tentativa de inovar, acabou por não "implantar" nenhuma das suas figuras.

Digamos que o "segredo" do melhor Herman é uma combinatória "popular" entre a crítica social e de costumes e um nonsense e uma mordacidade próprias multi-influenciadas. Este Herman faz, naturalmente, muita falta na televisão portuguesa. É na sua ausência ou por entre algumas das suas presenças que emergem os seus "herdeiros", com uma capacidade de emancipação rápida (Gato Fedorento) e com uma clara vantagem da "charge" política, que nos fazem pensar também nos textos do Contra Informação, agora “desviado” pela RTP para um horário inaceitável (o fim das manhãs dos sábados), quando antes passava, com toda a justeza, em prime time.

Noutros casos, aparecem projectos mais conceptuais e portanto mais autonomizados (Contemporâneos). Ainda noutros casos (Jel/Vai Tudo Abaixo e Prego Ridículo/Pionés), temos incursões de perfil distinto, não filiados, de um humor anárquico e intervencionista, ou mesmo no plano do absurdo e do humor negro.

Penso que a "geração Herman" naquilo que tem de mais específico, bem como a sua descendência mais directa (veja-se o actual Vip Manicure, de Denise e Maria Delfina) vão beber uma boa parte da sua criação ao velho humor radiofónico e revisteiro de tradição portuguesa. Uma outra parte virá de toda uma cultura televisiva, onde a citação mais frequente é Benny Hill e a comédia britânica. Mas não podemos esquecer a influência do humor televisivo brasileiro (nomeadamente Jô Soares, Agildo Ribeiro ou Chico Anysio) ou todo um "melting pot" cinematográfico, de Chaplin e Keaton a Louis de Funès e aos Monty Python. Temos hoje múltiplas respostas, do mais popular ao mais conceptual e julgo que este "alfobre" tem hoje boas "auto-suficiências" capazes de fazer escola e evoluir em cima do caminho já desbravado.

O Vai Tudo Abaixo tem (tinha) o seu espaço próprio e é pena que não trabalhe no âmbito da TV generalista. Diria mesmo que devia ser presença habitual nos telejornais portugueses… Aquela entrada de megafone no estúdio do Jornal da 9 do Mário Crespo, tem quase todos os dias cabimento na nossa burocratizada informação televisiva. Trata-se de uma mescla que associa humor desbragado e algum "activismo" no espaço público – e disso, o cinzentismo desta sociedade portuguesa precisa como de pão para a boca. O Liga dos Últimos (como o Telerural) é um caso demencial – e se está no serviço público de televisão é porque em Portugal a indignação face ao obsceno e ao boçal é coisa rara, ainda os costumes demasiado brandos…

Os Gato Fedorento são sobretudo são fortes na sátira e na crítica política. Matéria não falta para isso, e eles têm, de uma maneira geral, pegado bem no tema – de Valentim Loureiro a Santana Lopes, de Marcelo a Sócrates… O "Diz que é uma espécie de magazine" acabou por encontrar aí um dos seus mais fortes filões e daí, em boa parte, o sucesso desta série. Agora, com o Zé Carlos, há que continuar a morder aí. Como disse, a televisão portuguesa precisa de vozes desassombradas e frontais e às vezes parece que só ao humor está concedida a prerrogativa. Que seja. Quando não se pode rir a sério ao menos que se possa rir a brincar…

Do que não há dúvida é de que hoje, este ciclo de humor, não surge por acaso. Tal como a revista à portuguesa surgiu num contexto de repressão política, dizendo e escrevendo nas entrelinhas, hoje, num clima de um evidente desconforto democrático, com a nossa débil experiência democrática e a praticamente inexistente cultura participativa dos cidadãos, com uma agenda mediática na maior parte dos casos refém das pequenas e grandes centrais de propaganda que o sistema instalou e com múltiplas situações de repressão da liberdade de exercício do direito cidadania e de opinião (num Opinião Pública da SIC Notícias uma professora que se está a reformar falava há dias em “bufos” e em “pides” nas escolas), o humor e o humor ácido tem terreno fértil para crescer.

De resto, não há dúvida de que as Produções Fictícias são uma autêntica universidade do humor em Portugal. Não podem é cair numa espécie de entidade reguladora do riso, com uma gestão politicamente correcta da "bloco-centralização" da nação. Deles, todos esperamos que continuem a desfazer este novelo que ameaça a própria experiência democrática.

Infelizmente, há que ter consciência de que, muitas das vezes, a "oposição política" em Portugal passa mais num sketch humorístico dos Gato Fedorento ou por uma charge do Contra Informação (não foi por acaso que tiraram o programa do prime time da RTP1) do que por uma prelecção político-televisiva do líder A, B ou C. Assim vai a política à portuguesa...

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