20.7.06

Assessores de comunicação vs. Jornalistas

«Hoje, a comunicação serve sobretudo para dissimular a informação»
Anónimo do Século XX

Se um jornalista deixou de o ser para entrar, como assessor, num gabinete ministerial, como encarar depois o seu regresso, de novo como jornalista, a uma redacção de um jornal, de uma rádio ou de uma televisão? Como o regresso de um ex-assessor ou de um ex-jornalista serventuário do poder?

A promiscuidade que nos últimos anos foi legitimada, nesta matéria, em sede de Estatuto dos Jornalistas, é um continuado erro que abala a dignidade e a independência da classe, contribuindo para reforçar a desconfiança que a opinião pública exprime sobre as ligações perigosas de práticas ditas “jornalísticas”. Miguel Sousa Tavares lembrou recentemente, no Expresso (“Jornalismo, modo de vida”, 3.6.06), que esta “absoluta promiscuidade” recebeu no passado o apoio da classe “com o próprio Sindicato dos Jornalistas a propor que se equiparassem os profissionais das agências a jornalistas, com carteira profissional e tudo”.

Certamente com a mesma convicção crítica, o governo holandês em boa hora decidiu impedir esta lógica de vasos comunicantes que em nada dignifica o jornalismo e muito menos as instituições comprometidas nessas práticas.

Apesar de tarde, vai-se sempre a tempo de introduzir este debate e procurar seguir o exemplo holandês. Temos em Portugal largas centenas de licenciados em assessorias de comunicação empresarial, organizacional e institucional, ou mesmo em relações públicas e marketing político, que deverão, esses sim, ser chamados ao exercício desse tipo de funções. Enquanto continuarem a ser os “ex-futuros-jornalistas” os porta-vozes de estratégias políticas e corporativas, continuaremos com uma delicada pecha na sociedade portuguesa.

Sabe-se agora que uma nova proposta de lei do Estatuto dos Jornalistas prevê o que é designado como um período de carência de seis meses, em que o ex-jornalista e/ou ex-assessor, não poderá trabalhar na esfera editorial da sua actividade anterior. É um avanço, mas que sabe a nada. O ideal seria que no espírito da lei houvesse uma clara desmotivação do retorno à profissão dos assessores do poder. Uma reserva de seis meses continua a ser, no fundo, um convite à serventia política dos ditos "jornalistas".

É inaceitável que um jornalista seja num dia profissional de marketing político ou propagandista desta ou daquela estratégia política e no dia seguinte regresse candidamente à redacção como se nada fosse com ele... Se não for colocada uma forte reserva ao regresso ao jornalismo desses servidores de gabinete, de modo a que iniba ao máximo essa obscena incompatibilidade, o “quarto poder” pouco mais será do que um quarto do poder.

A relegitimação dos media é uma “Via Crucis” dolorosa, para um objectivo porventura inalcançável. Exorcismos, alguns foram frontalmente assumidos. João Miguel Tavares escreveu “
O pecado mora aqui”, no DN de 26.5.06, um pequeno guia para todos que andam perdidos: “os grandes pecados dos media nacionais são o comodismo, a desatenção, o respeitinho pelo poder, o alheamento da sua tarefa histórica de watch dog”. Assino por baixo.

(Publicado na Media XXI, nº 87)

3 Comments:

Blogger António Granado said...

Não vale a pena insistir muito, pois continua a haver jornalistas que acham que quem escreve no "Avante!", no "Povo Livre" e no "Acção Socialista" deve ter direito a carteira de jornalista. E se esses têm, porque não dá-la também aos assessores governamentais no dia seguinte a terminarem funções?
O debate está inquinado há muito tempo e os interesses corporativos sobrepõem-se a qualquer debate sério sobre este tema. Se não fosse assim, como explicar que a lei continue a dar a carteira de jornalista a todo aquele que, mesmo já tendo deixado a profissão há muito, a exerceu durante 10 anos seguidos ou 15 interpolados? - Nº 5 do artº 3 do Regulamento da carteira profissional de jornalista.

6:49 da tarde  
Blogger F. Rui Cádima said...

É justamente isso, mas um dia, quem sabe, água mole em pedra dura...

7:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O debate está definitivamente inquinado e assim continuará, enquanto à boa maneira portuguesa se confundirem "alhos com bugalhos".

Lendo alguns textos que por aí se escrevem, um qualquer cidadão ficará imediatamente com a ideia de que um assessor de imprensa para o ser, tem de:


- Ser subserviente ao poder

- Pouco ético

- “Profissional de marketing político ou propagandista”

Estas e outras definições de Assessores de Imprensa/ Comunicação, mostram uma visão talhada à partida para a critica vazia de argumentação e desprovida de sentido, ou em última analise simplesmente desconhecimento sobre aquilo que se discute.

Assim, resta-me olhar para o código deontológico do jornalista
(aquele que manda ouvir os 2 lados) e pelo menos tentar perceber se o Assessor poderá ter como função base a de Assessorar com base na experiência acumulada, apoiar o Jornalista no seu trabalho e se em vez de ser “propagandista” não estará no decurso da sua função a fazer ouvir o outro lado.


Uma coisa é definir a forma e o modo como os jornalistas regressam à profissão após passarem pela assessoria, outra totalmente diferente é partir-se do principio que a passagem por uma determinada experiência profissional inquina o espírito e os valores de tal forma que a pureza da classe tem ser protegida destes maléficos seres.

Expressões como “… regresso ao jornalismo desses servidores de gabinete…” mostra bem como ainda hoje se pensa que os valores, a ética e a deontologia são tão voláteis que se alteram simplesmente porque alguém deixou de escrever noticias e passou a escrever press relases.

Preocupa-me muito, isso sim, aqueles que não sendo jornalistas de formação e/ou vocação, tenham um acesso facilitado à carteira profissional.

Preocupa-me muito, isso sim, aquele que sendo jornalista se rege mais pelos seus interesses pessoais, nunca entregando a carteira e que continua a exercer a profissão de jornalista com o código deontológico bem guardado na gaveta do fundo.

1:01 da tarde  

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