30.4.07

Boletins Clínicos na RTP - de Eusébio a Salazar

O Público de hoje, na peça de Joana Ferreira da Costa "Internamento de Eusébio no Hospital da Luz abriu novo modelo de comunicação", diz que "pela primeira vez os jornalistas tiveram informação constante e conferências de imprensa sobre a saúde de uma personalidade conhecida (...)". Talvez seja, antes, "pela segunda vez" (não por acaso) ... A primeira (também não por acaso) foi com Salazar (extracto do nosso livro Salazar, Caetano e a Televisão Portuguesa):

7 de Setembro de 1968: logo na primeira edição do Telejornal, às 15 horas, Gomes Ferreira lê uma sequência de quatro pequenas notícias todas a propósito do mesmo acontecimento: «(...) Em consequência de uma queda, na sua residência de Verão no Estoril, o sr. Presidente do Conselho apresentou sintomas que levaram o seu médico assistente a recorrer à colaboração de dois colegas neuro-cirurgiões. Sua Excelência foi operado esta noite de um hematoma sob anastesia local, encontrando-se bem».

Referia depois, sem imagens, a presença na Cruz Vermelha do Chefe do Estado e de vários membros do governo; e também um telegrama de Franco que, do Açor, onde se encontrava num cruzeiro, enviava as suas "boas melhoras" assim que soube da "operação de pequena cirurgia" e terminaria, naturalmente, dizendo:
«Formulamos votos pelo completo restabelecimento do Sr. Presidente do Conselho».

Esta sequência repetir-se-ia praticamente na íntegra, quer na edição das 19h30, quer na edição principal desse dia, às 21h30, a qual abrirá com o "boletim médico" de Salazar, com descrição pormenorizada dos dados fundamentais apresentados pelo paciente (auscultação, pulso, tensão, glicémia, hemograma, etc.). Nesse dia, a edição de fecho, perto da meia-noite, avançava o já referido relatório médico e por último passava uma reportagem intitulada "Salazar operado" que registava a passagem das diferentes figuras públicas pelo átrio do Hospital da Cruz Vermelha para se inteirarem do estado de saúde de Salazar:
«A nossa reportagem registou o momento da chegada do supremo magistrado da Nação. E também, entre muitas outras figuras da nossa vida política as do... ministro dos Negócios Estrangeiros... ministro das Finanças... das Corporações... presidente da Comissão Executiva da União Nacional ... ministro da Presidência... subsecretário de Estado da Presidência do Conselho... ministro da Defesa Nacional... presidente da Assembleia Nacional... E com os governantes pode afirmar-se que todos os portugueses acompanham o acontecimento, revestindo-o do carinho que merece o ílustre enfermo (...)».


As duas notícias que acabam por se evidenciar na informação produzida logo no dia imediato à queda - o relatório médico, por um lado, e a reportagem protocolar das visitas ao Hospital, por outro, marcam, por assim dizer, a estrutura e o conteúdo da informação a partir desse dia e durante as semanas seguintes, mesmo para além da ascensão de Marcello Caetano à Presidência do Conselho. Doravante teremos sempre - na maior parte das várias edições diárias -, com algumas excepções, é certo, um boletim clínico e o "filme das visitas". Frequente será também uma espécie de revista da imprensa internacional sobre Salazar (dando estranhamente, e ao contrário do que, no fundo, era dito no noticiário nacional, praticamente como adquirida a sua finitude política). Repare-se que logo nos dias seguintes à operação se pretende veicular a ideia de "normalidade" e de "recuperação" do seu estado clínico. É o que acontece logo no dia 8, na 1ª edição, às 19h30: «Aos representantes dos órgãos de informação, de piquete permanente no Hospital da Cruz Vermelha, o ministro do Interior, dr. Gonçalves Rapazote, declarou esta manhã que o estado de saúde do sr. Presidente do Conselho é, na circunstância, o melhor possível. E, para reforçar esta afirmação revelou que 'o sr. prof. dr. Oliveira Salazar acabava de ser barbeado'»... Este último período era cortado no próprio alinhamento do telejornal, evitando assim Múrias o provável jogo com a metamensagem (o barbear dos mortos) que a imaginação popular poderia extrair das palavras do ministro... Mas ainda nessa mesma edição e nas edições seguintes, e para além dos boletins clínicos e dos "filmes das visitas", a televisão vincava sobretudo a ideia de normalidade do estado clínico de Salazar: «A notícia de que a operação a que foi submetido o sr. prof. dr. Oliveira Salazar havia decorrido satisfatoriamente e de que o período pós-operatório se processou com normalidade, foi recebido com viva satisfação em Luanda» (1ª ed. 8/9/68); «(...) A janela do quarto nº 68, onde convalesce o sr. Presidente do Conselho, abriu hoje pela primeira vez. O facto tem, em si, a força de um boletim médico - o mais optimista (...)»; e Manoel Caetano, lendo Manuel Maria Múrias, a abrir o telejornal de 12/9: «(...) Acentuam-se as melhoras do sr. Presidente do Conselho. A natural ansiedade dos primeiros dias substitui-se espraiado sentimento de clara euforia. Como sempre o país acompanhou Salazar - e dos mais longínquos lugares do território nacional chegam agora as manifestações de alegria (...). E o mar humano jamais deixou de crescer - o povo, na sua imensa sabedoria transforma a essência em acontecimento. (...) Salazar está melhor, Graças a Deus'». Finalmente, no telejornal de dia 14, com o sétimo boletim médico: «O sr. Presidente do Conselho entrou em franca convalescença e regressará brevemente à sua residência de Lisboa». No dia seguinte (TJ 15/9), «(...) chegava à Casa de Saúde da Cruz Vermelha o Sr. Presidente da República. (...) Américo Tomás dirigiu-se imediatamente para a sala de reuniões, no 7º andar do hospital, onde era aguardado (...)», indo depois «até ao quarto onde se encontra - felizmente já em franca convalescença - o sr. Presidente do Conselho (...). À saída era imensa a alegria que se via no rosto do sr. Presidente da República (...) os médicos repetiram ao senhor almirante Américo Tomás: Restituímos o sr. Presidente do Conselho à Nação completamente curado».

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