11.2.05

Mudar a TV que temos

O lado negro da televisão emerge, entre outras coisas, com o ‘real’ que o dispositivo televisivo cria como máquina, com a espectacularização do real, com a negação do acesso e dos particularismos, da diversidade, com a aculturação por «empréstimo», o abuso da violência explícita e implícita, e, através de um processo cuja complexidade analítica é evidente, pelo desafio dos fundamentos, pela desautorização dos princípios, dos valores, e mesmo da tradição, dando, por defeito, notoriedade e sobretudo uma falsa legitimidade ao negativo, ao monstruoso, quer se trate de um indivíduo, de um jogo de interesses, ou simplesmente de um fait-divers. É essa televisão que é urgente mudar.

Talvez por isso, são personalidades que sempre conferiram à TV uma importância «civilizacional», que em determinado momento deixam escapar como que uma angústia, uma dúvida, sobre eventuais efeitos perversos da ‘caixa’. Arthur Clarke, o «criador» da Mundovisão, chegou a dizer que «a televisão era pior que a bomba»... O próprio McLuhan, para quem era evidente que a TV completaria a «retribalização» do homem moderno, propunha pequenas curas de televisão, convidando os mais adictos à abstinência. Houve inclusive o caso do chanceler alemão Helmut Schmidt, que chegou a propor a suspensão das emissões de televisão um dia por semana. Idênticas reflexões teriam, afinal de contas, conduzido alguns países, como a Islândia e a Hungria, no princípio da década de 80, a terem o seu dia de descanso semanal da televisão. Longe estavam as opiniões radicais de Jerry Mender, que perguntava se não se podia «exterminá-la»....Os críticos mais virulentos, caso de Neil Postman, chegavam mesmo a afirmar que a televisão concorria para a destruição da «condição humana». E é conhecida também a opinião de um antigo director do Times, Gerald Long, que esgrimia sobre o pobre tubo catódico, considerando-o «portador de todos os males presentes e futuros da nossa sociedade» - e à televisão chamava-lhe uma «chaga da sociedade».

Passou-se entretanto mais de uma década sobre esta onda de pequenas e grandes fobias televisivas. Mas continua a poder citar-se vários catastrofistas do «elestrodoméstico». De Giovanni Sartori a Bernard Pivot, de Chomsky a Mattelart, passando por Ignacio Ramonet e Pierre Bourdieu. De facto, só como uma espécie de ‘salteadores da caixa perdida’, ou assumindo o lado de zappeur obsessivo, poderemos vislumbrar uma Televisão à altura do Homem. Talvez McLuhan tenha razão: à falta de melhor, pode ser que pequenas curas (diárias) de Televisão sirvam para exorcizar essa omnipresente ‘chaga’...

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