Assessores de comunicação vs. Jornalistas
Anónimo do Século XX
Se um jornalista deixou de o ser para entrar, como assessor, num gabinete ministerial, como encarar depois o seu regresso, de novo como jornalista, a uma redacção de um jornal, de uma rádio ou de uma televisão? Como o regresso de um ex-assessor ou de um ex-jornalista serventuário do poder?
A promiscuidade que nos últimos anos foi legitimada, nesta matéria, em sede de Estatuto dos Jornalistas, é um continuado erro que abala a dignidade e a independência da classe, contribuindo para reforçar a desconfiança que a opinião pública exprime sobre as ligações perigosas de práticas ditas “jornalísticas”. Miguel Sousa Tavares lembrou recentemente, no Expresso (“Jornalismo, modo de vida”, 3.6.06), que esta “absoluta promiscuidade” recebeu no passado o apoio da classe “com o próprio Sindicato dos Jornalistas a propor que se equiparassem os profissionais das agências a jornalistas, com carteira profissional e tudo”.
Certamente com a mesma convicção crítica, o governo holandês em boa hora decidiu impedir esta lógica de vasos comunicantes que em nada dignifica o jornalismo e muito menos as instituições comprometidas nessas práticas.
Apesar de tarde, vai-se sempre a tempo de introduzir este debate e procurar seguir o exemplo holandês. Temos em Portugal largas centenas de licenciados em assessorias de comunicação empresarial, organizacional e institucional, ou mesmo em relações públicas e marketing político, que deverão, esses sim, ser chamados ao exercício desse tipo de funções. Enquanto continuarem a ser os “ex-futuros-jornalistas” os porta-vozes de estratégias políticas e corporativas, continuaremos com uma delicada pecha na sociedade portuguesa.
Sabe-se agora que uma nova proposta de lei do Estatuto dos Jornalistas prevê o que é designado como um período de carência de seis meses, em que o ex-jornalista e/ou ex-assessor, não poderá trabalhar na esfera editorial da sua actividade anterior. É um avanço, mas que sabe a nada. O ideal seria que no espírito da lei houvesse uma clara desmotivação do retorno à profissão dos assessores do poder. Uma reserva de seis meses continua a ser, no fundo, um convite à serventia política dos ditos "jornalistas".
É inaceitável que um jornalista seja num dia profissional de marketing político ou propagandista desta ou daquela estratégia política e no dia seguinte regresse candidamente à redacção como se nada fosse com ele... Se não for colocada uma forte reserva ao regresso ao jornalismo desses servidores de gabinete, de modo a que iniba ao máximo essa obscena incompatibilidade, o “quarto poder” pouco mais será do que um quarto do poder.
A relegitimação dos media é uma “Via Crucis” dolorosa, para um objectivo porventura inalcançável. Exorcismos, alguns foram frontalmente assumidos. João Miguel Tavares escreveu “O pecado mora aqui”, no DN de 26.5.06, um pequeno guia para todos que andam perdidos: “os grandes pecados dos media nacionais são o comodismo, a desatenção, o respeitinho pelo poder, o alheamento da sua tarefa histórica de watch dog”. Assino por baixo.
(Publicado na Media XXI, nº 87)
3 Comments:
Não vale a pena insistir muito, pois continua a haver jornalistas que acham que quem escreve no "Avante!", no "Povo Livre" e no "Acção Socialista" deve ter direito a carteira de jornalista. E se esses têm, porque não dá-la também aos assessores governamentais no dia seguinte a terminarem funções?
O debate está inquinado há muito tempo e os interesses corporativos sobrepõem-se a qualquer debate sério sobre este tema. Se não fosse assim, como explicar que a lei continue a dar a carteira de jornalista a todo aquele que, mesmo já tendo deixado a profissão há muito, a exerceu durante 10 anos seguidos ou 15 interpolados? - Nº 5 do artº 3 do Regulamento da carteira profissional de jornalista.
É justamente isso, mas um dia, quem sabe, água mole em pedra dura...
O debate está definitivamente inquinado e assim continuará, enquanto à boa maneira portuguesa se confundirem "alhos com bugalhos".
Lendo alguns textos que por aí se escrevem, um qualquer cidadão ficará imediatamente com a ideia de que um assessor de imprensa para o ser, tem de:
- Ser subserviente ao poder
- Pouco ético
- “Profissional de marketing político ou propagandista”
Estas e outras definições de Assessores de Imprensa/ Comunicação, mostram uma visão talhada à partida para a critica vazia de argumentação e desprovida de sentido, ou em última analise simplesmente desconhecimento sobre aquilo que se discute.
Assim, resta-me olhar para o código deontológico do jornalista
(aquele que manda ouvir os 2 lados) e pelo menos tentar perceber se o Assessor poderá ter como função base a de Assessorar com base na experiência acumulada, apoiar o Jornalista no seu trabalho e se em vez de ser “propagandista” não estará no decurso da sua função a fazer ouvir o outro lado.
Uma coisa é definir a forma e o modo como os jornalistas regressam à profissão após passarem pela assessoria, outra totalmente diferente é partir-se do principio que a passagem por uma determinada experiência profissional inquina o espírito e os valores de tal forma que a pureza da classe tem ser protegida destes maléficos seres.
Expressões como “… regresso ao jornalismo desses servidores de gabinete…” mostra bem como ainda hoje se pensa que os valores, a ética e a deontologia são tão voláteis que se alteram simplesmente porque alguém deixou de escrever noticias e passou a escrever press relases.
Preocupa-me muito, isso sim, aqueles que não sendo jornalistas de formação e/ou vocação, tenham um acesso facilitado à carteira profissional.
Preocupa-me muito, isso sim, aquele que sendo jornalista se rege mais pelos seus interesses pessoais, nunca entregando a carteira e que continua a exercer a profissão de jornalista com o código deontológico bem guardado na gaveta do fundo.
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