24.10.05

Espiral de silêncios

No 4º congresso da Sopcom - «Repensar os Media: Novos Contextos da Comunicação e da Informação», Felisbela Lopes (Univ. do Minho) apresentou dados importantes obtidos no âmbito da preparação do seu doutoramento, incidindo sobre a informação televisiva semanal emitida no horário da noite, dos canais generalistas portugueses, no período 1993-2003: «Nos primeiros dez anos de coabitação entre os sectores público e privado de televisão, a informação semanal teve um percurso algo atribulado: encarada inicialmente como uma área estruturante no segmento nocturno, esse tipo de programação foi perdendo espaço a partir de finais dos anos 90, nomeadamente nos canais privados. Tendo como referência programas que se desenvolvem pela conversação em estúdio, uma das questões que importa discutir para avaliar o tipo de espaço público que essas emissões desenham diz respeito à identificação daqueles a quem os jornalistas dão a palavra. Da análise dos programas de debate e de grande entrevista emitidos na RTP1, SIC e TVI entre 1993 e 2003, concluímos que a classe política foi aí a mais privilegiada, mas nem todos tiveram o mesmo direito à palavra televisiva. Ministros, líderes partidários e os deputados mais conhecidos das diferentes bancadas parlamentares constituíram-se como uma espécie de donos dos plateaux da informação semanal da TV generalista.»

Desse modo, as televisões generalistas portuguesas contribuem não só para a não renovação da classe política - no que concerne em particular ao sistema enunciativo dos diferentes actores sociais em televisão -, mas também para a criação de um espaço público de debate que coloca, em regra, no domínio do esquecimento, a dimensão da cidadania, os representantes da sociedade civil, das suas múltiplas entidades e instituições, a experiência social e a virtude cívica: «Entre 1993 e 2003, os programas de debate e de grande entrevista dos canais generalistas não foram espaços democráticos, antes desenharam palcos elitistas cujo direito à palavra foi dado a quem se reconhecia certas capacidades. (…) Neste cenário, os políticos mais conhecidos e com cargos de destaque tinha um bilhete de entrada assegurado e foi isso que aconteceu no período estudado. Percorrendo os interlocutores chamados a participar nas discussões que a TV organizou neste tempo, facilmente se verifica que os canais generalistas, através dos programas de debate e de grande entrevista, nunca reflectiram a opinião pública, antes a reconstruíram em torno dos mesmos “confrades”. (…) Os programas de debate e grande entrevista preferiram passar à margem destas questões e, com isso, construíram um espaço televisivo monolítico, pouco igualitário e fomentador de uma enorme espiral do silêncio.»

(Felisbela Lopes, «Os donos dos plateaux da informação semanal na TV generalista», Livro de Actas do 4º Congresso da SOPCOM (edição digital), Universidade de Aveiro, Outubro de 2005, pp. 225-233)
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