22.5.04

Narratividade vs. interactividade – do linear ao multi-linear

Nesta comunicação procurar-se-á pensar e discutir o contexto da transição do analógico para o digital no quadro emergente de competências e de conceptualização não-lineares e multi-lineares, face à presença pouco permeável e territorial dos códigos convencionais da linearidade. Reflexão que tem em vista problematizar as lógicas de migração dos meios de comunicação de massa, do audiovisual e do seu discurso clássico, para o multimédia interactivo.


1. Dispositivos lineares e politópicos

Desde logo a questão da escrita. Há uma fractura a registar no acto de fundação da escrita, que é justamente o momento em que a expressão gráfica se subordina à expressão fonética pelo uso do dispositivo linear – processo a que Deleuze chama de ‘ruptura no próprio mundo da representação’ 1 .

É o fim da inumerabilidade do signo e o significante torna-se "despótico". Já para McLuhan a assimilação da ‘tecnologia’ do alfabeto fonético transfere o homem do mundo ‘mágico’ da audição para o mundo ‘neutro’ da visão.

Para trás ficam os geo-grafismos, o território de ressonância da inscrição, do código e da marca primitiva. No novo regime «a boca já não fala, bebe a letra. O olho já não vê, lê. O corpo não se deixa gravar como a terra, prostra-se em frente das gravuras do déspota, a outra terra, o novo corpo pleno» 2 .

Importa então analisar, nesta arqueologia da alfabetização do olhar (narrativizado, linear, táctil), tecnologias do olhar e estratégias que se produzem na espacialidade, no político, na estrutura do espaço figurativo, nos corpos.

E procurar perceber porque é que desde Cézanne se abandonou o visual em favor dos modos lábeis (e audiotácteis) da experiência. E, por acréscimo, problematizar o papel que tiveram o alfabeto e a tipografia, as mediações simbólicas e tecnológicas, na atribuição da função emergente do sentido da visão na linguagem e na arte.

Por exemplo, com a escultura grega arcaica é já claramente uma concepção antropomórfica que ameaça querer constituir-se como centro do campo representativo. A própria mitologia refere Dédalo como o primeiro a dar vida aos corpos de mármore, o artista qui deorum simulacro primus fecit, o criador das estátuas «o primeiro a abrir-lhes os olhos, a descerrar-lhes os lábios, aquele que lhes alargou as pernas, desprendeu os braços do corpo, soube infundir-lhes vida, de tal modo que pareciam mover-se, caminhar, olhar, respirar» 3 .

Na Grécia, numa primeira fase, a plástica arcaica não é ainda da ordem da mimesis como viria a ser a escultura imperial em Roma no século de Augusto, ou mesmo a escultura helenística tardia: «a escultura arcaica grega, fundamentalmente constituída por imagens de divindades, por deuses antropomorfizados, filiava-se sem dúvida numa poiesis.» 4

Este é de facto o período em que se começa a notar como que uma progressiva hemorragia do simbolismo. Fenómeno que não se verificará somente no domínio da arte. Lévi-Strauss diria (entrevista a Georges Charbonnier): «Un ethnologue se sentirait parfaitement à son aise, et sur un terrain familier, avec l'art grec antérieur au Vè siècle et même avec la peinture italienne quand on l'arrête à l'Ecole de Sienne. Là où le terrain commencerait à céder sous nos pas, ce serait donc seulement, d'une part avec l'art grec du Vè Siècle, de l'autre, avec la peinture italienne à partir du Quattrocento» 5 .

O progressivo desaparecimento da função semântica da obra, verifica-se, assim, no contexto de uma aproximação «de plus en plus grande du modèle qu'on cherche à imiter, et non plus à signifier» 6.

É pois este movimento da ordem da mimesis sobre a poiesis, que se poderia ver como um «desperdício dos símbolos da linguagem» (Leroi-Gourhan) ou como pura «evaporação do sentido da obra» (Gilbert Durand), que nos remete exactamente para a fundação de um regime disciplinar do olhar, de uma ‘aptidão de ver’ que é em si mesma uma exclusão.

Afinal, desde o século XIII, as artes e a consciência já não se propõem reconduzir a um sentido, mas sim ‘copiar a natureza’.

O novo modo de representação, isto é, este regime analógico (de analogias), emerge do próprio aristotelismo: «A poética de Aristóteles, que será a Bíblia da estética ocidental até ao romantismo, repousa essencialmente sobre a noção de imitação. A imitação não é mais do que a extrema degradação da redundância.» 7

A construção pictural dos Gregos teria respondido à organização da cena fundada sobre a multiplicidade dos pontos de vista, espécie de multi-linearidade avant-la-lettre (tal como surgirá, no teatro, a cena politópica antiga e medieval), enquanto que a pintura da Renascença vai elaborar um espaço centrado («A pintura não é mais do que a intersecção da pirâmide visível seguindo uma distância dada, um centro fixo e uma determinada luz» - Alberti) em que o centro coincide com o olho que será justamente chamado por Jean Pélerin Viator (De Artificialis Perspectiva, 1505) de ‘sujeito’ 8 .

Não é só, no entanto, a concepção do espaço que muda radicalmente. Há um imenso movimento de descontextualização a atingir a Europa nos séculos XV/XVI. «Tudo sofre uma reviravolta: o tempo liberta-se pouco a pouco das redes simbólicas e, deixando de se medir pela vida humana, e pelos ciclos astrais, tende a tornar-se a medida de todas as coisas. Agora é o espaço que será medido pelo tempo. A geometria torna-se a linguagem da nova temporalidade». 9

Com o Renascimento, o espaço deixa de dominar para ser dominado; a própria espacialidade encontra uma lei. Ao nível da arquitectura, com Brunelleschi, pela primeira vez, o edifício deixa de possuir o homem, para ser este, aprendendo a lei simples do espaço, a possuir o seu segredo.

Dominado o espaço, emergem as figuras de ficção e a representação imaginária. Mas dominando o espaço, o homem deixa também dominar-se por ele. Centramento e descentramento são já aqui uma luta de contrários. A própria imagem do homem muda com a concentração no espaço fechado que é a cidade - a ville-machine, ou a ville-matrice. O ‘olho-sujeito’ transforma finalmente a terra-mãe em terra-objecto, território sobrecodificado, para ser a partir desse novo modelo centrado que se geram novas produções de sentido.


2. Da narrativa ‘teleológica’ ao anti-narrativismo

A história da narrativa começa por ser a história de um fluxo linear de escrita. Da cultural oral ficava-nos fundamentalmente a referência a um complexo processo enunciativo: os Poemas Homéricos (espécie de ‘storyspace’, dúctil e múltiplo’ 10) através de sucessivas interpolações e reconstruções generativas (sensivelmente do século XX a.C. ao século VI a.C.).

É sabido que para Aristóteles a origem da tragédia estava já contida na estrutura narrativa dos Poemas. Eles «são, por exemplo, o modelo, directo ou indirecto, de toda a poesia épica subsequente e influem consideravelmente na lírica (…)»11, tendo sido fundamentalmente um dos raros sistemas enunciativos de «reificação» de uma história mnemónica, oralizada,

Recorde-se Aristóteles e a sua Poética 12 : «L'historien et le poète, ne diffèrent pas par le fait qu'ils font leur récit l'un en vers, l'autre en prose. On aurait pu mettre l'oeuvre de Hérodote en vers et elle ne serait pas moins de l'histoire en vers qu'en prose. Ils se distinguent au contraire en ce que l'un raconte les événements qui sont arrivés, l'autre des événements qui pourraient arriver. Aussi la poésie est-elle plus philisophique et d'un caractère plus élevé que l'histoire car la poésie raconte plutôt le géneral, l'histoire le particulier».
A questão da narrativa histórica sempre preocupou Ricoeur. Em Histoire et Vérité (1955) abordava já a crise da história e do conceito de verdade de um ponto de vista hermenêutico. Mais tarde, em A Metáfora Viva (1975) considera a metáfora como o poder através do qual o discurso pode reescrever a realidade, de uma forma «suprema», aliás.
A grande obra de Ricoeur, Temps et Récit, aprofunda a questão do acto de narrar e a reciprocidade entre narratividade e temporalidade. Considera a narrativa como a guardiã do «tempo», uma vez que a experiência temporal apenas pode ser narrada.
Na análise da narratividade, do que se trata é de pensar um «impossível» (precisamente o acto de narrar), é de reunir as formas e as modalidades do jogo de narrar, disseminadas em géneros literários cada vez mais específicos, separados em narrativas com uma pretensão à verdade e em narrativas que a não têm.
A unidade funcional deste campo espartilhado é o seu carácter temporal. A narrativa é uma re-figuração da experiência, que, no fundo, contém já em si própria uma estrutura pré-narrativa, feita de «histórias» que procuram ser narradas. A questão é, afinal, a identidade entre a narrativa do ‘real’ e a narrativa de ficção. Desta forma, tratando a qualidade temporal da experiência como referente comum, Ricoeur constitui um problema único, a saber, ficção, história e tempo, filiados na muthos aristotélica, na mise-en-intrigue clássica, na selecção/distribuição teleológica dos acontecimentos e das acções narradas.
Sendo certo que na vertigem dos traços, dos fragmentos, das cintilações, e até dos nomadismos não-lineares e descronologizados a narrativa descreve de modo mais poiético e essencial aquilo a que se convencionou chamar ‘o real’.

A questão está então na dificuldade em superar os ‘teleologismos’ lineares e em retomar a ordem politópica da representação ‘figurativa’ na própria narrativa.

E não basta pensar, como sobre o Quixote, que o romance é o único género a poder traduzir as tendências evolutivas do mundo em devir e a infinitização do discurso: «C'est dans le roman seulement que le discours peut révéler toutes ses possibilités originales et atteindre à des profondeurs réelles.» 13

O final do século XIX e início do século XX bem como os modernismos marcam alguns dos limites da linearidade, com exemplos que vão, desde a emergência da pintura face à fotografia e suas consequências, à emergência do cubismo face aos paisagismos do século XIX, passando pelo cinema com a montagem das atracções de Eisenstein, passando por James Joyce e indo até Michel Butor ou Jay Bolter.

A segunda metade do século fica, para além do mais, marcada por movimentos múltiplos desconstruccionistas, da teoria das catástrofes às descontinuidades foulcautianas.

Mas se a narrativa clássica é fundamentalmente um fluxo linear de escrita, a narrativa interactiva e o hipertexto pretendem ser outra coisa e quando aplicados à dimensão ficcional, não são fluxo, nem tão pouco são lineares. Marcos Palacio 14 propunha, por exemplo, a multi-linearidade do hipertexto, em contraposição à uni-linearidade do texto tradicional.

Há no entanto uma dificuldade que se mantém não só face ao multimédia interactivo em geral, mas em particular ao storytelling dos modelos interactivos, trate-se ou não de ficção: a dificuldade de conceber lógicas potenciadores de interacção no plano do modelo de interface, da mise en intrigue interactiva e da base de conteúdos, e de as adequar aos seus públicos específicos e eventualmente mesmo ao público em geral, o que tem resultado na verificação de um obstáculo difícil de transpor – pensar/conceber a formatação multimédia dos conteúdos interactivos ainda (dir-se-ia: sempre) com uma forte dependência conceptual do analógico…

Como resolver? Eventualmente, despertando o ‘chip’ que há em nós… ou que progressivamente começa a haver em nós. Mas essa é a dificuldade maior, que se prende sem dúvida com a inversão de um modelo cultural milenar, pós-alfabético.

Para além dos autores habitualmente referenciados, no plano sobretudo anglo-saxónico, alguma pesquisa tem sido feita entre nós nestas áreas. Vejam-se os trabalhos de José Augusto Mourão e também um interessante texto de Patrícia Valinho recentemente editado, «TV Interactiva: ao encontro de um novo utilizador». Neste texto, Patrícia Valinho 15 trabalha, a partir de Janet Murray, uma das possibilidades de convergência entre a narrativa digital e a televisão interactiva: o hyperserial. Formato que traz, nas suas palavras, uma maior sustentação à narrativa digital e à televisão interactiva dado que vem resolver alguns constrangimentos de interactividade - e consequentemente de acessibilidade e usabilidade dos conteúdos.

Mas outros exemplos podem ser referidos no quadro do equilíbrio entre televisão e narrativa digital: veja-se o «Pyramid Challenge», uma série da Sky Digital, programa que engloba três componentes distintas: o jogo interactivo, a narrativa interactiva e o documentário. Veja-se o modelo de ‘autoria’ ‘Storyspace’, de Michael Joyce e Jay Bolter.

Mas os avanços não são de facto suficientes para falar de um modelo novo de televisão «(…) intuitivo e simples, facilmente adaptável a qualquer utilizador», como refere Valinho. Importa então deixar aberta a dimensão politópica, da não-linearidade à multi-linearidade, mesmo quando, como acontece com Fallout 2, «a narrativa segue, quase que passo a passo, os modelos clássicos, tanto na construção do herói, quanto na construção do mito trágico em si (…). Assim, este jogo, pode possuir diversas linhas narrativas, pode-se dizer até, que a quantidade dessas linhas é infinita. Mas, não importa quantas voltas e nós essa linha possua, nem quantas linhas estejam a ela ligadas, ela continua sendo uma linha.» 16.


3. Da ordem da indústria e da tecnologia

A ordem da técnica impõe no último quartel do século XX a transição progressiva do analógico para o digital, não sem que antes os meios de comunicação de massa se arrogassem o direito de produzir modelos interactivos a partir de canais de retorno complementares, como o telefone, por exemplo. Isso sucedeu fundamentalmente na rádio e na televisão, nos anos 60 e 70.

Mas às primeiras experiências rapidamente sucedem as grandes utopias. Falava-se no final dos anos 80 nos "vídeo-servers" do século XXI, nos grandes catálogos, nos videogravadores virtuais, imaginando-se a disponibilização da "videoteca universal" cumprindo a utopia de Borges passando o "mapa" a ser idêntico ao território. Utopia aliás, em vias de concretização precisamente neste início de século XXI com o Google Video e o Yahoo, que permitirão procurar um arquivo cada vez maior de conteúdos vídeo, e que estão claramente à conquista do arquivo global, numa primeira fase com os muitos milhares de programas que as televisões emitem diariamente e depois com a universalidade das imagens em movimento, dos ‘home channels’ e dos vídeo blogues às velhas redes generalistas com as suas janelas online.

Em termos de mass media, a transição para o digital, na perspectiva mais precisa da interactividade, é imediatamente visível na televisão. Desde logo no plano da interactividade restrita, com canal de retorno complementar, e mais tarde mesmo digital, tudo começa por volta dos anos 70, com a experiência Qube, lançado pela Warner nos EUA, em Dezembro de 1977. Era então um sistema de televisão que de certa maneira correspondia à tendência dos anos 70 para uma maior individualização do consumo de televisão e do consumo através da televisão. Recordem-se nomeadamente os sistemas on demand e o home shopping – como o QVC (Quality, Value, Convenience) e a HSN (Home Shopping Network) que desde cedo se tornam uma autêntica indústria nos EUA, uma indústria que reúne dois dos pas­satempos preferidos dos americanos: o con­sumo e a televisão.

No Canadá surgia o projecto Videotron / Videoway, no Canadá alargado depois aos E.U.A. e tam­bém ao Reino Unido. Através do teleco­mando e de início com o complemento telefónico eram fornecidos serviços de modo bi-direccional. Existia um ter­minal telemático (telecompras, telebanco, tel­ereservas), um terminal domótico (televigilân­cia, telegestão de equipamentos), correio electrónico, com comunicação entre os difer­entes utilizadores e um fornecedor de serviços. Existia também o acesso a catálogos ou bancos de ima­gens digitalizadas combinadas com bancos de dados. O assinante podia jogar no casino virtual, consultar o astrólogo, ler jornais electrónicos, etc.

Depois surgem as primeiras experiências da Time Warner no sistema de pay per view em Queens e Brooklin, lançadas em Dezembro de 1991. Um terço dos 150 canais de rede integravam serviços de video on demand, telecompras, serviços financeiros, informação médica, formação profissional e pay per play - jogos vídeo).

Pouco depois surgia a experiência de Orlando, na Florida, também da Time Warner, Era um sistema on demand, designado por Full Service Network (FSN). Entre os diversos serviços podia contar-se o video on demand, jogos video em pleno écran e tempo real, bases de dados, telecompras interactivas, educação e formação ao domicílio, serviços de comuni­cação interpessoal, etc. Foi mais um projecto-piloto que não teve a sequência desejada, tendo, na mesma altura (anos 1992-93) envolvido um orçamento superior ao do lançamento de uma estação privada de televisão em Portugal, cerca de 15 milhões de contos. Com um total de quatro mil lares aderentes, este projecto experimental lançado por aquele gigante da comunicação, pretendia testar um serviço de televisão interactiva onde não faltava nada: dos filmes em video-on-demand, que é o serviço de maior sucesso, aos telejogos. As dúvidas em relação a este sistema interactivo da Time Warner colocavam-se designadamente em relação à lentidão da rede e à sua alegada frequente inoperacionalidade (para testes, modificações, estudos, etc.).

A interactividade emergiu depois com um menu muito alargado de serviços, produtos e conteúdos, num registo técnico que poderá não ser mais do que a metáfora da sociedade da abundância tecnológica e da própria democracia, menu que deixava crer, no entanto, que o mundo das proezas tecno-sociais estava aí, com um conjunto de serviços que aparentemente introduziam e naturalizavam o próprio conceito.

Tem-se regularmente chamado a atenção para o facto de se registar uma certa frustração em relação à anunciada televisão interactiva nos grandes mercados mundiais, designadamente norte-americanos, europeus, mas também japoneses, australianos e de Hong-Kong. É um facto que os principais projectos não têm decorrido da melhor forma. Para a televisão interactiva é ainda claramente o tempo da experiência. A falta de entusiasmo pela televisão do futuro, fica a dever-se a uma certa descoordenação entre a inovação tecnológica propriamente dita, as expectativas e capacidades do consumo e a própria conceptualização e produção de conteúdos para multimédia interactivo. De facto, os media sedutores mas não transaccionais davam lugar aos media transaccionais mas pouco sedutores.

As próprias questões específicas da ‘escrita interactiva’ deixavam todas as dúvidas em aberto sobretudo ao nível da congruência do conceito e da coerência dos percursos múltiplos: «Tous les concepteurs de produits, amateurs, professionnels ou pédagogues marchaient sur la même voie : celle du récit, de la narratologie, de l'écriture au sens sémantique, créatif et littéraire du terme ; leur objectif était bien de construire du sens à partir d'éléments épars et éclatés que l'interactivité, via l'écran perçu comme le lieu du montage de ces mêmes éléments, devait unir et rendre cohérent, si le scénario était bien écrit. Quel défi ! Quelle audace aussi ! D'ailleurs certains s'interrogeaient sur la faisabilité de ces produits, voire l'existence même des écritures interactives comme le remarque Olivier Koechlin, de l' INA : ‘Verra-t-on apparaître un appareil sémantique, syntaxique et stylistique de l'interactivité, bref, une écriture interactive ?’. (…) la question des "écritures interactives" ne se pose plus de la même façon aujourd'hui. Il s'agit dorénavant de considérer l'interactivité comme un outil d'accès et de manipulation de l'information.» 17


O facto é que, definitivamente, «um dia ninguém nos conhecerá melhor do que o nosso software». E os agentes de Patti Maes, ou outros sistemas inteligentes perseguirão os nossos hábitos, os nossos comportamentos, os segredos nossos que nós próprios teimamos em não perscrutar, enquanto consumidores generalistas ou culturais ou outros, personalizando todo o tipo de oferta, desde os bens de consumo, aos bens culturais… até às ficções interactivas que de repente nos devolvem a sedução dos novos media.

Daí às teias de «informadores» e de interfaces que potenciam modelos avançados de filtragem e de organização da informação vai um pequeno passo. E a questão está então em saber se está concedida ao software e aos seus agentes a capacidade de acrescentar um ponto ao que - e àqueles - que contam um conto, isto é, se a reconstruções generativas que ficámos a conhecer desde os Poemas Homéricos, são, no futuro, o campo fértil de redes e conteúdos ‘neuronais’?


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Notas:

1 Gilles Deleuze e Felix Guattari, O Anti-Édipo, Lisboa, Assírio e Alvim, s/d., p.162.
2 Deleuze/Guattari, op. cit., p. 164.
3 Giovanni Beccati, A Escultura Grega, Lisboa, Arcádia,1965, p.22.
4 Erwin Panofsky, La perspective comme forme symbolique, Paris, Éditions de Minuit, 1976, p.79.
5 Georges Charbonnier, Entretiens avec Lévi-Strauss, Paris, UGE, 1961, p. 69.
6 Charbonnier, op. cit., p.73
7 Gilbert Durand, A Imaginação Simbólica, Arcádia, Lisboa, 1979, p. 35.
8 Citado por Jean-Louis Baudry, «Effets idéologiques produits par l'appareil de base», Cinétique, nº 7/8, 1970.
9 José Gil, Metamorfoses do Corpo, Lisboa, A Regra do Jogo, Lisboa, 1980, p. 103.
10 José Augusto Mourão, Para uma poética do hipertexto – A Ficção Interactiva, Edições Universitárias Lusófonas, Lisboa, 2001.
11 Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos de História da Cultura Clássica, I Vol., Cultura Grega, 4ª edição, FCG, Lisboa, 1976, pp. 121-122.
12 Aristóteles, La Poétique, Cap. 9, 51a/b, tradução e notas de Roselyne Dupont-Roc e Jean Lallot, Éditions du Seuil, 1980.
13 Mikhail Bahktine, Esthétique et théorie du roman, Paris, Gallimard, 1978, p. 409.
14 Marcos Palácios, «Hipertexto, fechamento e o uso do conceito de não-linearidade discursiva», http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/palacios/hipertexto.html.
15 Patrícia Valinho, «TV Interactiva: ao encontro de um novo utilizador», Observatório nº 10, Obercom, Lisboa, Dezembro de 2004.
16 Cf. Eduardo Gomes Hulshof, Estrutura da Narrativa do Jogo Fallout 2 -Um estudo sobre narrativa interativa, http://www.bocc.ubi.pt/pag/_texto.php?html2=hulshof-eduardo-narrativa-jogo-fallout.html.
17 Françoise Séguy, Les questionnements des écritures interactives - http://www.u-grenoble3.fr/les_enjeux/2000/Seguy/index.php
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