1.12.05

A violência nos Media e a questão da auto-regulação

A tese de que a televisão é portadora de todos os males presentes e futuros da nossa sociedade é uma tese recorrente, nomeadamente nos estudos sobre a relação entre a violência social e os meios de comunicação. É, no entanto, do meu ponto de vista, uma tese radical, sustentada por pontos de vista fundamentados mais em valores e impressões do que em estudos rigorosos e insuspeitos sobre a matéria.

Em Portugal, em termos institucionais e de há cerca de dez anos para cá, a forma que tem sido seguida no sentido da prevenção dos excessos tem passado fundamentalmente pela assinatura de pactos de conduta entre os canais de televisão, públicos e privados, numa lógica mais de auto-regulação do que de intervenção directa do Estado.

Aliás, este é de alguma maneira o modelo que tem vindo a ser seguido por alguns países, entre os quais a França, modelo que previsivelmente poderá ser alargado e normalizado a nível europeu, nomeadamente entre os países da União Europeia.

Nesses pactos procura-se prevenir não só a violência gratuita, sobretudo nos programas destinados ao público infantil e juvenil - designadamente aqueles que possam atentar contra o desenvolvimento físico, mental e moral dos menores -, mas também defender a qualidade da programação e a sua inserção em determinados espaços horários apropriados ao conteúdo das emissões.

Segundo alguns estudos de reputados centros de investigação é grave veicular a ideia de que são os meios de comunicação que transmitem a violência à sociedade. Como afirmámos no nosso livro O Fenómeno Televisivo (Círculo de Leitores, 1996) acusar a TV de uma responsabilidade que ela não tem, e que incumbe a outra ordem de factores, pode ter consequências ainda mais graves para a sociedade (censura, repressão, puritanismo, etc.), do que para o próprio meio de comunicação em causa. A TV é fundamentalmente um factor de difusão dessa violência das sociedades - da violência do real e da ficção, estereotipada - e é nessa sua condição que deve ser privilegiada a análise.

Desse ponto de vista os projectos de auto-regulação parecem-me operativos sobretudo neste quadro que procura desmistificar um perigo que está efectivamente no corpo social e sobretudo nas suas margens, que a própria sociedade produz. É interessante ver qual o resultado do primeiro relatório feito em França sobre os mecanismos de auto-regulação em relação à questão da violência. Com efeito, o Conselho Superior do Audiovisual francês divulgou no iníco de 1998 as conclusões de um estudo relativo à aplicação da sinalética anti-violência na televisão francesa ao longo de um ano (de Novembro de 1996 a Novembro de 1997).

Com efeito, em França, desde Novembro de 1996 que os operadores de televisão acordaram não só na introdução de uma sinalética que avisa quais os programas com uma carga excessiva de violência, mas também na adopção de um dispositivo de classificação da emissões. Neste último caso, trata-se de um grupo de cinco sinais que classificam os programas desde aqueles que são para «todos os públicos», até aos que são para um público adulto.

A aplicação de ambos os dispositivos é apenas utilizada na ficção e nos documentários televisivos e cinematográficos e, nestes, apenas uma parte do todo - 8 por cento, segundo o estudo -, é que foi sujeita à sinalética e à classificação. Trata-se, na sua grande maioria, de filmes exibidos após as 22h00, que são geralmente aqueles que, segundo a classificação, são interditos a menores de 12 anos, embora, a título excepcional, possam ser exibidos quando acompanhados de uma sinalética permanente.

A sinalética vermelha indica os programas de carácter erótico ou de grande violência, correspondendo a uma interdição dos menores de 16 anos. Doze por cento do total de filmes assinalados tiveram o quadrado vermelho. Finalmente, entre os que são absolutamente proibidos nas TV's que emitem em aberto, ou seja, os «filmes de carácter pornográfico ou de extrema violência susceptíveis de prejudicar gravemente o desenvolvimento físico, mental e moral dos menores», apenas foram identificados 20 filmes, mas todos no quadro previsto, uma vez que passaram num canal de Pay TV - o Canal Plus.

As divergências de apreciação entre o CSA e as redes de TV sobre a classificação não foi excessiva, contando-se em cerca de 10 por cento os casos em que houve diferença de opiniões. No conjunto, o balanço foi francamente positivo. Por ocasião da apresentação do relatório à comunicação social, o presidente do CSA, Hervé Brouges, limitou-se a sugerir algumas propostas para melhorar o modelo existente. Entre elas, a necessidade de haver formação específica audiovisual nas escolas, de serem lançados estudos qualitativos nomeadamente na programação infantil e juvenil, de reforçar a ética de difusão na área da informação, de serem difundidos programas de valor educativo e cívico, de homogeneizar o sistema de classificação e a sinalética entre todos os canais e a nível europeu, de continuar a sensibilizar o público e os media em relação a estas questões. Enfim, um balanço largamente satisfatório, o que prova ser possível a auto-regulação entre TV's públicas e privadas.

A questão da auto-regulação é assim de grande importância neste plano e provavelmente será ela a ser decisiva na regulação desta complexa questão no futuro próximo. Isto, muito embora de acordo com estudos recentes e fidedignos, a violência estereotipada nos media não transmitir violência à sociedade. Acusar os media de principais instiladores da violência é, do nosso ponto de vista, iludir o problema. As raízes da violência só podem, por isso, ser encontradas em contextos mais complexos da sociedade.
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