17.9.07

Maddie, mad, media

(retomo um texto de 23 de Maio):

De facto, a cobertura deste caso, de um modo geral, tem decorrido com excessiva paixão, excessiva emoção, e com menos rigor. À falta de informações objectivas e de “briefings” regulares feitos por responsáveis e investigadores policiais, os media têm tido tendência a “romancear” inúmeras situações, procurando manter a audiência fidelizada e expectante, ou procurando encher a qualquer custo as primeiras páginas dos jornais do dia seguinte. Designadamente nas televisões há, em geral, uma evidente “novelização” na abordagem do tema e uma muito exagerada ocupação do espaço/tempo dos telejornais, potenciadas, no caso português, pelo facto de haver durações de serviços noticiosos que vão em regra da hora à hora e meia, ou mesmo mais. A informação evolui assim para os seus novos terrenos, há muito experimentados (espectacularização do real, prioridade à actualidade trágica, à catástrofe e ao fait-divers), abdicando de um registo rigorosamente jornalístico, para uma edição continuada e enovelada de ‘estórias’, suposições, alegações, “novos indícios”, novos “suspeitos”, depoimentos, imagens de casas, do circo mediático, locais, directos, intervenção de “especialistas”, alguns mesmo com boas doses de imaginação, etc, etc., procurando manter no conjunto da edição, no dia-a-dia informativo, uma espécie de tensão narrativa, que tanto se aproxima da ficção popular-televisiva como do formato do “reality show”, géneros dominantes.

O que poderia ter sido feito para evitar excessos? Basicamente, mais jornalismo e menos novelização. Mais objectividade e menos suposições. Menos emoção e mais razão. Este deveria ser, inclusivamente, um tempo e um tema absolutamente oportuno para os media se verem ao espelho e se pensarem a si próprios. Para o jornalismo se interrogar e interrogar as suas práticas. No sentido de olhar o caso singular Media/Maddie. De pensar local, actuar global. José Miguel Júdice partia do caso Maddie para chegar ao Darfur. É isso que está em jogo desde a Revolução Industrial. Desde que os media são media. Um jogo que falharam. Os media falharam claramente, historicamente, uma visão global do humano, para se prenderem nas visões e emoções particulares de casos individuais e de fait-divers. Pensemos a dualidade Norte/Sul e no que os media não souberam fazer pela sua aproximação, para se ter justamente uma ideia da demissão dos media, enquanto quarto poder, na história contemporânea.

Seria importante uma maior contenção genérica neste caso. Mais rigor, mais concisão e cuidado no que diz respeito aos directos e às efabulações e enovelamentos de repórteres, editores e directores de informação. Se bem que haja aqui uma hipersensibilidade, entretanto adquirida pelas audiências via media, há que emendar a mão, se para tanto houver coragem e engenho, o que é pouco provável. Importaria, doravante, redireccionar o impulso ‘reality TV’ bem ilustrado neste caso, para uma ética e uma prática deontológica apostada não nos faits-divers, mas nos factos de história, nos factos que fazem mudar a história e os homens. Nos temas que verdadeiramente integram o sentido da história, os temas da grande dimensão humana e da cidadania universal, da experiência social e comunitária, também individual, obviamente, mas a ‘inscrição’ violenta dessa experiência, como diria José Gil (Portugal Hoje, o Medo de Existir), a inscrição dessas diferenças e dessas margens, que hoje separam os homens entre cidadãos e párias dos media. É óbvio que os “cidadãos” dos media não estão no Darfur, não estão em África, não estão sequer nos subúrbios de Paris ou Lisboa. Mas podem estar, até por uma trágica ausência, como agora, numa pacata praia algarvia. É desse sangue que se alimentam os media e em particular os tablóides e uma boa parte da televisão.

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