15.5.04

Proto e pós-televisão. Adorno, Bourdieu e os outros – ou na pista da «qualimetria»*

«Quiconque écrit sur un peu de télévision (et non sur «la») se retrouve vite poussé en public à prendre un parti, le plus général qui soit. Comme si la modestie scientifique était incompatible avec l’objet même».
Jérôme Bourdon, in Penser la Télévision



Datando as primeiras emissões de televisão do final dos anos 20, a verdade é que desde essas primeiras emissões de Alexandre Place, em Londres, até ao final do século toda uma complexa história do campo da comunicação ocorreu, múltiplas teorias foram enunciadas, várias rupturas sucederam – soft, mass, self, ciber, ever media, etc. -, mas, em termos mais concretos, o discurso televisivo pouco evoluiu, isto é, a estrutura do dispositivo televisivo resistiu estoicamente, em geral, à inovação do seu modelo técnico-discursivo, isto se atendermos à genealogia da televisão e às suas principais periodizações – proto, neo e pós-televisão.
A «mass-mediatização», ou melhor, a massificação da televisão dá-se ainda em plena «proto-história» do meio. Na Europa, designadamente, com excepção do caso do Reino Unido, é num contexto de monopólio televisivo de serviço público que se verifica a radicação do meio e a sua popularidade e inclusivamente a conquista das grandes audiências nacionais, até então «target» do meio rádio, isto fundamentalmente no pós-guerra.
Poder-se-á dizer que a proto-televisão mergulha as suas raízes mais fundas na evolução tecnológica iniciada pelos daguerreótipos e continuada por um conjunto de cientistas e inventores que consolidaram esse velho mito platónico da transmissão da imagem à distância: Christian May e a fotoelectricidade; Paul Nikow e o disco perfurado; Hertz e as respectivas ondas «sem fios»; Marconi e as primeiras emissões. Finalmente, John Baird e a primeira transmissão de imagens à distância em 1925; e a televisão electrónica de Zworykin.
A Alemanha nazi introduz pela primeira vez na Europa emissões de televisão regulares, muito embora os britânicos tenham tido no final dos anos 20 as primeiras experiências de emissões experimentais. O caso alemão éparadigmático: dominado o país, sob o ponto de vista mediático, pela ordemgoebbelsiana, a televisão acaba por ter uma dimensão relativamente restrita,sendo sobretudo utilizada em regime de «intra-televisão», em circuitofechado no interior do espaço do poder. Mesmo as dificuldades técnicas degestão das máquinas televisivas desaconselhavam o regime totalitário deensaiar qualquer tipo de propaganda através do novo media. Na Alemanha nazi, ao contrário da rádio, a televisão foi um adereço sem consequências.
As primeiras emissões regulares da década de 30, tanto na Alemanha como no Reino Unido, tanto na União Soviética como nos Estados Unidos, em termos estruturais, são muito idênticas às primeiras emissões regulares realizadas pela televisão portuguesa em 1956/57, quase trinta anos depois. E a verdade é que também no fundamental da linguagem televisiva e no essencial da estrutura narrativa, a programação da televisão pública portuguesa no final do século pouco evoluiu face aos dispositivos dos pioneiros. E nalguns aspectos do específico televisivo, como os «directos» ou as conversas gravadas dos grandes comunicadores da história da RTP (António Pedro, João Villaret, Vitorino Nemésio, David Mourão-Ferreira, etc.), houve inclusivamente uma regressão: a televisão deixou as suas charlas linguísticas – e uma certa cultura da inteligência –, para cair regularmente no charco da banalidade.
Portanto, numa época em que se confrontam conflitualmente proto e pós-televisão, o certo é que muitos são ainda os pontos de encontro entre modelos televisivos contraditórios, o que permite identificar uma resistência clara da televisão generalista à sua potencial canibalização pelo novo contexto da multiplicidade da oferta e da interactividade emergente.
Mas se no modelo proto-historico o pedagogismo televisivo acabava por integrar um processo de enriquecimento cultural óbvio através deste meio emergente, a submissão do dispositivo informativo à dominação política do tempo acabava por secundarizar as virtualidades de alguns segmentos da programação. A profunda dependência política da televisão pública europeia, nesta fase, constituía a dimensão crucial e estratégica do novo meio de comunicação social destinado, fundamentalmente, a perpetuar a acção política das democracias conservadoras europeias do pós-guerra e das restantes ditaduras da Europa do Sul.
O modelo BBC passa assim a ser, mais do que um modelo conservador de televisão, um serviço público com a fórmula popular da televisão norte-americana, bastante mais avançada que a Europa nos anos 50. Após 1954, com a criação da Eurovisão, centralizava-se o modelo de intercâmbio de programas entre os diferentes canais europeus, o que originaria uma harmonização dos próprios modelos específicos do dispositivo informativo e dos seus géneros. Nos anos 60 consubstancia-se na Europa a «comunidade planetária» da era dos satélites, que progressivamente se consensualiza e vincula em torno deste modelo fechado. A «mundovisão» acontece em 1962 com o satélite Telstar, continuada em 1965 através do satélite geostacionário Early Bird. Em 1969 a mundovisão concentrava-se nas imagens em directo transmitidas da Lua, em directo. Marcuse dizia então que tinha chegado a «sociedade de massas». A década de 70 vê a proto televisão evoluir para um modelo de neo-televisão, onde o contrato televisivo e os monologismos da paleo-televisão são progressivamente substituídos pelo contacto e a indiferença.
É curiosamente Theodor Adorno (1954) quem desenvolve uma tese que pretende inventariar alguns efeitos considerados «nefastos» da televisão. Adorno refere a «psicologia das profundezas» e as suas estruturas de estractos múltiplos para designar aquilo que ele considerava ser as camadas de significação sobrepostas específicas dos massa media, e em particular da televisão, na compleição da dualidade «mensagem manifesta» vs. «mensagem escondida». Precisamente, os efeitos nocivos da mensagem escondida iam, na sua perspectiva ao encontro das tendências de natureza totalitária, que se alimentavam justamente de «motivações irracionais»: «A maioria das emissões televisivas visa hoje produzir, ou pelo menos reproduzir, a suficiência, a passividade intelectual e a credulidade que parecem concordar com os credos totalitários, mesmo se a mensagem explícita dos espectáculos é antitotalitária». Daí também uma outra sua tese no mesmo texto, retirada a partir da visão da realidade americana: «Quanto mais os estereótipos se reificam e tornam rígidos na indústria cultural tal qual ela é hoje, menos as pessoas são capazes de modificar as suas ideias preconcebidas em função da evolução da sua experiência».
McLuhan, por exemplo, vê como uma espécie de celebração do inevitável o que em diversos autores acabam por ser críticas profundas quanto aos impactes das novas tecnologias da comunicação e nomeadamente da televisão na sociedade. É importante referir algo que em McLuhan não se refere tanto à interacção entre a tecnologia e o social, mas sobretudo às «metamorfoses de sensibilidade» entre a tecnologia e o indivíduo: «Incorporando continuamente tecnologias, relacionamo-nos a elas como servomecanismos» (1964 : 64). De facto, para McLuhan, a galáxia Marconi retoma a ordem visual: «O emprego dos media electrónicos constitui uma fronteira que marca a clivagem entre o homem fragmentado de Gutenberg e o homem integral, da mesma forma que a alfabetisação fonética marcou a passagem do homem tribal, centrado sobre o conhecimento oral, para o homem condicionado pela percepção visual» (1977 : 47). Apesar de considerar os media electrónicos como o fim de um ciclo «cataléptico», McLuhan não deixa de propor que o choque entre a cultura antiga, fraccionada e visual, e a cultura nova, integral e electrónica, provoca uma espécie de eclipse do eu, uma crise de identidade, que pode revestir formas pessoais ou colectivas (1977 : 55), lançando desta forma um pré-modelo de dispositivo que se viria a configurar através de leituras diversas do objecto televisivo. A televisão tem, com efeito, essa faculdade de produzir e reciclar as identidades colectivas, de criar um dispositivo simbólico partilhado, uma vida simbólica comum, o que, em última instância, pode ser visto como uma estratégia de agenciamento de conteúdos e de saberes.
Pensar a televisão e o seu «dispositivo» algumas décadas após Adorno e McLuhan, e também após a «mundovisão», remete de facto para uma impressão que permanece dual, dicotómica, ou mesmo constituída por vários pólos de observação possíveis, o que, a ser assim, remeteria a análise para uma lógica proteiforme que afastaria ainda mais o 'objecto' da leitura que coloca a televisão quase sempre como um instrumento de dominação simbólica.
Os habituais profetismos críticos e mediológicos, as visões catastrofistas dos efeitos sociais e culturais da televisão, têm sido de alguma forma postos em causa por novas realidades políticas que ao longo do século XX foram ocorrendo, a maior parte das vezes impulsionadas pela própria televisão.
Apesar de tudo é um facto que permanece um contrato tácito entre o objecto televisivo e a audiência - um contrato aliás de amplo clausulado, que pode ir da assimilação simples, recolocando o objecto enquanto electrodoméstico, à procura incessante de uma só imagem, através de um interminável zapping.
Concordamos com Jérôme Bourdon e François Jost quando defendem que há realmente um «défice de reflexão sobre a enunciação televisiva» (1998). As etapas marcantes da evolução teorética e analítica sobre o «electrodoméstico» vêm já desde a sociologia funcionalista norte-americana e do determinismo tecnológico e simbólico de McLuhan e vêm até à escola francesa, desde Wolton e o seu profecismo optimista às «profecias» críticas de Bourdieu quando refere que o acesso à televisão está determinado a uma «formidável censura», ou quando discorre sobre as censuras invisíveis da nova ordem simbólica do pós-Guerra, «decretada» pela televisão e pelas audimetrias - «on peut et on doit luter contre l'audimat au nom de la démocrati
e» (1996).
No nosso caso, trabalhámos ao longo dos anos 90 o objecto televisão na complexidade do seu dispositivo (1995 e 1999) : instrumental, logotécnico, performativo, e também numa outra dimensão do seu sistema, o campo da recepção e a lógica das audiências, domínio utilizado já no final da década por Pierre Bourdieu para colocar de novo a televisão como campo simbólico e tecnológico que se auto-recicla recriando a cada momento o seu contrato de audiência, como dispositivo ora consensual ora dissensual, um «dispositivo lábil» (1997), multiforme, na expressão de Noël Nel. Em O Fenómeno Televisivo, vimos como a noção de dispositivo televisivo entroncava no modelo foucaultiano, devendo ser visto como «uma rede de relações, de práticas, de estratégias discursivas e não‑discursivas, que estariam directamente imbricadas nas condições de enunciação, nas condições de exercício da função enunciativa, nas práticas disciplinares e no contexto histórico‑cultural que enforma a genealogia do sujeito moderno. A própria dualidade ver/ser visto (bem como o I am/Eye am proposto por McLuhan), que emerge de uma forma radical a par do universo pós‑tipográfico, como nova ordem disciplinar do olhar moderno, poderia ser interpretada como um dispositivo de vigilância, um dispositivo panóptico de espaços recortados, de acontecimentos registados, de indivíduos "observados", um modelo compacto disciplinar onde os indivíduos, em vez de sujeitos de comunicação, se tornam objecto de informação».
Se a televisão já foi de facto um instrumento de criação de consensos sociais, como sucedeu em Portugal, hoje ela é sobretudo um sistema que gera a indiferença sem abdicar do vínculo social enquanto consenso, quer na sua lógica interna politópica, quer na organização do discurso que se produz sobre ela própria.
O Colóquio de Cerisy - Penser la Télévison - a que já fizemos referência, é um bom ponto de partida para voltarmos a este tema. No seu texto de abertura às actas do colóquio, Jérôme Bourdon (1998) alerta para o facto de o objecto (televisivo) em si ser já uma espécie de «mau objecto», sublinhando a teleologia televisiva assente em nomes como Popper, Bourdieu, Friedmann como tendo construído uma visão da televisão como objecto «deplorável», ou aquele que nunca teria sabido utilizar convenientemente as suas competências, designadamente numa dimensão mais social.
Mau objecto ou metagénero, o certo é que a televisão cria mais facilmente consensos através da sua logorreia discursiva ou da activação da recepção de um programa (veja-se Jauss ou René Berger), do que através da polifonia das interpretações e do que se tem escrito sobre a televisão.
A questão fundamental nesta reflexão sobre o objecto televisivo continua assim a ser a questão do poder da televisão. Popper, Condry, Duverger, Bourdieu, Sartori e muitos outros confluem na mesma interpretação que de certo modo se revê na posição de que se o campo político não controla a televisão será ela inelutavelmente a apropriar-se desse mesmo campo.
A verdade é que nas infinitas oportunidades que a política já teve para tornar a TV uma televisão de acesso, amplamente partilhada pelas comunidades e pelos públicos, sempre decidiu pelo que lhe era mais conveniente, a saber, pelo controlo do seu dispositivo informativo de forma a se perpetuar enquanto poder.
O que significa que o campo político, definitivamente, nunca resolverá este impasse. É muito claro hoje que esta contradição vai sendo resolvida não pelo político, mas sobretudo pelo económico e pelos equilíbrios que procura sustentar com o cultural, que aproveitando a dinâmica da neo-televisão e os efeitos da multiplicidade da oferta - e mesmo as novas dinâmicas interactivas -, se adequam, segundo estratégias e técnicas do marketing e dos estudos de mercado, aos novos interesses do consumo e dos públicos televisivos.
Apesar da redundância de boa parte do modelo da neo-televisão, o poder da televisão será assim tanto menor quanto maior for a competência e a capacidade de escolha - e mesmo de intervenção/criação -, dos públicos perante o dispositivo de produção/difusão da televisão.
A resolução desta quase aporia transfere-se assim do campo do político e do legislativo para o campo do público, invertendo-se também assim um modelo clássico mediático da era dos mass-media. Coloca-se então a questão de saber como reforçar a competência do público em alterar a lógica preversa da audimetria que conduz a televisão generalista a perpetuar uma lógica de programação que se decide sempre como uma espécie de hipertelia a partir da «grelha-tipo» da neo-televisão e não a partir dos interesses e das expectativas do público auscultados no exterior da lógica audimétrica e inclusivamente do interesse público. Quando se trata do serviço público de televisão é claro que as normas éticas e os objectivos qualitativos não podem ser sacrificados às forças de mercado. Esta evolução da própria história da televisão tem conduzido inclusivamente alguns autores, como Nel e Maffesoli, a relativisarem os impactes sociais da televisão. Outros, como é o caso de Wolton, de há muito que «reabilitam» a televisão, concedendo-lhe virtualidades que ela porventura não tem no domínio das identidades e do vínculo social.
Assim, a pós-televisão afirma-se cada vez mais como uma televisão para públicos mais diversificados, rompendo progressivamente com um modelo cristalizado de programação que a televisão generalista construiu ao longo de décadas e do qual ainda não se separou. A radicação de um novo modelo que eventualmente só poderá ganhar consistência em pleno desenvolvimento da era digital assentará assim prioritariamente numa nova lógica marcada por novas competências dos públicos face aos programadores. E a ruptura do modelo analógico é como que uma oportunidade histórica para que isso possa acontecer.
A questão da complexidade de uma analítica do objecto televisivo pode ser vista inclusivamente ao nível do próprio estudo das audiências e dospúblicos. Conforme bem demonstraram Francesco Caseti e Federico di Chio (1999), o estudo dos público não se confina na questão da audimetria. É precisamente nas múltiplas alternativas que se colocam a este método «de mercado» que reside a questão essencial: análise de conteúdo, estudos multivariados de segmentação do mercado, análise de motivações, apreciação e atitudes, análise textual, estudos qualitativos, estudos etnográficos de consumo, estudos culturais, etc., etc. Sobretudo numa perspectiva de «interesse público», mais do que saber quantos telespectadores viram um programa importará saber a razão por que o viram, a reacção ao que viram, e sobretudo a disponibilidade para o mundo de coisas que não viram... E importará ter consciência, primeiro que tudo, que a recusa das estratégias de «nivelamento por baixo» são uma decisão política - dir-se-ia de formação para a cidadania - e não uma decisão «audimétrica» ou de estratégia de programação. O que podem ser então os estudos qualitativos em televisão? Desde logo, possuir os dados sobre o agrado do público, quer em relação às grelhas de programação, quer em relação aos géneros televisivos e à filosofia do canal, independentemente da grelha que possa estar no ar, procurando definir os modelos de programação que encontrem o equilíbrio entre o agrado dos telespectadores - sem conceder ao «comercial» e à guerra de audiências - e a responsabilidade de fornecer um serviço público. Aqui, há sobretudo que ter em conta que o telespectador estatístico é muito diferente do telespectador reflexivo, do cidadão. A participação nestes estudos de grupos e associações emanados da sociedade civil, de painéis de telespectadores, auscultados através de dinâmicas de grupo, pode constituir de facto um outro modo de abordagem da questão da audiência fazendo evoluir o conceito do seu significado estrito de mercado, para um significado qualitativamente diferente, na perspectiva da redefinição do serviço público de televisão em Portugal e na Europa de uma forma geral.
A teoria da recepção não se esgota portanto no audímetro, instrumento que, paradoxalmente, não foi destinado a medir a experiência da audiência, isto é, não mede o que ela retém mas antes o que a retém. Não mede identidades, mentalidades, comportamentos, etc. Falar de audiência é falar de tudo isso, pelo que, em geral, do que falam os audímetros é de audimetria e do triunfo da «parte de mercado». No fundo, o essencial está numa famosa frase de Manuel Maria Carrilho que é todo um programa: «o que se avalia quando se medem as audiências não é o que as pessoas querem, mas a reacção àquilo que lhes é dado». Trata-se portanto de propor a reorientação dos estudos habituais de audiências com base no estudo sociológico aprofundado da recepção de emissões de TV, objectivo que o operador público deve cumprir prioritariamente. Peter Meneer, que dirigiu o sector de pesquisa da BBC desde 1979 a 1992 tinha como primeiro axioma, o seguinte: «Maximizar a parte de audiência é um bom objectivo de gestão para a televisão comercial mas não para o serviço público». Para Peter Menneer havia de facto uma incompatibilidade intrínseca entre a opção «parte de audiência» e a opção «diversidade». Desse ponto de vista, a qualidade de um serviço público de televisão deve sempre ser ponderada designadamente em função da complementaridade face aos difusores privados, em função da variedade da oferta e da promoção da cultura local e em função também da sensibilidade do público inquirida no exterior da própria lógica de medição audiências.
Num quadro sociológico dir-se-ia que se trata, no fundo, de estudar o impacte dos programas num público que não é já um simples consumidor do discurso dominante mas participa na construção do sentido. Para poder segmentar a análise e reorientar os estudos da teoria da recepção aplicada à audiência de televisão, conviria, desde logo, provocar a análise microsociológica no plano das práticas de ver televisão e da competência do telespectador em integrar uma estética da recepção. Num segundo momento, ver como a recepção organiza o texto e lhe dá uma ordem observável e descritível. Finalmente, pensar a recepção como apropriação, isto é, ver como o ficcional, a novelização do real e a realidade-espectáculo se rebatem no real do espectador. É assim óbvio que algo mais deve ser exigido à televisão e algo mais deve ser conhecido do «ser» (do) público. Nesse sentido não seria errado dar apenas um pequeno passo e começar por complementar os índices de audiência com estudos qualitativos, por uma «qualimetria», recolhendo indicadores que aprofundem e ponderem a apreciação dos telespectadores sobre a organização das grelhas, sobre os programas concretos e ainda sobre géneros e programas que habitualmente não estão nos melhores segmentos horários, numa perspectiva quer de serviço público quer de respeitar também o interesse mais diversificado dos públicos, que naturalmente não se confinam no modelo esgotado, «unilateral», de programação da televisão clássica.

* Publicado na RCL, nº 30, Novembro de 2001.


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