4.9.09

Da claustrofobia no sector dos media (act.)

O caso Moura Guedes terá sido o culminar (esperemos que mais casos destes não apareçam até dia 27...) de muitos e muito lamentáveis erros nesta legislatura e em particular dos seus dirigentes em matéria de media. A experiência democrática nesta matéria sai claramente abalada neste fim de ciclo e com ela os fundamentos do Estado, não somente em matéria de liberdade editorial.

E o maior erro é não ter havido ainda a percepção por parte do poder político de que estão a mexer em pólvora e nem sequer apagam os cigarros... Isto é, o que será preciso mais ainda para que Sócrates e a sua entourage percebam que, se trataram os professores, de facto, como agora tardiamente vieram reconhecer, de forma pouco "delicada", o que dizer do tratamento dado aos media e aos jornalistas nesta legislatura? Não houve claramente nenhuma delicadeza nem sensibilidade nessa relação, e continua a não haver. O que é profundamente crítico, dado atingir os alicerces da democracia.

No campo dos media, a tal questão da “asfixia democrática” deve começar desde logo por ser ponderada no âmbito do exercício do poder legislativo e administrativo. Neste aspecto, sobram casos problemáticos nestes últimos anos: a começar pela nomeação do Regulador dos media (ERC), onde o princípio da independência face ao governo e face aos regulados não foi devidamente assegurado, tal como exigido pela União Europeia; e continuando na legislação, por ex: Estatuto dos Jornalistas, onde se verificaram alegadas inconstitucionalidades, especialmente as disposições sobre o direito de autor do jornalista, sobre a revelação das fontes e também na falta de coragem política em matéria de incompatibilidades e promiscuidades entre o jornalismo e as assessorias de comunicação designadamente dos gabinetes governamentais. O próprio veto do PR da Lei do Pluralismo (e da não concentração dos media) denunciava já o facto de estarmos perante um modelo “raquítico” e não amplo e democrático de pluralismo.

Concordo também com a ideia de que a intimidação de jornalistas por um primeiro-ministro, sobretudo quando os media levam a cabo um trabalho (raro) de escrutínio da coisa pública e do governo, é um facto grave, denunciador de um clima de efectiva claustrofobia democrática. Este PM processou neste mandato pelo menos nove jornalistas, atacou a estratégia editorial da TVI e os seus jornalistas, telefonou directamente a directores dos media (Público, Rádio Renascença) pressionando-os em matéria da liberdade editorial dos jornalistas, até ameaças relativas a negócios (Sol) foram feitas … Nada, nada, nada, recomendável.

Estou convicto de que também houve nesta legislatura um fenómeno de medo mais pronunciado, nas redacções e na comunicação social em geral (naturalmente, não por questões de precariedade), relativamente à investigação jornalística aprofundada de determinados dossiers onde protagonistas públicos relevantes estão envolvidos, com os media do Estado em destaque nesta matéria, sobretudo pelo facto de não fazerem investigação nessas matérias, o que é de enorme gravidade dadas as suas responsabilidades acrescidas para com os cidadãos, inclusive constitucionais.

Em particular a TV do Estado tem uma continuada informação institucionalizada, quando não mesmo governamentalizada. Basta ver alguns dados: nos três primeiros anos do seu mandato a RTP1 foi de todos os canais, aquele que mais peças passou com referências a José Sócrates e foi também o canal que deu mais tempo de emissão informativa regular ao primeiro-ministro. Foi acusada nestes últimos anos, por diversas vezes, de falta de pluralismo "politico-partidário" pela própria ERC... E na opinião pública, na blogosfera e nos media são praticamente diárias as queixas de instrumentalização da RTP ao longo desta legislatura. Também em diversos estudos de opinião (incluindo o Eurobarómetro) os cidadãos mostram reservas significativas sobre a informação dos media do Estado.

Do ponto de vista da gestão do sector público e do Estado relativamente aos media, também várias práticas prepotentes, absolutamente condenáveis, foram-se sucedendo ao longo dos tempos. Nomeadamente, em 2007, a ruptura por parte da RTP da parceria para sondagens que tinha com o Público, que se mantinha há dez anos e que foi denunciada pela TV pública como retaliação pelas críticas de um colunista do diário (Eduardo Cintra Torres) às más práticas de informação da RTP.

Outro foi o caso referido em editorial pelo sub-director do Público (4/9/09) de que «falar contra o Governo é dolo que leva a avisos e pisar o risco da reverência faz com que alguns ministros proíbam a publicidade de organismos públicos nos jornais que o ousam». Ora, que chamar a isto? E que resposta deveria ter merecido de um regulador independente?

Questão que, aliás, tem outros paralelismos absolutamente inaceitáveis - e que continuam a acontecer - como, por exemplo, a recusa do governo, dos membros do governo e dos próprios assessores do governo em prestarem declarações aos jornalistas da TVI (como ainda hoje foi denunciado no Jornal da Noite da TVI). Ora esta recusa de informação e de transparência em matéria de comunicação social relativamente a um meio que está na plenitude do exercício da sua licença pública, deve ser claramente condenada pelos cidadãos e pela opinião pública - e naturalmente avaliada pelo regulador.

Ainda um outro tema: a questão da censura e a discriminação televisiva das pré-campanhas eleitorais relativamente aos pequenos partidos e candidatos que não têm as máquinas dos partidos parlamentares por trás. A Comissão Nacional de Eleições tem alertado regularmente os media para a necessidade de um tratamento igualitário a todos os candidatos às eleições, quaisquer que sejam. Sucede que isso não acontece, tal como agora, em plena pré-campanha para estas legislativas, onde a própria televisão pública entrou no acordo muito pouco democrático e discriminatório entre partidos parlamentares e TV’s. Ora, sobre este tema, a ERC está muda e queda, aguardando-se a sua leitura da pré-campanha.

Outros aspectos a que se dá pouca importância, mas que têm a ver – e muito – com a claustrofobia democrática e o controlo da TV do Estado, é o que se passa com esse “analgésico pós-laboral” que desde sempre foi a RTP1, e, no plano da cultura portuguesa, o regime de ‘apartheid’ cultural entre a RTP1 e a RTP2, colocando a cultura portuguesa no ‘ghetto’ da RTP2, como se faz há mais de 20 anos neste país, com efeitos muito perniciosos para a cidadania, a cultura e a democracia em Portugal.

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A propósito da TVI, deixo uma sugestão: tente fazer um comentário de opnião no site da TVI24, de conteúdo politico mas não partidário, onde não condene nenhum dos partido de esquerda, ou onde defenda o primeiro ministro, e verifique a triagem de publicação...

5:56 da tarde  

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