Carta Aberta aos Provedores do Público, Diário de Notícias e Jornal de Notícias
Suponho que está na agenda pública, política e mediática, com carácter de prioridade, o tema da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC).
Digo suponho, porque, ao ler a imprensa, em geral, não consigo ver essa prioridade com total evidência. Mas, nem por isso o tema deixa de ser absolutamente prioritário, designadamente pelo seu elevado interesse cívico, político e mediático.
Nestes últimos dias, tanto quanto consegui acompanhar, em termos de grande imprensa – e, em particular, quanto às questões da cooptação do último membro do Conselho Regulador e da Presidência do novo regulador da Comunicação Social –, o tema começou por ser referido pelo Diário de Notícias e pelo Correio da Manhã, depois pelo Público. Não vi referência no Jornal de Notícias, no Expresso deste fim-de-semana tão pouco.
A questão fundamental, quanto à matéria, é agora o que envolve o ‘quem’ – isto é, quem (como, quando, etc.) é que os membros já propostos pelo PS e PSD para o Conselho Regulador designarão como “cooptado”? (Artº 17º - “Cooptação” - da "Lei que cria a Entidade Reguladora para a Comunicação Social", do Anexo "Estatutos da ERC, Entidade Reguladora para a Comunicação Social").
A 26 de Janeiro, aquando da audição dos membros indigitados pela Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias da AR, o Diário de Notícias, referia: “Nenhuma boca se abriu para revelar o nome do quinto elemento da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), mas uma coisa é certa, será ele o presidente do novo conselho regulador que irá substituir a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) em Fevereiro.”
No mesmo dia 26 de Janeiro, no entanto, o Correio da Manhã avançava: “Azeredo Lopes é o último nome que faltava para fechar o conselho regulador da entidade (ERC) que controlará os media. A escolha do professor universitário terá sido acertada ao mais alto nível político, apurou o CM”.
Ora, sabe-se que só no próximo dia 2 de Fevereiro a Assembleia da República aprovará os primeiros nomes propostos por PSD e PS para o Conselho Regulador, a saber: Estrela Serrano, Rui de Assis Ferreira, Elísio Cabral de Oliveira e Luís Gonçalves. E estes é que cooptarão o 5º membro…
Sabe-se também, pela Lei (Artº 17º - “Cooptação” - da "Lei que cria a Entidade Reguladora para a Comunicação Social", do Anexo "Estatutos da ERC, Entidade Reguladora para a Comunicação Social"), que “1 - No prazo máximo de cinco dias contados da publicação da respectiva lista na 1.ª série-A do Diário da República, os membros designados reunirão, sob convocação do membro mais velho, para procederem à cooptação do quinto membro do conselho regulador.” E “2 - Após discussão prévia, os membros designados devem decidir por consenso o nome do membro cooptado.”
Aparentemente, portanto, antes ainda de a Lei o permitir, o que a imprensa diz é que alguém "ao mais alto nível" já o havia decidido. É o que resulta da leitura das diferentes notícias.
Acrescentava o Público de 27 de Janeiro, no texto intitulado "Azeredo Lopes é o presidente da Entidade Reguladora" que “O nome de Azeredo Lopes, formalmente cooptado pelos restantes membros, foi objecto de negociação entre os dois maiores partidos parlamentares”. A frase contradiz-se a si própria e provavelmente quer referir-se a alguma reunião informal – e não formal – dos membros indigitados.
Donde se extrai, em função das notícias, que antes ainda da reunião formal dos indigitados, como impõe a Lei, já existe nome para a Presidência do Regulador, personalidade assim previamente acordada entre os líderes do bloco central, nome que aparenta ainda, por coincidência ou não, estar consensualizado entre os indigitados. O Correio da Manhã – que tem dado a este caso uma atenção maior que os diários de referência – chega mesmo a escrever que “o nome foi ‘sugerido’ pelo PS e PSD e não ‘imposto’”.
Ora, o facto é que, como resulta da Lei, o nome em causa teremos que sabê-lo rigorosamente da boca dos indigitados, após a reunião que virão a ter até cinco dias depois da publicação em DR da sua nomeação.
E vamos sabê-lo, certamente, com total transparência de procedimentos, honrando a República e o Regime.
Honrando também os cidadãos deste país, que depositam alguma esperança nesta ERC, findos largos anos de ‘desertificação’ do regulador e de uma quase inexistente monitorização do sector da Comunicação Social em Portugal.
Presume-se assim, legitimamente, que na reunião a realizar pelos membros indigitados, para a escolha do 5º membro (cooptado), vários nomes de personalidades de prestígio do sector estejam sobre a mesa, apresentados pelos próprios membros indigitados, como se infere da Lei.
Que a par dos nomes, estejam os seus Curricula, actualizados, de preferência, para que a decisão seja o mais consciente e informada possível.
Que esses nomes e esses curricula sejam devidamente discutidos e analisados pelos membros indigitados.
Que os diferentes nomes discutidos e a análise e eventual seriação que daí resultar, fique narrada em Acta (que, naturalmente, deverá ser depois divulgada aos media), na salvaguarda da total transparência que se exige para este processo de elevada importância para a Comunicação Social portuguesa, o mesmo é dizer, para o País.
Da seriação, presume-se que surgirá o convite à(s) personalidade(s) em causa. Este é, aliás, um procedimento absolutamente normal em entidades como o Conselho de Opinião da RTP, e também o foi no da RDP, conselhos de reduzidas competências vinculativas, ao contrário, naturalmente, da ERC, que é um regulador sectorial. Donde, por maioria de razão, se exige aqui um procedimento de grande rigor, de absoluta transparência. Só assim será, como deve ser, incensurável.
Sem querer desenvolver muito mais esta questão (pretendendo apenas dar algumas pistas para uma melhor cobertura e esclarecimento do caso por parte dos media), gostaria de acrescentar o seguinte: há em Portugal um conjunto de personalidades que, na minha opinião, não podem estar afastadas à partida deste processo de selecção. Refiro-me, nomeadamente, aos catedráticos e académicos que trabalham, alguns há 3 e 4 décadas, no (e sobre o) sector. Correndo o risco de esquecer alguns colegas, e embora não tendo procuração deles, permitam-me que aqui os nomeie:
Professores Catedráticos de Ciências da Comunicação:
Adriano Duarte Rodrigues (Universidade Nova de Lisboa)
António Marques (Universidade Nova de Lisboa)
Nelson Traquina (Universidade Nova de Lisboa)
João Sàágua (Universidade Nova de Lisboa)
Aníbal Alves (Universidade do Minho)
Moisés de Lemos Martins (Universidade do Minho)
António Fidalgo (Universidade da Beira Interior)
Outros Professores da área, de elevados méritos públicos:
José Manuel Paquete de Oliveira (ISCTE)
José Rebelo (ISCTE)
José Bragança de Miranda (Universidade Nova de Lisboa)
Manuel Pinto (Universidade do Minho)
Mário Mesquita (ESCS)
Mas muitos outros professores e investigadores de grande mérito se têm destacado na área das Ciências da Comunicação e da Comunicação Social nos últimos anos, sobretudo no quadro dos investigadores doutorados. Temos algumas dezenas de académicos e investigadores de grande mérito na área, a nível nacional, e seria importante – e natural – que muitos deles tivessem os seus CV’s em cima da mesa, pelo menos em cima da mesa dos membros indigitados, na altura da discussão e da decisão sobre o membro cooptado.
Esperemos que assim seja, em nome da 'meritocracia' e não tanto da 'partidocracia' ou dos grupos de interesses, e em nome também da total transparência de procedimentos, garante elementar da própria independência da ERC e da sua futura credibilidade.
E permitam-me ainda referir que, ao contrário do referido membro cooptado ‘avant la lettre’, segundo a imprensa, nenhum dos nomes por nós sugeridos é, tanto quanto é público, como Azeredo Lopes, especialista em “assuntos internacionais”, nem tão pouco terão colaborado estrategicamente com o gabinete do Ministro Morais Sarmento, o que porventura, quem sabe, poderá ser uma inultrapassável desvantagem. É o que importará também apurar.
Caros Provedores do Público, Diário de Notícias e Jornal de Notícias,
Como certamente concordarão, as questões que aqui invoco são questões de Cidadania, de transparência, de lisura de procedimentos, de interesse público e da sua rigorosa ‘pilotagem’ e agendamento por parte dos media.
A narrativa mediática que até agora nos chegou sobre todo este caso, é muito insuficiente, contraditória e, portanto, preocupante.
Um Regulador fragilizado pelo anátema da falta de independência, é sempre um regulador permissivo e dificilmente imporá o seu programa mínimo face aos elevados objectivos e desígnios que a Cidadania exige do seu sistema mediático e mais em particular do seu sistema público mediático (julgamos que a Lei também é solidária nesta matéria, mas tem porventura alguma letra morta).
Longe de nós pensar que é essa fragilidade, um tanto cinicamente, o secreto desejo dos media ao se descartarem da investigação jornalística devida, procurando com isso deixar que as coisas mudem de fachada, para que tudo fique na mesma. Mas fica sempre a suspeita.
Solicito-vos assim o vosso melhor empenho no sentido de contribuírem para um mais cabal esclarecimento das questões aqui enunciadas, ainda algo obscuras, e também de procurarem incentivar, dentro das vossas competências, os profissionais dos órgãos que têm servido de forma empenhada (com relevantes serviços prestados por parte dos actuais e anteriores provedores), a trazerem até nós uma informação clara, contextualizada, aprofundada, em particular, portanto, sobre o processo de constituição da Entidade Reguladora da Comunicação Social.
A imperiosa necessidade de uma ERC forte, independente e desassombrada dos espectros que sobre ela já pairam, assim o exige.
Resta saber se ainda vamos todos a tempo de evitar o paradoxal risco, sempre possível neste sector – e com alguma tradição neste país, diga-se de passagem – de acabar por ver os regulados (por vezes associados à tutela) a pilotar o próprio regulador e não, justamente, o contrário.
Vosso,
Francisco Rui Cádima
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